GLOBO EM CRISE
“Globopar diz que vai ?reescalonar? dívida”, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/02
“A Globopar Comunicações e Participações, holding da família Marinho que controla empresas de comunicação, como a Net (antiga Globo Cabo) e a Globo.com e a Editora Globo, anunciou ontem uma moratória, com o reescalonamento do fluxo de pagamentos da sua dívida financeira.
A empresa diz que a medida é decorrente da ?significativa desvalorização do real e da deterioração das condições econômicas do Brasil?.
De acordo com o comunicado, distribuído no começo da noite pela empresa, o reescalonamento é parte de uma reavaliação da sua estrutura de capital.
?A Globopar espera dar novas informações sobre esse processo de reavaliação nos próximos 90 dias?, afirma.
A dívida sujeita à moratória, de acordo com a assessoria de imprensa da Globopar, é de US$ 1,5 bilhão, sendo US$ 900 milhões em bônus.
A assessoria de imprensa da Globopar informou que a suspensão dos pagamentos foi feita em meio a um processo de renegociação dos débitos com os credores. Informou ainda que as dívidas da Net estão fora do reescalonamento.
Investimento
A nota afirma que a TV Globo Ltda., empresa que engloba as emissoras de televisão aberta do grupo Globo e que não faz parte da empresa de participações, ?é garantidora de uma parte das dívidas financeiras da Globopar?.
Segundo a assessoria, isso não significa que ela seja afetada pela suspensão dos pagamentos. A TV Globo, a Infoglobo (controla o jornal ?O Globo?) e o Sistema Globo de Rádio não fazem parte da Globopar.
Segundo o documento, a família Marinho investiu nos últimos seis meses ?mais de US$ 170 milhões? na Globopar, mas não conseguiu reverter o quadro de dificuldades.
?Apesar do forte apoio financeiro dos seus acionistas, a contínua desvalorização do real e a significativa redução do crédito disponível no mercado para as empresas brasileiras vêm onerando de forma significativa a dívida em dólares da Globopar?, diz o texto divulgado ontem.
A nota diz também que ?a Globopar já começou a conversar com alguns credores? e que as empresas Goldman Sachs & Co. e Houlihan Lokey Howard & Zukin Capital foram contratadas para assessorá-la na reavaliação dos ativos e na atração de investidores. Em relação ao mercado brasileiro, a assessoria será do Unibanco.
Em junho deste ano o grupo Globo anunciou a criação da Globo S.A., que deveria englobar todos os investimentos do grupo e substituir a Globopar.
Ela seria presidida por Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras que assumiu no começo deste ano a presidência da Globopar.
Em setembro, o grupo anunciou a saída de Reichstul do cargo e a suspensão do processo de criação da Globo S.A.
A Globopar passou a ser apenas uma holding financeira, presidida por Ronnie Vaz Moreira, levado por Reichstul para ser o diretor financeiro da empresa.
Assembléias canceladas
Ontem, foram canceladas duas assembléias de acionistas da Net que deveriam tratar do fechamento da reestruturação da dívida da empresa, de aproximadamente R$ 1,1 bilhão.
A assembléia de acionistas que deveria aprovar as propostas a serem levadas aos credores foi interrompida e deverá prosseguir amanhã.
Em comunicado à Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), a Net diz que as propostas ainda se encontram ?em fase de análise e de definição?.
De acordo com o que a Folha apurou, a Globo decidiu anunciar a suspensão do pagamento da dívida da Globopar apenas ontem, um dia depois do resultado das eleições presidenciais, para que isso não fosse usado por nenhum dos dois lados da campanha eleitoral.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) recentemente deu apoio para a Globocabo.
Mesmo assim, o BNDES só entrou com pouco mais de R$ 30 milhões na operação de emissão de debêntures. O ingresso maior de capital foi da própria Globo, que injetou R$ 600 milhões na empresa.”
“Globopar”, copyright Folha de S. Paulo, 31/10/02
“?A Globopar esclarece que não recebeu empréstimo de R$ 30 milhões do BNDES, conforme publicado na reportagem ?BNDES não deve emprestar mais dinheiro à Globopar, indica Lula? (Brasil, pág. A12, 30/10).
O BNDES, na qualidade de acionista da NET Serviços, ex-Globo Cabo, participou do aumento de capital da empresa realizado em agosto passado, assim como o fizeram a Globopar e outros acionistas da empresa.? (Ronnie Moreira, presidente da Globopar (Rio de Janeiro, RJ)”
“Imagem da crise global”, copyright Veja, 6/11/02
“Na semana passada, a Globopar, holding financeira que administra a maior parte das participações acionárias das Organizações Globo, anunciou o reescalonamento de uma dívida de 1,5 bilhão de dólares. Nos próximos noventa dias, os pagamentos, com vencimento até 2008, serão renegociados junto aos credores, a maioria estrangeiros. Não estão incluídos nesse processo os débitos das empresas mais conhecidas da família do empresário Roberto Marinho, como a TV Globo (que é, no entanto, a garantidora dos créditos concedidos à Globopar), o Sistema Globo de Rádio e os jornais O Globo, Extra e Diário de S. Paulo. A crise da holding deixa em situação delicada a Net, operadora de TV a cabo do grupo em sociedade com BNDESPar, Bradesco, RBS e Microsoft. A companhia está fora da renegociação, mas teve sua avaliação de risco rebaixada pela agência Standard & Poor?s, que a colocou no rol das empresas em condições precárias para honrar seus compromissos. A Net, que estava em fase final de negociação de uma dívida de 1,1 bilhão de dólares, acabou suspendendo a assembléia de acionistas que havia sido convocada justamente para acertar os termos finais do acordo com seus credores.
A holding, que faz parte de um dos maiores grupos privados brasileiros, está sendo vítima da mesma conjunção de fatores que aflige todas as companhias que contrataram empréstimos externos. A questão central está na desvalorização do real. A explosiva combinação de aversão mundial ao risco com as incertezas advindas do processo eleitoral no Brasil produziu uma restrição de crédito que não encontra paralelo nem no período imediatamente posterior à moratória decretada no governo Sarney. As empresas não conseguem financiar operações de exportação e importação nem refinanciar suas dívidas em dólares e recorrem ao mercado doméstico para obter recursos para pagá-las. Como há escassez de moeda estrangeira devido à grande procura, a cotação sobe e aumenta o montante das dívidas. É um círculo vicioso e perverso. ?A contínua desvalorização do real e a significativa redução do crédito disponível no mercado para as companhias brasileiras vêm onerando de forma significativa a dívida em dólares da Globopar?, resume o presidente da holding, Ronnie Vaz Moreira.
No início do ano, nem as previsões mais pessimistas davam conta de que o novo presidente seria eleito com o dólar beirando os 4 reais. Desde o início de maio, quando começou a escalada cambial, as cotações já subiram 52%. Não há registro de algum setor cuja receita tenha subido nessa proporção em tão curto intervalo de tempo. No caso da Globopar, que tem quase 90% de suas dívidas em dólar e receita em reais, o problema é ainda mais grave. Principalmente num momento de retração do mercado interno, que só tende a se acentuar depois da decisão do Banco Central de aumentar os juros de 18% para 21%. Esse conjunto de dificuldades atropelou os planos da empresa, inclusive a criação da Globo S.A, uma holding que deveria abrigar todos os investimentos do grupo, abrir caminho para a entrada de um sócio estrangeiro e para a colocação de ações nas bolsas de valores. A família Marinho tentou capitalizar a Globopar e evitar o reescalonamento da dívida, uma medida desgastante e negativa num momento em que o país precisa sinalizar tranqüilidade para investidores e credores externos. Só nos últimos seis meses, foram injetados mais de 170 milhões de dólares na holding, mas a situação ficou insustentável.
Uma decisão dessa gravidade tomada por um grupo do porte das Organizações Globo num momento de transição como o atual provoca, inevitavelmente, turbulência no mercado. Os analistas se dividem entre os que atribuem as dificuldades da Globopar exclusivamente à conjuntura econômica adversa e os que apontam como motivo determinante um excessivo endividamento em moeda estrangeira ao longo da década de 90. Os que compartilham esta segunda visão não estão levando na devida conta que o financiamento externo não foi simplesmente uma escolha das empresas. Foi a única saída para conseguir investir num país que não tinha – e ainda não tem – mecanismos de financiamento de longo prazo e cobra juros que estão entre os mais altos do mundo. A poderosa modernização do Brasil nos anos 90, principalmente depois do Plano Real, só ocorreu por causa dos recursos externos, e não teria sido possível de outra forma. O caso da Globopar, portanto, deixa ainda mais evidente a necessidade de dar ao país um horizonte de confiança de longo prazo, que permita linhas de financiamento internas a juros civilizados. E é justamente agora, na transição para o novo governo, o momento de lançar as bases para que isso seja possível no futuro.”