222 EM 2002
Alberto Dines
É ambíguo o encarte diário do Wall Street Journal no Estado de S.Paulo. Parece namoro clandestino, intenso, não assumido, esquisito. Começou antes de aprovada a emenda que alterou o artigo 222 da Constituição e continua agora com a nova redação consagrada pelo Congresso, pronta para entrar em vigor.
Se antes havia dificuldades em fazer as coisas às claras, agora é imperioso legalizar a relação, abrir o jogo, passar no cartório. Veículos jornalísticos têm a obrigação da transparência, em todos os níveis. Impossível pretender a credibilidade da informação sem o contrapeso da accountability na esfera acionária e empresarial. Esta é uma exigência que vale para os tempos de bois gordos ou vacas magras. Accountability (responsabilização) é a palavra de ordem em nossos círculos empresariais, rima com responsabilidade social e os demais enfeites morais da temporada.
O porta-voz do conservadorismo americano tem todo o direito de instalar-se nestas bandas. Já fincou o pé em diversos países americanos e, para ganhar escala, não pode passar ao largo do maior mercado consumidor do Hemisfério Sul. Desde que se disponha a esclarecer algumas situações equívocas e atender aos mesmos requisitos que se exigem das empresas jornalísticas sediadas no Brasil.
Para acabar com a perigosa ambigüidade basta responder às seguintes questões:
** O WSJ é encarte ou veículo autônomo?
** Faz parte do Estadão ou apenas serve-se da sua circulação?
** Quem o responsável pelo que sai impresso?
Se encarte, por que o cabeçalho “Uma Publicação Dow Jones” e o aviso de “Copyright 2002 Dow Jones & Company, Inc.”?
Se autônomo, diferenciado do Estado de S.Paulo, por que a inscrição no cabeçalho com o nome do jornalão paulista?
Então é parceria entre duas empresas independentes, uma americana e outra brasileira? Como explicar que um dos veículos mais respeitáveis do país admita dentro do seu prestigioso caderno de Economia uma página com diagramação discrepante das demais, nome de uma coluna em inglês (“What?s News”) e um quadro de articulistas e repórteres 99,9% americanos? E por que o e-mail desta coluna está situado nos EUA (americas@wsj.com)?
Mais grave, gravíssimo ? e isto já foi observado aqui ? é o caráter sofismático e difuso das matérias sobre o Brasil publicadas naquela página.
Na edição de terça, 10/12 (dia em que Lula deveria encontrar-se com George Bush), o título principal da primeira página do Estadão trata do encontro dos dois presidentes e remete para três páginas do primeiro caderno. Na página B-14 do caderno de Economia há uma matéria do correspondente do WSJ em São Paulo, não mencionada na chamada da primeira página, sob a rubrica “O que Wall Street lê sobre o Brasil”.
No título da 1? página está dito: “?Não vim aqui para reivindicar?, afirma Lula aos chegar aos EUA”. Passa ao leitor a idéia de soberania, firmeza e dignidade. Título na página do WSJ: “Lula e Bush têm chance de estreitar laços”.
Três dias depois, sexta, 13/12, a manchete de oito colunas do Estadão saúda o novo presidente do Banco Central: “Meirelles quer inflação baixa e crescimento”. Na matéria do WSJ (não referida na chamada do Estadão), assinada pelo mesmo correspondente do WSJ em São Paulo e dentro da mesma rubrica “O que Wall Street lê sobre o Brasil”, o tom é cauteloso, quase cético: “Meirelles tem a solução? Mercado espera plano do indicado para o BC contra inflação e juro alto”.
Faz sentido? Tem lógica? Atende o leitor desprevenido?
Sob o ponto de vista jornalístico, os dois episódios revelam uma cobertura inconfundivelmente esquizofrênica. Sob o ponto de vista da accountability, a parceria é uma desgraça: os dois jornais ficam mal ? imprecisos, incompletos e omissos.
Welcome, Wall Street Journal! Bem-vindo, WSJ! Mas antes de entrar convém sair da sombra.