[do release da editora]
O jornalismo objetivo, realista e racional não costuma dedicar espaço a relatos de fatos absurdos. Fenômenos fantásticos remetem a mundos estranhos, sobrenaturais e incompreensíveis, explorados à exaustão pela ficção literária e cinematográfica. Raramente os jornais ou telejornais falam de lobisomens, assombrações ou chupa-cabras. Quando falam, é para ironizar coisas exóticas e debochar das crendices populares. No entanto, fatos insólitos atraem a atenção dos jornalistas e os jornais costumam publicar notícias sobre ocorrências absurdas, mesmo a sisuda grande imprensa.
Notícias tipo ‘Ladrão se arrepende e devolve o dinheiro’, ‘Pistoleiro se apaixona por mulher que deveria matar’, ‘Filha enterrada volta ao lar’, ‘Crocodilo gigante se apaixona por avião’, ‘Papagaio delata infidelidade’, ‘Galinha é recolhida ao xadrez em Porto Alegre’, ‘Gordinha pagará multa se passear de biquíni’ e outros relatos sobre fatos inverossímeis foram publicados na Folha de S.Paulo, O Globo e outros grandes jornais.
A razão do aparecimento dessas notícias nos jornais de referencia deve-se a um jogo de atração e desprezo entre o factual e o imaginário. Fenômenos inverossímeis desconcertam as pessoas e atraem leitores. Os editores jogam com essas hesitações, amplificam e valorizam os absurdos da vida em títulos ambíguos para provocar susto ou perplexidade. Mas, não avançam até causar insegurança nos leitores, como a literatura e o cinema. Retrocedem e explicam tudo no texto trazendo os leitores de volta ao mundo da razão.
Para observar esse intrigante jogo semântico o jornalista Luiz Gonzaga Motta, professor da Universidade de Brasília, analisou 40 notícias de fatos insólitos publicados em grandes jornais brasileiros. O estudo acaba de ser publicado no livro Notícias do Fantástico, da Editora Unisinos, a ser lançado dia 7 de novembro próximo na 52ª Feira do Livro de Porto Alegre.
O estudo de Motta explora o jogo de construção de sentidos que se realiza na comunicação jornalística. Analisa as intenções, implícitas ou explícitas, dos jornalistas e as pistas que eles imprimem no texto indicando aos leitores como eles querem que as notícias sejam interpretadas.
Ao reverter o sentido estimulado pelos títulos no texto das notícias os fatos insólitos adquirem um caráter hilário que leva o leitor a rir dos absurdos e aberrações da vida. As notícias tornam-se cômicas e anulam qualquer efeito de estranhamento. O estranho adquire um sentido familiar. Segundo o autor, esses ambíguos rituais cognitivos realizam um processo de estranhamento e de familiarização das paradoxais ocorrências relatadas com o mundo da vida oferecendo ao leitor a oportunidade de confrontar o real e o irreal que o ajuda a situar-se na realidade.