Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Regina Ribeiro

O POVO

"Fim de caso eleitoral", copyright O Povo, 17/11/02

"Vamos encarar o assunto pela última vez. Apesar do tempo já corrido desde o final do processo eleitoral e o jornalismo viver essencialmente das informações das últimas 24 horas, esta coluna se reserva no direito de amadurecer algumas idéias, sem o imediatismo que ronda a publicação dos fatos.

Na última segunda-feira apresentei a um grupo de editores, na Redação do O Povo, o levantamento que fiz sobre as eleições estaduais através de uma avaliação do que foi publicado pelo jornal. Esse trabalho levou em conta aspectos quantitativos da cobertura, na tentativa de elaborar uma leitura qualitativa do noticiário local no período de 1? de julho a 30 de outubro último. É sobre parte desse trabalho que conversaremos hoje. Em primeiro lugar, não será possível colocar aqui todos os números arrolados nesse levantamento. Em segundo, pretendo me deter em alguns pontos das conclusões do trabalho, que são uma leitura particular da cobertura eleitoral local com base numa análise qualitativa do material publicado.

Equilíbrio

Uma leitura numérica das informações publicadas pelo O Povo no processo eleitoral garante um equilíbrio de distribuição de espaço editorial por parte deste veículo. Aqui, me refiro à quantidade de matérias destinadas aos candidatos ao governo no 1? e 2? turnos. Também é importante destacar o carácter didático e o debate de idéias em torno da cobertura eleitoral. Foram realizadas duas rodadas de entrevistas com todos os candidatos ao Senado e ao governo do Estado, em que os participantes tiveram a oportunidade de debater suas idéias, propostas de governo e atuação política. No 2? turno houve nova rodada de entrevistas e um debate entre os dois postulantes ao poder executivo do Ceará. O projeto gráfico das edições foram concebidas de tal forma que todos tivessem a mesma apresentação do material no O Povo. É bom lembrar ainda que este jornal publicou 10 cadernos especiais, sendo que oito deles tinham foco direto na discussão dos principais problemas que atingem o Estado: educação, saúde, segurança, habitação, agricultura e concentração de renda. Esse equilíbrio de distribuição também se refere à quantidade de páginas, na Editoria de Política, destinadas às eleições em níveis nacional e estadual. De julho a outubro, foram utilizadas 300 páginas para informações de política eleitoral local e 291 para notícias de política eleitoral nacional.

Frieza dos números

No entanto, apesar dos números apontarem para um equilíbrio quantitativo, acredito que O Povo subestimou a sucessão local, no 1? e, principalmente, no 2? turno quando houve um forte elemento político com a disputa entre os candidatos do PSDB e PT ao governo. Chego a essa afirmação baseada no comportamento das manchetes do O Povo nesse período. De julho a outubro, O Povo teve 37 manchetes eleitorais. Isso representa 30,08% das 123 manchetes que o jornal teve nesse período. Dividindo o bolo, as eleições locais estiveram como principal informação no O Povo, 15 vezes, ou 12,19% do total de manchetes. As manchetes eleitorais nacionais tiveram maior participação, emplacando 22 vezes, ou seja, 17,88% do total. Durante o 2? turno, quando havia um claro embate entre os candidatos, a disputa eleitoral local só figurou na manchete em três ocasiões: no dia do debate promovido pelas empresas de comunicação O Povo entre os dois candidatos (22/10), no dia seguinte (23/10), e a manchete sobre os artigos de Lúcio Alcântara e José Airton sobre metas de governo (23/10).

Sem investigação

O Povo perdeu oportunidade de ampliar a cobertura para explicar aos leitores algumas das denúncias feitas pelo candidato Lúcio Alcântara contra o candidato opositor, José Airton, e as que José Airton fez contra Alcântara. Como exemplo cito as questões relacionadas à ?casa-mansão? do candidato José Airton que se restringiram às denúncias. Não houve uma investigação jornalística eficiente para esse caso que mostrasse ao leitor uma informação básica: qual a configuração física desta casa? O mesmo aconteceu com os salários atrasados de Icapuí, que da mesma forma não houve nenhum empenho em esclarecimentos. Ficou no âmbito do bate-boca, da afirmação e negativa. José Airton, e o PT, por sua vez, acusaram Lúcio Alcântara de ter participado de forma ?conivente? contra dissidentes do regime militar e O Povo não fez uma única apuração do assunto para verificar a veracidade de tal informação. Nos dois casos havia a intenção clara de desqualificação dos candidatos por meio de suas estratégias de campanha.

A realidade mal representada

Também considero que O Povo subestimou algumas informações da política estadual como manchete. Por exemplo: parte dos caciques da política cearense (PMDB, PFL) apoiou José Airton no segundo turno. O PMDB ficou publicamente dividido, com o prefeito Juraci Magalhães (PMDB) apoiando o candidato Lúcio Alcântara. As carreatas dos dois candidatos, reuniram, no domingo anterior às eleições de 27 de outubro, cerca de 15 mil carros nas ruas de Fortaleza, revelando que havia uma disputa eleitoral, no Estado, como não acontecia há cerca de 16 anos. A vinda do então candidato do PT, Lula da Silva, a Fortaleza, reuniu 100 mil pessoas na Praça do Ferreira, num comício histórico. A realidade das ruas e as cisões políticas do período não foram bem representadas pelo O Povo.

De braços com as pesquisas

As pesquisas políticas tiveram um papel de fundamental importância para a cobertura do dia-a-dia. Uma matéria publicada no dia 6 de outubro retrata isso muito bem a partir do título: ?E a disputa não foi o que se esperava?. O texto-abre é taxativo: ?A expectativa de uma disputa acirrada no Ceará, após 16 anos de hegemonia tucana não se concretizou. As candidaturas de Sérgio Machado (PMDB) e de Wellington Landim (PSB) (…) não decolaram. O petista Airton Cirilo revelou-se o patinho feio de uma campanha que não empolgou.? Mesmo depois de concluída a apuração das urnas, os 6 mil votos que impediram a eleição de Lúcio Alcântara no primeiro turno não deram ao O Povo uma percepção de que havia um fenômeno político no Estado. Uma disputa que mostrava claramente um movimento de discordância ao Cambeba, apesar dos índices de mais de 70% de aceitação da administração do ex-governador Tasso Jereissati."