Que o presidente Lula não gosta de livros nem cultiva o hábito da leitura ninguém duvida, mas a ideia de se criar mais um imposto para o setor editorial é no mínimo uma insensatez. O pior é que a proposta governamental de instituir uma Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) – com alíquota de 1% sobre o faturamento anual das editoras, distribuidoras e livrarias brasileiras – partiu justamente do Ministério da Cultura (Minc), órgão cujo objetivo deveria ser estimular as atividades culturais no país.
A esdrúxula ideia surge num momento de crise mundial, quando o próprio governo adota medidas para desonerar e estimular a atividade econômica em setores dos mais diversos, como o bancário e o da construção civil. Outra ironia é que o Minc propõe o novo tributo com a desculpa esfarrapada de criar e manter um fundo destinado a estimular a leitura no país.
Pelo visto, além de se especializar em escândalos como o mensalão e o apoio à permanência de Sarney na presidência do Senado Federal, o governo se mostra determinado a criar impostos num país que já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo. Basta ver a recente proposta do ministro da Saúde, apoiada pelos parlamentares da base aliada, de instituir uma nova CPMF sob a argumentação de obter recursos para melhor combater a gripe suína.
Na contramão
Se for realmente criada, a Cide dos livros será cobrada em todas as etapas do setor de publicações, o que resultará num aumento de mais de 2% no preço final do produto. Segundo especialistas, isso vai representar um desestímulo à crescente venda de livros e poderá resultar no fechamento de empresas distribuidoras e pequenas editoras brasileiras, que já enfrentam dificuldades num mercado minado pela concorrência de grupos internacionais e pelas vendas na internet.
As editoras, por sua vez, reconhecem que o mercado de livros é muito sensível. Qualquer mudança no preço final do produto causa grandes efeitos no volume de vendas. Obviamente que, se a Cide for adotada, os catálogos dessas empresas terão que ser reeditados para registrar os novos preços dos livros, nos quais estará embutido o novo imposto. Num efeito em cadeia, as editoras certamente terão que rever sua atuação nas feiras e bienais de livros, bem como o apoio e patrocínio a projetos educacionais desenvolvidos junto às escolas.
Além de contraditória, a proposta lançada pelo Minc mostra-se totalmente irresponsável, na contramão de uma política cultural que deveria justamente baratear e democratizar os livros, favorecendo a liberdade de pensamento e a circulação de ideias. A iniciativa, no entanto, não é inédita. Surgiu pela primeira vez em 2004, depois que o governo reduziu a zero a alíquota do PIS e da Cofins para a cadeia produtiva de livros. A medida foi duramente criticada por escritores, editores, distribuidores, livreiros e leitores.
Mediadores de leitura
A tosca argumentação do Minc é de que a receita decorrente da nova Cide deverá ser encaminhada ao Fundo Pró-Leitura, a ser constituído com objetivos populistas na linha do ‘politicamente correto’. Esse fundo visa a ‘democratizar’ o acesso ao livro, fomentar a leitura e a formação de mediadores e valorizar a leitura e a comunicação, desenvolvendo a própria economia do livro. Ou seja, o governo federal vai decidir o que devemos ler e quem serão nossos mediadores nesse processo de dirigismo cultural.
A intenção governamental certamente vem respaldada pelo pensamento de alguns pretensos intelectuais que ainda sonham com um regime político semelhante ao que se vê na Venezuela e na Bolívia, sob a inspiração do fracassado modelo cubano. A primeira tentativa nesse sentido se deu no primeiro mandato de Lula, quando foi proposta a criação o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav) para ‘mediar’ a circulação da informação no país.
Se a nova proposta vingar, certamente serão mediadores de leitura companheiros de bandeira sem nenhuma competência para o cargo. Resta saber se a escolha desses profissionais será feita pelo tempo de filiação ao PT ou pelo nível de adesão a ideias e determinações do comandante-supremo e seus assessores mais próximos. Nada mal para um governo cujo presidente afirma que não lê porque a leitura lhe dá sono. Oxalá todos eles durmam antes de fazer novas propostas desse tipo.
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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG