Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mídia cala ante agressão

MORDAÇA & “CALA A BOCA”

Chico Bruno (*)

Em Recife, existe um bloco carnavalesco que se chama Siri na Lata formado por jornalistas, políticos e intelectuais de todos os matizes. Fui apresentado à entidade carnavalesca em 1994 pelo jornalista Ricardo Carvalho, logo após a eleição de Miguel Arraes para mais um mandato no governo de Pernambuco.

Curioso, quis saber a razão do nome. Ricardo explicou: um monte de siris numa lata faz um barulho e um escarcéu dos diabos. Além do que, nenhum siri consegue escapar, porque os demais o puxam para dentro da lata, impedindo a fuga. Como o bloco foi fundado por pessoas que lutavam contra o regime militar, o nome era mais do que adequado.

O Siri na Lata, semanas antes do Carnaval, promove grande festa no Clube Atlântico, em Olinda, na qual os participantes hoje são divididos ideologicamente, em função da democracia instalada no país. Quem é de esquerda se instala à esquerda do salão, e quem é de direita do lado oposto. À festa a que compareci, demarcavam os espaços Jarbas Vasconcelos e Ricardo Fiúza.

A escolha de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura me fez lembrar do Siri na Lata, haja vista que jornalistas, políticos, intelectuais e outros fizeram um barulho e um escarcéu dos diabos, a maioria querendo puxar o tapete do homem que recebeu da Bahia régua e compasso. O barulho foi tão grande que teve até sítio na internet para que os cidadãos se pronunciassem acerca da escolha.

Difícil entender

O que mais causou espanto é que, de repente, todo mundo se achou no direito de julgar o passado político de Gilberto Gil, mesmo sem conhecer nadica da história. Agora, o jornalista Alberto Dines, por escrever um artigo no Jornal do Brasil sobre ACM, é chamado para a briga pelo senador eleito, e a mídia ignora o assunto.

Os siris que tanto barulho fizeram no episódio de Gil calam-se ante a virulenta carta enviada ao JB por ACM, descendo o malho em Dines. O silêncio da mídia e das entidades de classe neste caso é indigno. Apenas os leitores do JB saíram em defesa de Dines. Não é possível que em pleno 2003 a mídia se cale ante uma atitude desrespeitosa e discriminatória contra um profissional com tantos anos de trabalho e dedicação ao jornalismo brasileiro.

Aliás, essa mesma mídia que se cala ante a agressão de ACM sai em defesa do governo federal e censura o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, por expressar opinião pessoal sobre um tema palpitante como a Previdência. Pode-se até não concordar com a opinião dele, mas o que não se deve fazer é justamente o que se fez, ao tentar incutir na cabeça dos leitores que magistrado não deve opinar sobre assuntos que possa vir a julgar. Ora bolas, essa mesma mídia no passado aplaudia sempre que, em off, um magistrado dava opiniões pessoais contra atos do governo passado; aliás, muitas vezes aplaudiu o próprio Marco Aurélio Mello por declarações sobre assuntos que poderiam e acabaram sendo julgados pelo STF.

Numa hora a mídia age como um bando de siris na lata, em outra se cala e adiante se traveste de juiz e sentencia o que pode e não pode alguém fazer. Agora mesmo está perto de completar um ano a descoberta das 28.600 cédulas de R$ 50 no escritório do marido e sócio da senadora eleita Roseana Sarney. Na época, a mídia fez um barulhão, e depois nunca mais tocou no assunto ou cobrou o resultado das investigações. Nem agora que o papai José Sarney, com ajuda do governo petista, está prestes a ser investido na presidência do Senado.

A cada dia que passa fica mais difícil entender a mídia do país. Em alguns casos ela experimenta a trilha da correção; mas, logo depois, volta a cair na trilha da submissão. É o jornalismo que uma hora morde e na outra assopra ? o que não é uma boa prática.

(*) Jornalista

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