LEI 175/01
Nelson Hoineff (*)
A aprovação no Senado da Lei 175/01, que libera 100% do capital das operadoras de TV por assinatura ao capital estrangeiro, começou a ser atacada duramente por várias entidades, entre elas o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação [veja manifesto do FNDC na rubrica Interesse Público, desta edição].
As entidades argumentam, não sem razão, que a rede instalada de mais de 40 mil quilômetros de cabo serve não apenas ao controle do que vai ser difundido pela TV, mas também ao que vai trafegar através dos sistemas de comunicação por internet de banda larga. Por isso, o FNDC está pedindo que a Câmara dos Deputados rejeite o projeto de lei e, de quebra, a Medida Provisório n? 70, que regulamenta o capital estrangeiro nas empresas jornalísticas.
Dois dias depois da manifestação do FNDC, coincidentemente o Ministério da Justiça formalizou, por meio da portaria 1.549, de 21 de novembro passado, a criação do "Comitê Interinstitucional para Classificação Indicativa de Filmes, Programas Televisivos, Espetáculos Públicos, Jogos Eletrônicos e RPG". Esse comitê é formado por 13 entidades, que vão desde a Ancine (Agencia Nacional de Cinema) até a CNBB, do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs ao Rabinato da CIP.
Há batalhas em curso, portanto, para garantir o controle da circulação dos sinais de TV por assinatura ? e, ao mesmo tempo, para ter alguma maneira de controlar a qualidade do que a televisão brasileira tem colocado no ar, o que, sem dúvida, está muito abaixo de qualquer padrão aceitável. O que talvez esteja faltando é estabelecer que as duas coisas se relacionam. E mais: para que se tenha imagens brasileiras e de qualidade tanto pelo ar quanto pelos mecanismos de distribuição de sinais pagos é necessário que se coloque na mesa a existência de uma relação mais complexa, que envolve os mecanismos de produção audiovisual e a qualidade da programação que é distribuida tanto através das redes de TV abertas quanto das grades das operadoras de TV por assinatura.
Impacto social
O foco principal do problema não está na saúde financeira das operadoras de TV por assinatura ? e nisso o FNDC está coberto de razão ? nem no convencimento das redes de televisão aberta de que o que eles estão produzindo e distribuindo é ruim. Fazer isso, aliás, equivaleria a tentar convencer um elefante a voar. Sabe-se que, pela sua natureza, paquidermes não voam, assim como se tem certeza que, por natureza análoga, a maior parte das redes abertas de televisão não se dá conta do que pode significar uma programação de qualidade.
Os holofotes devem se voltar então para o fato de que várias questões essenciais são indissociáveis: o papel das operadoras de TV por assinatura, a presença do capital estrangeiro nessas operadoras e também nas redes de televisão abertas; a criação de mecanismos específicos para o encorajamento da produção e distribuição do produto televisivo de produção independente; as salvaguardas para a pluralização e regionalização da programação; e, finalmente, e só então, o olhar crítico sobre a qualidade e a pertinência sóciocultural do que está sendo distribuído através da televisão brasileira (entendendo-se por tal as redes de televisão abertas e por assinatura e as grades das operadoras que atuam no país).
Ver essas questões isoladamente é correr atrás do próprio rabo. Discursos em torno da qualidade da programação, ou da manutenção do controle das operadoras de TV paga em mão de brasileiros, podem ter algum impacto social, que será efêmero e incompleto ? na fronteira, portanto, do demagógico. Já que se está discutindo quem vai controlar a distribuição do conteúdo, ou a qualidade do conteúdo, não será má idéia avaliar também quem vai estar produzindo esse conteúdo.
(*) Jornalista, escritor e diretor de TV