CAMPANHA NA RUA
Paulo José Cunha (*)
(Como era mesmo aquele versinho genial do Drummond? "Lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã." Isso mesmo. Memória boa, hein, menino? Deus te guarde e acrescente). Pois olha, não temos feito outra coisa, quando se trata de denunciar a baixaria da TV: lutar com palavras, até aqui nossas únicas armas. E, de tanto falar e denunciar nós, os que continuamos acreditando que alguma coisa ainda pode acontecer, viramos um bando de chatos de discurso único, repetitivos, monocórdicos. O pessoal já nos olha de lado, com aquele jeitão de "ih, lá vêm eles de novo!" Talvez até comentem baixinho: "Será que não sabem falar de outra coisa? Passam o dia remoendo essa história de baixaria na TV. É só baixaria, baixaria, baixaria. Não têm mais o que fazer, sei lá, um lixo pra varrer, uma roupa pra lavar?"
Nada contra o insubstituível ofício dos garis ou a bela e secular arte das lavadeiras. Mas, se depender da gente, a vassoura e o tanquinho vão esperar um pouco, até porque ainda tem muita palavra pra se usar nesta luta que, felizmente, já não parece assim tão vã. Foi o que ficou claro na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, semana passada, ao ser lançada a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania". Sabe a razão do otimismo? É que, pela primeira vez, a questão está sendo atacada não apenas pela palavra, mas pela parte conhecida como a mais sensível do corpo humano: o bolso. De forma extremamente singela, alguém que merece o prêmio nacional pela descoberta do óbvio gritou o "heureca" que faltava: "Ora, do que adianta ficar denunciando, denunciando, denunciando? Tem é que falar a língua deles, ou seja: pegar os caras pelo bolso." Claro e óbvio. E quanto mais óbvio, mais genial.
Todo mundo aí se lembra da campanha pela paz no trânsito em Brasília, no governo Cristovam Buarque. Deu até matéria no Jornal Nacional. Claro que as campanhas educativas serviram de mote para a pacificação dos irresponsáveis do volante, que todo ano ajudavam a reduzir consideravelmente a densidade populacional do DF. Só que, ao lado da campanha educacional, o governo apertou o torniquete no pescoço dos infratores, botando a polícia pra aplicar multas pesadas e cobrando o respectivo pagamento. Provou-se que os métodos de educação, mesmo os mais românticos, não devem ser abandonados. Mas descobriu-se, igualmente, que eles se tornam muito mais eficazes quando acompanhados de medidas coercitivas, principalmente as pecuniárias. Apesar do afrouxamento dessas medidas no governo Roriz, que continua sucedendo a Cristovam, alguma coisa restou daquela aula de educação pela pedrada.
A parte de cada um
Agora, a campanha contra a baixaria na TV apela para os mesmos métodos. E é capaz de dar certo. Tal como a lista negra anual do Procon, terror das empresas que não cumprem o Código de Defesa do Consumidor, mais de 900 organizações não-governamentais e outras instituições resolveram se unir para cortar o fluxo de recursos que mantém a baixaria no ar. Mais ou menos como aquela técnica dos médicos, de fechar os canais de suprimento alimentar dos tumores malignos, matando-os por inanição. Cuida-se tão somente de monitorar a baixaria na televisão, assistindo aos programas e anotando os nomes dos patrocinadores, para se instituir um índex das empresas e instituições que mantêm no ar os que atentam contra os direitos fundamentais da pessoa humana. E aí formalizar pela imprensa, pela internet, através de carros de som, em cartazes exibidos por homens-sanduíches ou aos berros rua afora, a denúncia à opinião pública com mensagens do tipo: "Olhaí, gente! A empresa tal paga a publicidade daquela aberração que revolta todo mundo e que passa às tantas horas no canal xis. Dê o troco, não comprando mais os produtos ou contratando os serviços dela." (E que ninguém venha se apiedar dessa malta de cretinos sob o argumento idem de que se deve respeitar o direito de livre expressão. Esse papo cansou e nem vale mais a pena explicar de novo que controle social não tem nada a ver com censura. Só não sabe disso quem não tem interesse em saber).
A intenção da campanha é mesmo a de humilhar essas empresas, expô-las à execração pública, fazer o pessoal parar de consumir seus produtos e serviços, virando o feitiço contra o feiticeiro. A expectativa é a de que o tumor, ou seja, os programas de baixaria, morram à míngua, sem ninguém que os mantenha. Se vai funcionar? É capaz, mas o melhor mesmo é raciocinar como aquele passarinho que fazia a parte dele carregando a gota d?água no bico pra apagar o incêndio na floresta. Ou seja: cada um precisa fazer sua parte. Aí, a campanha tem chance, sim, porque sem dinheiro não se faz televisão, nem mesmo a de baixaria. E a gente tem mais é de acreditar, até porque, se esse troço não der certo, tudo bem: a vassoura e o tanquinho estão aí mesmo.
(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail; pedidos para <pjcunha@unb.br>