Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fernando Rodrigues

LULA PRESIDENTE

“Assunto de Estado”, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/02

“O primeiro contato exclusivo com a mídia do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi uma entrevista ao vivo para a TV Globo, domingo à noite, no programa de entretenimento ?Fantástico?.

No dia seguinte, Lula só respondeu a perguntas durante nova entrevista à TV Globo, no ?Jornal Nacional?.

Lula escolheu falar ao país por intermédio da TV Globo nestes primeiros dias como presidente eleito. Foi uma decisão política. Depois de seus pronunciamentos formais, não respondeu a perguntas até agora.

A cúpula petista esteve ontem em Brasília. Ninguém fala em público e em detalhes sobre o relacionamento do PT com a TV Globo.

Em conversas reservadas, ouve-se de petistas importantes que a TV Globo teve um comportamento ?exemplar? com Lula durante a campanha eleitoral. Lembram, quase com orgulho, que a emissora é dona da maior audiência no país.

Para parte da cúpula petista, Lula ?ficou sem opção?. A TV Record não mereceria atenção especial. O âncora Boris Casoy desagradou ao presidente eleito ao fazer perguntas ácidas nas últimas entrevistas. A TV Bandeirantes tem pouca audiência e será contemplada mais adiante. O SBT está descartado porque o animador de auditório Gugu Liberato participou da campanha do tucano Serra.

Não é tudo. O presidente nacional do PT, José Dirceu, esteve na segunda-feira no programa ?Roda Viva?, na TV Cultura. Indagado sobre as dificuldades financeiras da Globopar, teve cuidado. Ressaltou ser uma ?irresponsabilidade? falar sem conhecer o caso em detalhes.

Mas o homem forte de Lula deu uma pista sobre como o PT tratará dívidas de empresas de mídia : ?Nós temos de tratar isso como assunto de interesse nacional. Temos de tratar isso como assunto de Estado?.

De fato, o governo Lula enseja mudanças. FHC não era tão explícito.”

“Eleições, de longe”, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 30/10/02

“Como sempre, trabalhei nas eleições. Dessa vez foi moleza. Nada de preparar edições especiais. De escrever matérias dando um candidato ou seu adversário como vencedor. De varar madrugadas esperando apurações feitas a passo de cágado. De inventar mil malabarismos para conseguir uma entrevista exclusiva com o eleito.

No final da tarde, tomei o metrô e fui à embaixada do Brasil. Encontrei os colegas correspondentes (do ?Estadão?, do ?Globo? e da ?Folha?), o adido de imprensa da embaixada e esperamos juntos a contagem das seis urnas eletrônicas. Não, o suspense quanto ao resultado, assim como no Brasil, não era insuportável. Feitas as contas, 719 eleitores votaram em Lula, 271 em Serra, 12 em branco e 9 anularam o voto. Não era grande coisa, mas era a nossa notícia do dia.

Acompanhar eleições longe do Brasil é estranho. Os jornais franceses, que fizeram uma cobertura copiosa, deram a ascensão e queda de Ciro Gomes, os compromissos de Lula com a direita, a oscilação de Serra entre o continuísmo e a continuidade. Os dados básicos estavam nos jornais, assim como o afã classificatório francês: aqui, a direita é chamada de direita, e a esquerda, de esquerda, vejam só. Não existe esse papo de que esquerda e direita acabaram. E no entanto algo sempre ficou faltando na cobertura francesa das eleições.

Nos jornais brasileiros também faltava algo. Na internet, nossos jornais ficam ainda mais confusos. A hierarquia das notícias, que nas páginas impressas não é lá essas coisas, vira uma barafunda nas versões digitais: declarações se confundem com opiniões, as reportagens brigam com os editoriais, o anedótico se sobrepõe à política, a política é tomada como marketing.

O que sobra do tumulto da imprensa, para valer, são as pesquisas eleitorais, cuja manipulação, como sabe qualquer jornalista ou político com mais de três anos de profissão, é a norma, e não a exceção. E sobram também os colunistas. Mas tente imaginar a posição política do seu colunista predileto. Difícil, não? Dependendo do dia, eles dão lições aos liberais, aos conservadores, aos socialistas, aos nacionalistas, ao FMI, à CNBB, à esquerda do PT e à direita da CBF, ensinando-lhes o que é bom ou ruim para o ?Brasil?, essa entidade mítica que esconde tantos interesses concretos.

Com isso, até agora não deu para entender se as discussões sobre, digamos, Regina Duarte (a Apavoradinha do Brasil) e o vinho Romanée-Conti (que pertence a um ramo decadente de minha família) eram a sério.

Aí, meu filho André mandou um e-mail, contando que tinha acabado de chegar da avenida Paulista, onde assistiu o discurso de Lula. Num rápido parágrafo, ele falou da multidão, das pessoas, das bandeiras, da homenagem de Lula aos mortos do PT, da referência que fez a sua mãe, que morreu quando ele estava preso. Terminou o e-mail com a expressão ?ruptura inédita e necessária?.

Aí, li o cálido relato do João Moreira Salles, aqui no Nomínimo, sobre o engajamento popular nos comícios do PT, sobre a emoção que permeou a campanha de Lula, que ele acompanhou diariamente no segundo turno.

Aí, li o lúcido artigo de Antonio Candido na ?Folha?, situando historicamente a vitória de Lula, ligando-a a uma certa herança da esquerda brasileira.

Aí, li que Lula andou com um livro do Drummond debaixo do braço no dia da eleição.

Pode ser que a ?ruptura? que meu filho viu na avenida Paulista seja uma ilusão democrática a ser penosamente desmentida pelo governo do PT. Pode ser que o João tenha se deixado enganar pelo espetáculo das massas em movimento: já acompanhei comícios da direita, e eles também são portentosos. Pode ser que o professor Cândido esteja errado no seu diagnóstico de que o momento é de conciliação de classes, sob a égide uma aliança entre o operariado, a pequena burguesia radicalizada e o campesinato. Pode ser que Lula nunca tenha lido Drummond, e que o livro do poeta tenha ido parar na sua mão por obra e graça de um marqueteiro.

Tudo isso pode ser. Mas prefiro acreditar que não. Pois foi com André, João, Antonio Candido e Drummond-Lula que entendi o que me faltava aqui em Paris: o relato em primeira mão, a luta política apaixonada, a perspectiva histórica e a poesia da identidade nacional, simbolizada pelo presidente homenageando nosso poeta maior.

Só então me senti participante, ainda que à distância, de uma experiência coletiva, de um momento da formação brasileira, de uma inflexão da luta de classes. Não cantarei amores que não tenho e, quando tive, nunca celebrei: mas só então fui celebrar a eleição.”

“A festa é nossa”, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/02

“Depois de dar com exclusividade à Globo suas duas primeiras entrevistas como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva deverá receber convite para participar do ?Domingão do Faustão?.

O petista, se aceitar, participará do quadro ?Arquivo Confidencial? -em que famosos são homenageados por familiares e amigos-, segundo a Folha apurou.

O tratamento privilegiado dado por Lula à emissora já está desagradando as TVs concorrentes, que, até a manhã de ontem, só haviam conseguido registrar os dois pronunciamentos feitos por ele.

Domingo, minutos após seu primeiro discurso como presidente, o petista entrou no ar ?Fantástico?, logo após anunciar aos jornalistas que sairia às pressas para ir à avenida Paulista.

Anteontem, quando a imprensa esperava uma entrevista coletiva, Lula fez outro pronunciamento e não permitiu perguntas dos jornalistas. À noite, no entanto, passou uma hora e 15 minutos ao lado de William Bonner na bancada do ?Jornal Nacional?. A participação no ?JN?, segundo a Central Globo de Comunicação, foi negociada na campanha. ?Fechamos essa proposta com os candidatos e todos aceitaram?, afirma Luís Erlanger, diretor da CGCom.

Numa campanha em que Lula e outros candidatos tiveram espaço em todas as TVs, a Globo foi também a única a conseguir realizar um debate no segundo turno, já que o PT recusou convites da Band, SBT e Record.

E, para sexta-feira, a emissora ainda programa um ?Globo Repórter? sobre a vida de Lula.

A resposta dos telespectadores à política tem sido positiva. O ?JN? de anteontem, por exemplo, deu 42 de média e 49 de pico, ótimo ibope para o programa. ?Na Globo, a audiência nas entrevistas foi excelente?, diz Carlos Henrique Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo. O executivo fez um balanço da cobertura em entrevista à Folha, por e-mail. E voltou à polêmica edição do debate de 89 -acusada de favorecer Collor. ?Acreditávamos que um debate, como uma partida de futebol, poderia ser editado num compacto. Hoje entendemos que essa idéia é equivocada.?

Folha – Na opinião do sr., que papel teve a televisão, a Globo em especial, nesta eleição?

Carlos Henrique Schroder – A imprensa deve informar com exatidão e qualidade. A TV tem aumentada sua responsabilidade em função do alcance. A Globo procurou cumprir esse papel. Cremos que atingimos o objetivo. É motivo de satisfação constatar que os partidos e candidatos reconhecem a qualidade do nosso trabalho. E o público correspondeu, nos dando ótima audiência.

Folha – De que maneira esta cobertura difere das anteriores?

Schroder – Ela pôde ser mais extensa porque houve liberalização da legislação e jurisprudências mais bem consolidadas. Este ano, conseguimos entrevistar só os mais bem colocados nas pesquisas, o que seria impossível em outras eleições. Também pudemos convidar aos debates só os candidatos cujos partidos ou coligações têm representação na Câmara.

Folha – Como o fato de os políticos terem ido do ?JN? aos programa policiais, passando pela MTV, pode ter colaborado ou prejudicado no processo democrático?

Schroder – Creio que só pode ter ajudado. Não existe informação em excesso, desde que tenha qualidade. O telespectador sabe dosar. Se já estiver se sentindo informado, muda de canal.

Folha – A Globo não teve problemas em comercializar as duas cotas da cobertura eleitoral, a R$ 2,5 mi cada uma. A que o sr. atribui essa facilidade em convencer as empresas a atrelar sua marca às eleições?

Schroder – Isso faz parte do amadurecimento das instituições. Depois de quatro eleições presidenciais, todos sabem que o jornalismo do país é de alta qualidade, e o da Globo é reconhecidamente dos melhores do mundo. As empresas não atrelaram as marcas às eleições, mas ao bom jornalismo.

Folha – Fontes do PSDB afirmam que José Serra ficou descontente com o tratamento que recebeu nas entrevistas do ?JN?. Sua opinião seria a de que os âncoras pouparam Lula -ao evitar, por exemplo, enfatizar questões ligadas às denúncias de corrupção em Santo André- e foram rigorosos com ele -citando Ricardo Sérgio. Já membros da campanha de Lula dizem que ele está satisfeito com a Globo. O que pensa dessas avaliações?

Schroder – Todas as perguntas feitas aos candidatos -e não somente no ?JN?- foram jornalísticas. A imprensa, inclusive a Folha, publicou artigos elogiando as entrevistas. Todos os candidatos receberam perguntas com o mesmo grau de dificuldade. E todos elogiaram a conduta da Globo. A relação que se estabeleceu com os candidatos foi de confiança absoluta nos nossos bons propósitos. Sobre Santo André, a Globo cobriu o assunto com o destaque merecido. De cabeça, posso dizer que o assunto foi motivo de reportagem no ?JN? por três semanas consecutivas.

Folha – Que avaliação o sr. faz do episódio da edição do debate de 89 -acusada de favorecer Collor?

Schroder – O compacto exibido no ?JN? deixava claro que Collor tinha se saído melhor. Mesmo mantendo as críticas, há muito Lula admite que ele perdeu o debate. Eu, pessoalmente, não considero que uma única edição de um telejornal, mesmo o ?JN?, possa definir uma eleição.

Acreditávamos que um debate, como uma partida de futebol, poderia ser reeditado num compacto, que teria de mostrar só os melhores lances, objetivamente. Hoje, entendemos que essa idéia é equivocada. Um debate é tão movido a paixão que a carga de subjetividade é enorme. Numa partida, isso não acontece: houve tantos gols, tantas faltas. Para ser objetivo, basta respeitar essa matemática para fazer um bom compacto. Um debate político, entendemos hoje, não se presta a isso.

Por isso, partiu da Globo a decisão de não fazer compacto das entrevistas e dos debates. Acho que o que houve em 89 foi um erro de concepção. Hoje, só alguns mais radicais insistem em teses conspiratórias. A intenção foi só tentar resumir a realidade com objetividade. Missão impossível, quando as paixões estão incendiadas e os interesses em jogo são enormes.

Folha – Como avalia que será a relação da Globo com o governo PT?

Schroder – A relação da Globo, do jornalismo da Globo, com o governo PT será a mesma que sempre mantemos com qualquer governo: independência, com respeito e responsabilidade.”

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“Exclusividade desagrada TVs concorrentes”, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/02

“O fato de Lula ter dado suas duas primeiras entrevistas com exclusividade à Globo desagradou as emissoras concorrentes.

?Está óbvio que Lula fez uma opção preferencial pela Globo. Desconheço as razões do privilégio concedido apenas a uma rede?, disse o jornalista Boris Casoy, da Record, que fez ciclos de entrevistas com os candidatos à Presidência e mediou o debate no primeiro turno.

?Deve ser um reconhecimento ao ?apoio? que a emissora deu a Lula durante toda a sua carreira política. Gosto não se discute?, ironizou o âncora do ?Jornal da Record? e do ?Passando a Limpo?.

?Pessoalmente, considero a decisão de exclusividade um erro grave do presidente eleito. Nessas ocasiões, a expectativa é que toda a imprensa deva ser tratada igualmente?, afirmou.

Fernando Mitre, diretor de jornalismo da Band -que também realizou debate e entrevistas com os presidenciáveis- concorda. ?Não há dúvida de que uma entrevista coletiva seria adequada nessa situação. Entendo [a exclusividade? como equívoco de agenda.?

MTV

O canal que mais teve dificuldades em receber os presidenciáveis em seus programas foi a MTV -que, pela primeira vez, decidiu investir nas eleições.

Convidou a todos, mas, no primeiro turno, só conseguiu levar Ciro Gomes ao ?Gordo à Go-Go? e, no segundo, José Serra ao ?Tome Conta do Brasil?, criado para a cobertura eleitoral. ?Acredito que as pessoas ainda não tenham noção da importância do voto dos jovens. Os políticos tiveram alguma resistência a aceitar nossos convites, também, provavelmente, pela irreverência do canal. Mas esta eleição serviu para apresentarmos a eles e ao telespectador nossa maneira de cobrir o assunto, com a linguagem do nosso público?, diz a diretora de programação Cris Lobo.”

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“Linha editorial não é negociada?”, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/02

“A Globopar (braço financeiro das Organizações Globo) anunciou que adiará pagamento de dívidas. Sobre isso, a Folha enviou um adendo à entrevista: ?O anúncio da ?reavaliação? de prazos um dia após a eleição, em 90 dias, quando Lula assume, não pode gerar suspeita sobre a isenção do jornalismo no trato com o PT??

A Central Globo de Comunicação respondeu que ?a situação da Globopar resultou de cronologia financeira em curso há mais de um ano, que nada tem com o calendário eleitoral. O processo tomou curso independentemente do resultado das urnas. A linha editorial da Globo não é objeto de nenhum tipo de negociação?.”