Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

As palavras e as eleições

CARGOS ELETIVOS

Deonísio da Silva (*)

Nossos candidatos são assim denominados porque na antiga Roma aqueles que se apresentavam a cargos públicos vestiam-se de branco. Suas vestes semelhavam a toga dos sacerdotes. Com isso, queriam demonstrar que eram puros, sobretudo em suas intenções. A palavra candidato veio de candidatus, vestido de branco.

A cor branca está associada, desde tempos imemoriais, às idéias de pureza e honradez. Nas democracias, marcadas por escolhas periódicas de representantes do povo, os candidatos passaram a vestir-se de muitas outras cores, mas permaneceu a etimologia do vocábulo. Entretanto, dado o que aprontam vários deles, inclusive depois de eleitos, a pureza foi sacrificada em nome de pragmatismos diversos, que incluem alianças dos supostamente puros com os comprovadamente corruptos.

Eleição também é palavra de origem latina. Veio de electione, escolha. No Brasil, nos começos de nossa história política, exigia-se do eleitor certa renda, mas não instrução. Votavam apenas os ricos, ainda que fossem analfabetos. Depois estendemos o voto obrigatório a todos os maiores de 18 anos, ricos e pobres, desde que alfabetizados.

Nossa atual Constituição, de 1988, revisada por Ulisses Guimarães na placidez da Fazenda São Joaquim, em São Carlos, conferiu o direito de voto a todos os brasileiros maiores de 16 anos, alfabetizados ou não. O voto é, além de direito, dever, já que é obrigatório dos 18 aos 70 anos.

Função leiga

Fazia 38 anos que Juscelino Kubitschek completara seu mandato, quando o atual, Fernando Henrique Cardoso, completou o seu e se reelegeu. Todos os outros presidentes deste quase meio século, ou não foram eleitos pelo povo, ou saíram após renúncia ou cassação. A geração que está por volta dos 50 anos votou para presidente apenas três vezes, a mesma freqüência com que foi às urnas quem tem pouco mais da metade desses anos. Mas sabemos que os anos que temos são aqueles que não temos, já idos e vividos.

Presidente veio do latim praesidente, declinação de praesidens, designando aquele que ocupa o primeiro lugar entre os assentos, com o fim de comandar, governar. Entre nós, foi inicialmente aplicado aos governadores de províncias.

Governador veio do latim gubernatore, aquele que governa. "Hay gobierno? Soy contra!" é conhecido dito de falantes espanhóis. Nossos atuais governadores não deixam de reiterar que o governo dos estados é difícil. Deveriam mirar-se no exemplo de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil. Até mesmo uma cidade para se instalar com os jesuítas, funcionários e colonos ele teve de fundar, em 1549. Foi Salvador, na Bahia, a capital do Brasil até 1763. Depois, como todos os baianos que almejam sucesso, os governantes seguintes vieram para o Rio de Janeiro, onde ficaram até a inauguração de Brasília, em 1960.

Deputado veio do latim deputatus, enviado a alguma missão. Em latim, deputare significou inicialmente podar, separar e, por fim, o sentido que hoje tem, de indivíduo que trata de interesses de outros. Deputados estaduais e federais devem, pois, defender os interesses daqueles que os elegem para as Assembléias, no primeiro caso, e para a Câmara, no segundo. Uma curiosidade marca os parlamentos brasileiros hoje: boa parte dos deputados migrou de uma assembléia para outra, da religiosa para a política, formando bancadas consideráveis nas Assembléias estaduais e na Câmara. Quando um deputado passa a defender seus próprios interesses ou os de seus colegas de religião ou de seita, está abdicando da função primordial da política, que é leiga. E senador, senator em latim, é quem tem assento no senado, senatus, assembléia de velhos. Em latim velho é senex.

Já vereador, sinônimo de edil, vem do português arcaico verea, vereda, caminho. A função principal do vereador romano, denominado aedil, era inspeccionar e tomar providências para a conservação dos edifícios. Edil e edifício têm origens semelhantes. Com o passar do tempo, vereador substituiu edil, mas as duas palavras designam a mesma função.

Estranha exceção

O vereador percorre as veredas ? hoje elas se chamam avenidas, ruas, bairros, subúrbios, periferia ? e vê o que falta ali. Faz seu projeto e apresenta a seus pares na Câmara, assim chamada porque na antiga Grécia os locais em que os políticos se reuniam eram cobertos por abóbadas, semelhantes à dos templos, depois aplicadas a igrejas e catedrais.

Em grego, abóbada é kamára. Quando passou para o latim vulgar, as pessoas começaram a pronunciar "camára", mas vieram uns falsos eruditos que, para diferenciar sua fala da do povo, tornaram-na câmara, proparoxítona. A língua portuguesa evita palavras proparoxítonas. Você diz "câmara", mas não diz "cávalo". O latim vulgar, o do povo, era mais coerente: "camára", como no grego.

As origens das palavras prefeito e município também são latinas. Os romanos denominavam praefectus a autoridade posta à frente das fortificações que cercavam o município. O praefectus, prefeito, era o chefe do municipium, município, o local onde as pessoas moravam e exerciam seus ofícios, tendo direitos e deveres.

E o que faz a maioria de nossos candidatos em todo o país? Poucos são os que explicam aos eleitores como é que eles podem resolver os problemas. Não os seus, resolvidos com a vitória, mas os da coletividade. As leis mudaram muito nos últimos anos. Os romanos diziam que os costumes eram os melhores intérpretes das leis. Governadores, prefeitos e vereadores tiveram seus poderes aumentados. Suas verbas também. Mas sempre que seu desempenho é pífio, eles têm a quem culpar: o governo federal ou até a situação internacional.

Todos os desempregados devem ter qualificação e experiência na função se quiserem trabalho. Trabalho onde estarão subordinados a alguém. E ainda assim não estão encontrando empregos. Mas na política vige uma estranha exceção: não se requer instrução mínima dos candidatos. Experiência na função não se pode exigir. Afinal, se não obtiver o primeiro emprego, como é que a pessoa haverá de adquirir experiência?

Examinando o vitae dos candidatos, uma questão nos desconcerta. Não se exige deles nem uma pequena parte do que se exige de quem quer trabalhar. Será que nossas instituições públicas são menos complexas do que as empresas?

(*) Escritor e professor da UFSCar, escreve semanalmente neste espaçol; seus livros mais recentes são o romance Os Guerreiros do Campo e A Vida Íntima das Palavras