1? TURNO, BALANÇO
Alberto Dines
Esta avaliação está sendo escrita antes das 17 horas de domingo, 6/10, portanto antes de divulgadas as pesquisas de boca-de-urna ou projeções dos primeiros números fornecidos pela Justiça Eleitoral.
Não se trata de conveniência pessoal ou autoflagelação. Este é um deadline imposto por um compromisso moral ? desvincular qualquer análise sobre o comportamento de mídia dos resultados da votação. É um exercício visando despolitizar uma disciplina que vem sendo politizada e desviada de seus reais objetivos. Pode parecer formalidade ou rito, mas o processo democrático ? como tudo o que tem a ver com instituições ? não pode prescindir das formalidades e ritos.
A mais longa, mais disputada e mais imprevisível campanha eleitoral do Brasil republicano terá ganhadores e perdedores cujos nomes, dentro de momentos, começaremos a conhecer.
Um concorrente correu por fora, em raia própria é verdade, embora a mais importante porque do seu desempenho dependia a clareza e indisputabilidade dos resultados. Qualquer que seja o ganhador neste pleito, há outro ? hors-concours ? que não pode ser esquecido ou minimizado: a mídia brasileira.
Em outras circunstâncias o galardão seria desnecessário e até despropositado. Os meios de comunicação, porque gozam de privilégios constitucionais vedados a outros setores, têm um compromisso liminar com a sociedade à qual servem: procurar a eqüidistância, empenhar-se na imparcialidade, buscar a verdade. Para promover a sua melhoria.
Considerando o passado, comparando comportamentos antigos e mesmo recentes, nossa imprensa (compreendida a eletrônica) jamais conseguiu sair de um pleito livre de dúvidas ou suspeições. Ao contrário, seu comportamento tem sido questionável e não apenas no caso do debate Collor-Lula, em 1989, magnificado de forma imprópria para acobertar outros deslizes, inclusive dos denunciadores.
O início mesmo desta temporada eleitoral ofereceu motivos para preocupações. Mas ao chegar ao fim são pequenas as reclamações. Não desprezíveis (veja abaixo em PRÓXIMO TEXTO).
O Rubicão entre o passado inglório e um presente satisfatório foi atravessado pela mídia graças a um instrumento de capital importância: a observação da mídia. Se nossa imprensa não se sentisse intensamente observada certamente prosseguiria na tradição de “eleger” impunemente seus candidatos ou partidos antes de fechadas as urnas. Agora foi diferente.
A conclusão pode parecer auto-referencial, imodesta e descabida (considerando que está sendo veiculada pelo Observatório da Imprensa). Não é. Porque aquilo que nos países anglo-saxônicos chama-se de media watching, por uma conjunção de casualidades aqui em nosso país escapou da esfera dos especialistas para converter-se numa atitude social, ampla e irrestrita.
A mídia no Brasil foi obrigada a abandonar seu olímpico voluntarismo com tantas distorções em nosso processo político para submeter-se ao ceticismo público ? isto porque os media watchers já não estão escondidos em circuitos fechados e inaudíveis.
Multiplicaram-se e resultaram na legião de cidadãos conscientes que não abdicam do direito de utilizar plenamente o seu senso crítico. Inclusive para julgar aqueles cuja função precípua é criticar.
A observação do desempenho da imprensa não é monopólio de ninguém. Não tem copyright e está acima de pretensões de exclusividade. Não exige carteirinha nem diploma. É facultada a todos que abandonaram a condição de agentes passivos no processo informativo para converterem-se em ativos participantes de um processo de intercâmbio e mediação.
Embora favorável, esta primeira avaliação da grande imprensa não pode esconder uma grave preocupação com a mídia regional, que continua perigosamente atrelada a interesses políticos e econômicos.
Se o caciquismo é um estágio de nosso desenvolvimento político a ser vencido pelo tempo, sua aliança com o caciquismo jornalístico precisa ser desarticulada pela regulamentação e legislação como acontece mundo afora, emergente ou desenvolvido.
Não é justo que apenas o leitor-eleitor da mídia metropolitana sinta-se razoavelmente informado antes de acionar a urna eletrônica. Este direito precisa ser socializado e distribuído a todos os cidadãos, leitores, ouvintes e telespectadores do país ? no Nordeste e no Sudeste, nas grandes, médias ou pequenas cidades.
Esta é a próxima etapa a ser empreendida conjuntamente pelos observadores e observados. A evolução da democracia independe do calendário eleitoral.
[Texto divulgado no Último Segundo <http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/> às 18h03 de 6/1002]