O americano Dan Gillmor ganhou fama mundial como colunista de tecnologia no jornal San José Mercury News (http://www.mercurynews.com/mld/mercurynews/) por seu acesso privilegiado aos especialistas no Vale do Silício, na Califórnia, no auge da especulação financeira sobre as empresas pontocom, há quatro anos. Mas depois da explosão da bolha especulativa da Nasdaq (bolsa que negocia ações de empresas de alta tecnologia), Gillmor foi buscar na comunicação online a inspiração para manter-se no mercado editorial. Ele pulou direto para o jornalismo virtual sem ter uma longa experiência em redação de jornal.
O livro We the Media (http://www.oreilly.com/catalog/wemedia/book/), que acaba de chegar às livrarias nos Estados Unidos, tem como preocupação central transmitir a idéia de que o jornalismo deixou de ter mão única para ser um processo em que estão desaparecendo as barreiras entre produtores e consumidores de informação – e no qual o jornalista perdeu a exclusividade do manejo e da transmissão de notícias. Para Dan Gillmor, estamos no limiar daquilo que ele chama de mídia participativa, ou seja, aquela em que toda a sociedade participa do processo informativo.
A idéia central é a de que a elaboração da notícia está se tornando um processo contínuo, colaborativo e interativo. Este processo tem como características principais a transparência e a participação, não se limitando apenas ao terreno do jornalismo pois, segundo o autor, atinge também áreas como relações públicas e marketing.
A tese do livro é a mesma que vem sendo discutida em várias universidades americanas e é o carro chefe de numerosos weblogs especializados no futuro do jornalismo. Quase todos eles têm em comum a idéia de que o universo da notícia foi irremediavelmente alterado por sistemas como os blogs, por programas como wiki (http://www.gnubis.com.br/bin/view/Main/Wiki), que permitem a edição coletiva de textos, e pela chegada da televisão digital, que vai acelerar a convergência de mídias na internet.
Obra aberta
Dan Gillmor limitou a fazer um painel das idéias em curso na internet sobre as mudanças tecnológicas que estão afetando o jornalismo e a grande imprensa. Mas a forma como ele produziu o seu livro é muito mais inovadora do que o conteúdo da obra. We the Media resultou de um inédito processo de participação dos leitores na produção de um livro, que começou a ser distribuído gratuitamente pela internet, com autorização de uma grande editora, mesmo antes de ser impresso.
Em abril de 2003, Dan Gillmor colocou no seu weblog (http://weblog.siliconvalley.com/column/dangillmor/) uma mensagem com um pedido: ‘Ajudem-me a escrever o livro Making the News‘ (Fazendo notícias). A idéia do livro estava sendo desenvolvida desde o início do ano passado mas foi só em abril que Gillmor colocou na internet o rascunho das suas idéias, pedindo a colaboração dos leitores por meio de opiniões, criticas e sugestões. Todo o processo foi patrocinado pela Editora O’Reilly (http://www.oreilly.com/), especializada em livros sobre internet.
A idéia central do rascunho era mostrar como a grande imprensa americana resiste à inovação tecnológica e revelar sua enorme dificuldade em adaptar-se à nova realidade criada pela internet, onde diariamente surgem novas possibilidades das pessoas comuns poderem expressar suas opiniões na web.
O ceticismo geral que cercou os primeiros passos desta experiência de autoria coletiva de um livro durou pouco diante do fluxo contínuo de comentários, criticas e sugestões adicionados ao weblog de Dan por acadêmicos badalados e anônimos navegadores da internet. Houve dias em que mais de 50 sugestões e correção foram enviadas. No total, mais de mil colaborações foram colocadas no weblog do colunista do San José Mercury.
Esse material serviu para o autor re-elaborar todo o seu esquema inicial e produzir um segundo rascunho, estruturado em 12 capítulos, que começou a ser disponibilizado na web em abril de 2004, para uma nova rodada de críticas e correções.
Reação discreta
Os problemas e dificuldades da grande imprensa perderam importância para a crescente polêmica em torno do chamado jornalismo de base, protagonizado por pessoas comuns, sem formação profissional e estreitamente ligadas às comunidades locais.
O título original foi alterado para We the Media (Nós, a mídia) para atender às sugestões feitas por um grande número de leitores do rascunho inicial, que deram mais destaque ao crescimento da comunicação local do que à mídia convencional. O número de histórias e casos narrados pelos ‘colaboradores’ foram tantos que Gillmor teve um acesso de panfletarismo ao colocar como subtítulo do livro a frase ‘Grassroots journalism by the people, for the people’ (Jornalismo de base pelo povo, para o povo).
Mas as originalidades do livro não param ai. A Editora O’Reilly adota uma inovadora política de ‘livro aberto’ por meio da qual disponibiliza gratuitamente textos de livros em formato digital, autorizando a republicação de trechos, desde que para uso não-comercial. Também autoriza a re-elaboração do conteúdo do livro por terceiros com a condição de que a versão modificada seja publicada em sites de discussão coletiva – como weblogs, listas de discussão e fóruns. Esta revolucionária política de direito autoral aberto está baseada num projeto da organização Creative Commons (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/) e vem sendo adotada pela maioria dos adeptos do chamado jornalismo participativo ou jornalismo-cidadão.
A polêmica em torno do livro foi tanta, antes mesmo do lançamento formal da versão impressa, que a editora lançou um weblog (http://wethemedia.oreilly.com/) sobre o livro para facilitar o intercâmbio de opiniões entre os leitores.
A grande imprensa americana até agora reagiu discretamente em relação ao livro de Gillmor: apenas as resenhas de praxe. Mas no universo dos weblogs, grupos de discussão e nos debates universitários, o We Media é o assunto da hora.
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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (cacastilho@brturbo.com)