JORNALISMO SEM CIÊNCIA
Alberto Dines
Qual foi a fórmula secreta que levou ao êxito do racionamento de energia elétrica? Como é que um país desta dimensão, em regime de plena liberdade, sem ameaças de guerra ou catástrofes naturais, conseguiu mobilizar-se durante sete meses e cortar 20% do consumo?
A resposta é simples: graças à mídia. Os meios de comunicação jogaram-se de corpo e alma na tarefa de convocar a sociedade para um esforço coletivo.
Isto não significa que a mídia tenha fechado os olhos e os ouvidos ao debate sobre as causas da crise. O governo central não foi poupado por ninguém, suas responsabilidades no quase-apagão jamais foram ignoradas e cobradas. Mas, logo em seguida, mediados e mediadores perceberam que de nada adiantaria espernear e linchar. A solução era ligar-se na crise e desligar os interruptores.
São Pedro ajudou, óbvio, permitindo que o esforço coletivo fosse rapidamente aliviado por uma copiosa temporada de chuvas. O que não tira os méritos daqueles que perceberam esta comezinha evidência: a solução dos problemas nacionais passa obrigatoriamente pela participação popular.
Sem a disponibilidade do cidadão para ajudar não se enfrentam os desafios ? seja na área econômica, social, policial ou sanitária. E o cidadão só pode ser tirado dos seus cuidados individuais e colocado na esfera pública quando os agentes públicos o convocam para isso. Nome deste agente convocador: mídia.
Nesta nova epidemia da dengue, a disposição inicial dos veículos de comunicação foi a de sábado de aleluia ? malhar o Judas. Como um dos protagonistas (o ex-ministro da Saúde) é pré-candidato à sucessão presidencial, a tradicional busca de culpados foi aquecida pelo bate-boca eleitoral ao qual a mídia, impressa e eletrônica, aderiu com gosto e competência.
Poucos empenharam-se em mostrar o que cada um podia fazer para erradicar os focos do Aedes aegypti e evitar a propagação da doença. Políticos queriam apenas distribuir cacetadas nos adversários e, para isso, precisavam da mídia. E a mídia precisava dos políticos para fazer o seu panelaço.
Da CNBB ao JB esqueceram-se que aqui se trata de vidas humanas. Cada trica e cada futrica badalada é menos espaço e menos tempo consagrado à tarefa de converter a eventual vítima num combatente contra a praga. Como o foco maior da doença é o Rio de Janeiro, onde os pólos de poder estão divididos entre dois exímios "comunicadores" (Anthony Garotinho e César Maia), perdeu-se precioso tempo lavando roupa suja para gáudio dos editores, caricaturistas e colunistas reunidos no mesmo bloco.
Se fosse publicado há três semanas, o excelente caderno especial sobre a dengue (8 páginas) publicado pelo Globo no domingo [24/2] poderia ter salvo algumas vidas e evitado muitos sustos, custos e, sobretudo, sofrimento.
Esta politização das pautas ou, se quiserem, a carnavalização do noticiário não acontece por acaso ? tem origem estrutural. Nessas emergências o primeiro impulso da mídia é requebrar toda prosa porque assim pode exibir sua capacidade de fazer barulho.
As empresas de comunicação não estão interessadas em procurar, formar e contratar jornalistas especializados. Nem os centros de ensino superior, na sua esmagadora maioria, ? preocupam-se em criar cursos de especialização para jornalistas.
Quantos jornalistas com treinamento em saúde pública temos nas principais redações de jornais, rádios e televisões brasileiras? Alguns pares, se tanto. Quando no inicio de 2001 aconteceu o monumental vazamento de óleo na baía da Guanabara, este Observatório fez a mesma indagação: quantos jornalistas especializados em petróleo existem nas redações cariocas e fluminenses considerando a importância da indústria extrativa na economia local? E quantos jornalistas especializados nas questões da indústria automobilística existem em Detroit, onde estão sediadas as principais empresas do setor? Vale a pena investigar.
Fala-se muito num mercado de trabalho cada vez mais restrito mas fala-se pouco, pouquíssimo na urgência para a formação de jornalistas especializados em ciência e tecnologia. Os empresários reclamam dos altos custos de produção de um veículo jornalístico, mas não se preocupam com a descartabilidade dos veículos que estão oferecendo ao público.
O jornalista que cobre uma secretaria de Saúde ? quando há um setorista ? cobre apenas a burocracia e a política da repartição. Isso explica a politização. Isso também explica por que tivemos telejornais criando pânicos desnecessários sobre a febre amarela iludidos pela presença do Aedes aegypti.
A palavra final sobre a questão foi dada pelo cientista brasileiro José Marcos Ribeiro, que trabalha nos EUA, especializado no estudo da saliva dos insetos hematófagos (que se alimentam de sangue). Numa precisa entrevista a O Estado de S.Paulo (segunda, 25/2, pág. A7) deu as coordenadas à mídia:
"Agora é a hora de aproveitar este estardalhaço. Se todo o mundo se encarregar de eliminar um criadouro num raio de 100 metros da sua casa ou empresa, em duas ou três semanas o mosquito será eliminado."
A grande verdade é que estivemos tratando da dengue com os dengos de sempre. Isso pode ter um preço muito alto.
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