Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Nelson Hoinnef

PODER & CULTURA

“Cultura, PT e interseções”, copyright Jornal do Brasil, 2/11/02

“Há no âmbito do novo governo um claro empenho para a elaboração de políticas culturais consistentes, em particular no tocante à política para o audiovisual. Esse movimento fincou raízes antes e depois das eleições.

Como a repercussão desse esforço tem sido positiva junto aos formadores de opinião, é prudente que se distinga agora o que de fato pode ser feito. Pode-se evitar assim que boas intenções se vejam de repente diluídas no meio de clamores sem respaldo no plano prático.

Por exemplo: o novo governo tem que diferenciar logo os mecanismos de apoio à produção audiovisual dos de sua difusão. Por mais que se veja pressionado, deve ter em mente que políticas de apoio à cultura e políticas de comunicação guardam pontos de interseção, mas têm que ser tratadas em enfermarias diferentes. Ao estimular a ampliação do Fundo Nacional de Cultura e criar mecanismos para limitar o poder decisório das empresas sobre a aplicação de recursos decorrentes da renúncia fiscal, o Estado tem uma chance real de aprimorar a legislação que se apóia nesse princípio. Pode descentralizar a produção cultural e ampliar as chances de produtores com menor poder de barganha. Mas não pode deixar de levar em conta que, sem essas leis, a produção audiovisual brasileira teria sido extinta há anos; elas são, portanto, um imprescindível ponto de partida.

O programa de cultura do PT menciona especificamente o aumento dos investimentos em televisão pública. Isso é bom, mas tem que ser acompanhado por um efetivo planejamento da rede de televisão pública no país, inclusive de sua conceituação, coisa que jamais aconteceu. Há muitas visões conflitantes do que essa rede deva ser. Cabe ao governo abraçar uma e segui-la, estando preparado para as críticas, mas também para a construção de um modelo sólido de TV pública que atenda à diretriz escolhida. Isso levará tempo e trará algum desgaste, mas no seu devido tempo trará também compensações.

Algo bem distinto é a ação sobre a TV privada. Há limites muito rígidos para a atuação do Estado sobre ela – e nem se deve falar em controle externo sobre o seu conteúdo. Mas há um longo caminho a ser percorrido, dentro de preceitos constitucionais, para garantir a pluralidade e a diversidade da produção. Aí está outro ponto de interseção entre as políticas para a cultura e para as comunicações, que pode ser explorado com criatividade e conhecimento da situação.

A questão das TVs pagas é, em si, um capítulo à parte. As políticas de concessão de operações e de produção audiovisual (onde estão embutidos os aprimoramentos das leis de incentivo) têm, em seu ponto de encontro, a histórica possibilidade de estimular a criação de redes regionais de TV por assinatura. E também de garantir sua distribuição pelos operadores que perdem o dinheiro próprio e o dinheiro público cobrando caro dos assinantes por produtos importados que ninguém quer ver.

Isto nunca foi sequer tentado. Não há ocasião melhor para que o seja. A criação de redes regionais de TV por assinatura é capaz de, ao mesmo tempo, expor os mecanismos de apoio à produção regional e nacionalizar sua distribuição. Todo mundo ganha: produtores, operadores e o público. É uma opção política renovadora, respaldada pelo interesse da criação de valores que sustentem a identidade nacional – o que, aliás, é propugnado pelo mesmo programa de governo.”

 

ELEIÇÃO / RS

“A RBS, as eleições e as pesquisas”, copyright Zero Hora, 3/11/2002

“Acaba de ser concluído em nosso país um processo eleitoral marcado pela lisura e pelo seu significado democrático. Superado este processo, sinto-me no dever de vir a público, em respeito aos leitores, ouvintes, telespectadores, usuários dos serviços e colaboradores da RBS, para fazer um esclarecimento sobre a polêmica gerada pela divulgação de pesquisas eleitorais no Rio Grande do Sul.

Em primeiro lugar, gostaria de fazer um reconhecimento aos nossos profissionais pelo trabalho que realizaram. Acredito que a RBS cumpriu com a sua missão de informar e de fazer a cobertura abrangente e equilibrada que se propôs, tendo como foco prioritário o interesse do eleitor. Com este objetivo, nossos jornais dedicaram páginas e cadernos especiais à apresentação dos candidatos e de suas propostas, às demandas dos cidadãos, ao serviço do pleito e às instruções da Justiça Eleitoral. Nossas emissoras de rádio e televisão promoveram debates e entrevistas com transparência, equilíbrio e oportunidades para partidos e candidatos. Utilizamos a nossa tecnologia de Internet para oferecer, através de todos os nossos veículos, informações precisas e instantâneas da apuração.

Concretizamos nossa determinação de apresentar uma cobertura plural, em que até mesmo o presidente eleito do país, senhor Luiz Inácio Lula da Silva, manteve até março uma colaboração fixa em Zero Hora, desincompatibilizando-se da mesma para fazer campanha, a exemplo de outros políticos de todas as colorações partidárias que têm voz e vez nos veículos da RBS. A legitimidade e a correção da nossa cobertura foi de certa forma atestada pela Justiça Eleitoral, que não deu provimento a nenhuma das seis ações interpostas contra a RBS.

Feita esta reflexão sobre o nosso trabalho, gostaria de abordar com o máximo de transparência o episódio das pesquisas. A RBS não possui estrutura própria para tais levantamentos. Outros grupos de comunicação, como a empresa Folha da Manhã, que edita o jornal Folha de S. Paulo e opera o instituto Datafolha, e a Empresa Jornalística Caldas Júnior, editora do jornal Correio do Povo e que opera o CPCP, têm uma visão diferente da nossa. Esta decisão faz parte da autonomia e da independência do mundo empresarial. Para atender a demanda de seu público por pesquisas eleitorais, a RBS contrata os serviços do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), a mais tradicional instituição do gênero no país, reconhecida por outros veículos de comunicação, entidades e partidos políticos.

Além disso, para oferecermos ao nosso público um referencial comparativo, contratamos também o Centro de Pesquisas em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Cepa/UFRGS). Todas essas instituições (Datafolha, CPCP, Ibope e Cepa) são independentes, autônomas e obedecem a normas técnicas e legais, que as habilitam a exercer sua atividade. Mesmo assim, estas entidades acertam e erram.

No recente episódio eleitoral, uma dessas instituições – o Ibope -, embora tenha registrado corretamente o vencedor do pleito no Rio Grande do Sul, errou gravemente na diferença percentual entre os votos dos dois candidatos, como já foi admitido publicamente por seu presidente, senhor Carlos Augusto Montenegro, em entrevistas à TVCOM e à Rádio Gaúcha na noite do último domingo, material reproduzido pela edição de segunda-feira de Zero Hora.

Tais erros levaram alguns comunicadores da RBS a se manifestar equivocadamente após o encerramento da eleição, quando da divulgação da pesquisa boca-de-urna, fazendo comentários precipitados sobre outras pesquisas e sobre empresas e instituições envolvidas direta ou indiretamente no processo eleitoral. Essas manifestações, porém, foram conseqüência da análise de uma pesquisa que se mostrou equivocada na comparação com o resultado das urnas. Por isso, peço desculpas por eventuais excessos cometidos em alguns dos nossos veículos. Ao mesmo tempo, apresento meus cumprimentos pessoais ao Centro de Pesquisa Correio do Povo pela precisão do seu levantamento de intenção de voto.

Asseguro, porém, que a RBS jamais tentou interferir em pesquisas. Mesmo assim, recolhemos todas as críticas relativas a este episódio, mesmo as mais veementes e aquelas que na nossa visão são injustas, de modo sereno, pois elas contribuem para que façamos um exercício permanente de humildade e autocrítica.

Gostaria ainda de afirmar aos usuários de nossos veículos que a RBS recolhe deste episódio os ensinamentos necessários para o aperfeiçoamento do seu trabalho. Como parte deste processo, para reavaliarmos o nosso procedimento na contratação e divulgação de pesquisas eleitorais, estamos convidando representantes da sociedade rio-grandense para constituir uma comissão independente, que será formada pela reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Wrana Panizzi, pelo professor de Direito Constitucional Eduardo K. M. Carrion, pelo presidente da Associação Riograndense de Imprensa, Ercy Torma, e por um integrante do Conselho do Leitor de Zero Hora indicado por seus pares. Esta comissão analisará os procedimentos adotados pela RBS em relação às pesquisas nesta eleição e sugerirá formas de aprimorar a utilização deste instrumento em pleitos futuros. As observações desta comissão serão amplamente divulgadas. (Presidente da RBS)”