ELEIÇÕES 2006
Alberto Dines
Refundações. No plural, 17:01, 27/10
‘Introduzido no glossário político em junho de 2005 quando Tarso Genro, presidente em exercício do PT, parecia menos arrogante e mais profundo, o conceito de refundação reaparece agora com enorme força. E antes mesmo de conhecidos os resultados do segundo turno.
É óbvio que a derrota de um dos candidatos — qualquer que seja — empurrará o seu partido para a indispensável revisão e sacolejo. É inevitável a refundação da agremiação perdedora, derrotas têm o mérito de produzir tais desafios. A dúvida reside apenas na profundidade e intensidade da reconstrução.
Uma mexida cosmética, superficial, acionará fatalmente novas debacles. O dado novo na equação política brasileira é que o partido vencedor — qualquer que seja — também deverá submeter-se a uma reavaliação e recomposição. Significa que tanto o perdedor como o vencedor deste domingo estão diante do mesmo repto – refundar-se. Apesar das aparências opostas estão diante da mesma necessidade.
Em 2002, o PSDB não teve a ousadia para colocar-se diante do espelho para fazer aquela pergunta dolorosa e incontornável: por que perdemos? Escapuliu de um confronto com a realidade e não quis discutir os malefícios da parceria com o PFL. Esqueceu a clamorosa traição perpetrada por ACM nos braços de Lula, fingiu a ‘facada pela frente’ perpetrada por Tasso Jereissati (e denunciada por FHC), enfiou na gaveta as evidências de que Aécio Neves preferiu flertar com Lula pensando na sua sobrevivência como governador a mergulhar na campanha para eleger Serra.
O pior é que o PSDB sequer assumiu o significado do próprio nome – Partido da Social Democracia Brasileira. Optou pelo pragmatismo, apostou no desgaste do PT e imaginou que os fados logo armariam uma revanche. E quando os fados lhe ofereceram a bandeja com o mensalão, não soube o que fazer com ele.
A parceria com o PFL foi essencialmente perniciosa embora tenha funcionado em casos esporádicos como o de Marco Maciel graças aos seus atributos pessoais. Por culpa desta proximidade, esqueceram-se os compromissos ideológicos e morais que levaram aquele grupo de peemedebistas a criar o PSDB. Por força da convivência com coronéis que traziam no seu DNA as heranças do PSD, UDN e Arena, o PSDB esqueceu Franco Montoro, Teotônio Villela, José Richa e Mário Covas.
Sobretudo este. José Serra percebeu os perigos do contágio com o PFL, por isso montou uma chapa ‘puro-sangue’ para o governo do Estado. Ganhou, mas no plano nacional era impossível recuar. O processo de despersonalização e emasculação do PSDB culminou com a desastrada e desastrosa escolha de Geraldo Alckmin para enfrentar Lula.
No meio dos tucanos atrapalhados pelos enormes bicos e vistosas plumagens, não apareceu quem conseguisse enxergar a especificidade de um político que se adapta à condição de vice de Mário Covas. Transformado em seu sucessor graças aos caprichos do destino, imaginou-se que estas mesmas forças superiores seriam capazes de produzir um clone perfeito. O Todo Poderoso é mais sábio do que se imagina. A refundação do PT também é inexorável e inequestionável, mesmo que se confirme o triunfo preconizado pelas sondagens da sexta-feira.
Sem perceber a gravidade do que proclamava, o candidato Lula tornou-a imperiosa no discurso do último comício na periferia de São Paulo, quarta-feira. Ao reconhecer os erros cometidos e, na mesma frase, ao garantir que o País melhorou de forma extraordinária, o quase-futuro presidente da República consagrava o postulado do vale-tudo. Não foi gafe casual ou excesso retórico.
A mesma associação (explicitada em outros palanques), agora precisará ser definitivamente rejeitada ou definitivamente incorporada. Nos dois casos, o PT precisará manifestar-se de maneira cabal. A idéia da sua refundação nunca foi tão necessária e tão próxima.’
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