PESQUISISMO & DECLARACIONISMO
Alberto Dines
O segundo turno das eleições não está ajudando a mídia (como se esperava) a corrigir as deficiências da cobertura do primeiro. Mesmos erros, agora obrigatoriamente agravados e flagrantes.
Se antes, com quatro candidatos, notava-se que a disputa estava concentrada na frenética dança numerológica intercalada com as acusações aos concorrentes (ou grupos que os apoiavam), agora evaporou qualquer aparência de debate. Restaram o bate-boca e as análises estatísticas. Reportagem que é bom ? neca, neris.
Tudo produzido nas sedes dos institutos de pesquisa, nas próprias redações (situadas a, no máximo, cinco quilômetros de onde são emitidas as informações) ou remetidas por sucursais/setoristas designados para cobrir deslocamentos dos presidenciáveis.
Ganharão destaque as análises televiso-eleitorais, invenção do jornalismo pátrio destinada a acompanhar o horário de propaganda eleitoral agora devidamente abreviado e mais intenso. Confronto de marketings, nada mais.
O fenômeno Enéas Carneiro/Prona, em São Paulo, não é apenas um dado político relevante e preocupante porque manifestou-se num dos estados mais politizados da Federação e em meio a um processo de conscientização do eleitorado em todo país. É a confirmação de que nosso jornalismo abdicou do trabalho de campo. Paulo Maluf conseguiu os cerca de 20% de votos em São Paulo porque ninguém deu-se ao trabalho de tirar o bumbum da cadeira para observar in loco o que sobrou de suas administrações no estado e na cidade.
A matéria da Folha de S.Paulo, caderno Eleições, na na segunda-feira (14/10, pág. 2) é exemplo da cristalização de um novo conceito do jornalismo político: "Temos estatísticas, logo estamos dispensados de reportagens".
E paradoxalmente, o trabalho é bom. Oferece excelentes cruzamentos de dados que seriam mais significantes se lastreados em trabalho de reportagem. Publicada, geraria utilíssimas suítes e estímulos. Em outras palavras: números, embora concretos, são inconclusivos. Justamente porque ninguém ousa questioná-los. Já a observação dos fatos revelados pelas estatísticas ? porque são narrados e vitalizados ? podem provocar reações, encadeamentos, respostas.
Já se alegou que os sucessivos enxugamentos e reengenharias a que se submeteram nossas empresas jornalísticas estão retirando das grandes redações a capacidade de produzir o jornalismo de campo. Meia-verdade: os cortes de despesas afetam a qualidade da nossa produção jornalística, problema maior é a destinação dos recursos restantes. Como no setor público, o problema não é a exigüidade das verbas mas o modo de gastá-las.
O pesquisismo sofreu forte abalo no primeiro turno não apenas porque os institutos falharam em alguns cálculos mas, sobretudo, porque os consultores ou editores não souberam ler (ou entender) o sutil relativismo das margens de erro. Estranha ou sintomática foi a ausência de qualquer comentário na atenta janela do Ouvidor da Folha (domingo, 13/10, pág. A 6) a respeito de uma questão que esquentou parte do noticiário da semana passada.
Agora, para compensar, vamos assistir o pêndulo da preguiça oscilando em direção do outro pólo, o declaracionismo. Para atender à alternativa simplista precisamos de jornais, revistas, rádios e televisões? Bastaria a internet, breve e eficiente.
O jornalismo aparelha-se continuamente há três séculos buscando refletir a realidade mutante. Mas aqui, por artes do veranico antecipado ou por malícia de Macunaima, nosso processo jornalístico movimenta-se preguiçosamente da submissão aos números à veneração das palavras. Sem escalas ou desvios.