Sunday, 29 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

Etienne Jacintho e Keila Jimenez

VER TV

“Clonagem via satélite”, copyright O Estado de S.Paulo, 19/1/03

Chacrinha já dizia que na TV nada se cria, tudo se copia. E ele tinha razão… Parte do que é transmitido diariamente na telinha é fruto de adaptação de programas que já existem no Brasil ou no exterior. Exemplos não faltam. Recentemente houve a briga jurídica entre SBT, Globo e Endemol por causa do reality show de confinamento, o Big Brother, que, nas mãos de Silvio Santos, se transformou em Casa dos Artistas. Com a facilidade da TV a cabo, as pessoas puderam notar a semelhança entre o Programa do Jô e o americano Late Show, de David Letterman. A banda musical está lá, assim como a poltrona, a caneca, as piadas e o cenário – no original, o skyline de Nova York e, no brasileiro, a paisagem de São Paulo.

Para a especialista em TV Maria Thereza Fraga Rocco, professora titular da USP, existem dois tipos de movimento: copiar programas que deram certo no exterior – como os reality shows – e fazer releituras de atrações que já foram sucesso no País – adaptações de novelas, como Mulheres de Areia, ou de seriados, como Carga Pesada. Ela também lembra do ?boom? das loiras.

Primeiro veio a Xuxa, na extinta Manchete, depois Angélica, Eliana, Jacqueline, Marianne… Mas a especialista não tira o mérito da TV brasileira. ?Existem produtos criativos. As novelas nacionais são produtos que não existem em nenhum lugar do mundo e já foram muito copiadas?, fala Maria Thereza, que lembra do sucesso internacional de Escrava Isaura. ?Nunca se produziu ficção como a brasileira.?

A especialista acha que essa repetição de idéias ocorre por causa da garantia de audiência e de conseqüente retorno financeiro com a venda de cotas de patrocínio. Em viagens ao exterior, ela percebeu que a cópia é uma tendência mundial. ?Quando morei na França vi muitos programas parecidos?, conta. ?Cada país adapta as atrações de acordo com seus costumes.? Apesar de conhecer TV, Maria Thereza Fraga Rocco ainda se choca com a semelhança entre Jô Soares e David Letterman. ?Quando assisti ao Late Show pela primeira vez nos Estados Unidos, fiquei desapontada, pois considerava o Jô uma figura originalíssima?, desabafa a professora que não vê problema na busca de inspiração no exterior desde que a ?cópia? seja adaptada para a realidade nacional. ?O seriado Mulher, da Globo, corresponderia ao E.R. (Plantão Médico), mas não era uma cópia da série americana?, comenta. Outros canais já tentaram adaptar alguma sitcom americana sem sucesso. A Band tentou copiar Married With Children, que foi um fracasso. Já a Globo acertou ao tentar criar comédias de costume com situações tipicamente brasileiras como Os Normais e A Grande Família.

Direitos autorais – Na opinião do advogado Eduardo Pimenta, especializado em direitos autorais, a TV a cabo inibiu um pouco a prática da cópia. A Globo decidiu comprar formatos após o No Limite, programa inspirado no reality show Survivor, da Endemol. Depois vieram outros produtos da empresa holandesa: Big Brother e Hipertensão. O SBT, que passou muito tempo lançando programas na base da ?inspiração? – Casa dos Artistas (Big Brother), Show do Milhão (Who wants to be a millionaire?), Quer casar comigo? (Who wants to marry a millionaire?) -, decidiu aderir às parcerias.

O dono do Baú, por sinal, é mestre em adaptar formatos. As viagens dele ao exterior são até conhecidas por isso. Mas já foram mais constantes suas ?passeadinhas? por Miami, Las Vegas e Los Angeles para captar novidades. Foi assim com Márcia, programa comandado em 1998 por Márcia Goldschmidt no SBT e que não passava de um cópia do famigerado Geraldo, atração que promovia barracos na TV americana. Games como Roletrando, Qual é a Música? e o Domingo no Parque surgiram a partir de modelos internacionais.

Por sinal, o próprio Domingo no Parque serviu de inspiração para um quadro de Eliana, na Record. A apresentadora fez uma ?releitura? de uma brincadeira para lá de manjada, a da cabine do ?sim ou não?. Rebatizada de Foguete Alegria, tem a mesma fórmula de um dos quadros de maiores sucessos do extinto infantil exibido por Silvio Santos na década de 80. Mas, segundo Eliana, a inspiração para a brincadeira não veio do programa de seu ex-patrão, mas sim do exterior. ?Sempre trazemos idéias de fora e o Foguete é uma releitura de um produto australiano.?

Entre os mais bem-sucedidos casos de cópia do SBT está o palhaço Bozo que, curiosamente, teve seus direitos pagos à matriz americana durante os dez anos que ficou no ar.

?Não vejo nada de mal em viajar e dar uma olhada no que estão fazendo lá fora. O que o Silvio faz não é cópia, é inspiração?, defende o diretor Roberto Manzoni, que durante muitos anos dirigiu os programas de Silvio no SBT. Manzoni, que hoje é diretor do Domingo Legal, disse que, a exemplo do patrão, também gosta de viajar para olhar os shows e os programas de TV de outros países. ?Funciona como uma espécie de reciclagem. Às vezes você olha um quadro na TV que pode te dar idéia para uma outra coisa?, fala. ?Não sei porque falamos tanto dos formatos do exterior se a própria TV brasileira se copia. Criamos no Domingo Legal o quadro da princesa e, logo em seguida, o Netinho foi para a Record levando o quadro registrado por nós. Isso é o quê??

Mas Manzoni admite que essa prática de comprar formatos é recente entre as emissoras. Além de co-produzir Ilha da Sedução (Temptation Island) com a Fox, o SBT também fechou parceria para a produzir O Conquistador do Fim do Mundo – seu novo reality show – com a empresa espanhola Promofilm.

A Record embarcou na onda e lançou o game show Roleta Russa com a Columbia.

?Com o surgimento da internet e da TV a cabo, o mundo deixou de ser redondo para ser linear, pois temos muita troca de informações?, diz Eduardo Pimenta. Contudo, o advogado confessa que é muito difícil julgar casos de plágio e de quebra dos direitos autorais. ?A cópia é evidente, mas a adaptação não?, fala. Segundo o advogado, o plágio é caracterizado quando alguém toma para si a autoria de uma obra de outra pessoa. ?Qualquer escrito está protegido pela lei dos direitos autorais?, explica. Na TV, o esquema funciona da seguinte maneira: a forma externa e a interna dos programas estão protegidas. Já a idéia é de domínio público. No caso de Big Brother X Casa dos Artistas, Silvio Santos trouxe do exterior a idéia do confinamento.

Em vez de anônimos, colocou famosos na casa e mudou o esquema de eliminação dos participantes. Isso é cópia e violação dos direitos autorais? ?O julgamento é subjetivo?, diz Pimenta, que ainda lembra da tal concorrência desleal. ?Usar a idéia de outra pessoa para o próprio benefício?, explica.

Isso implica a posse da clientela da pessoa prejudicada. Na TV, entra aí a luta por venda de cotas de patrocínio.

Segundo Pimenta, nos Estados Unidos a cópia é permitida. ?Lá, os programas são de propriedade das empresas e não dos criadores?, esclarece. ?Já o Brasil segue os mesmos princípios da França, que protege os autores.? Então, teoricamente, se a Endemol fosse uma empresa americana, o SBT não precisaria encarar a batalha judicial por causa de Casa dos Artistas. Mas a teoria é diferente da prática. Mesmo na terra do Tio Sam, já há uma tentativa de garantir os direitos autorais desde 1988.

Baú de idéias – ?Silvio Santos tem o feeling para TV?, afirma Maria Thereza Fraga Rocco, que aposta no lançamento de um novo reality show de sucesso pelo homem do Baú, para tentar bater a terceira edição do BBB. O Conquistador do Fim do Mundo já está a caminho.

Para o diretor Nilton Travesso, que tem vasta experiência em TV, não adianta nada comprar formatos sem um apresentador de conteúdo para apresentá-los.

?No SBT as coisas dão certo porque tem o Silvio. Não sei se uma outra pessoa comandando o Show do Milhão ou Casa dos Artistas faria todo esse sucesso?, diz Travesso.

Segundo o diretor, essa moda de comprar formatos tem a ver com a atual situação econômica das emissoras. ?Os donos das redes não querem apostar no incerto. Eles querem o programa prontinho, com um histórico de sucesso?, fala ele. ?Isso é bom para ter resultados imediatos e não perder dinheiro, mas também incentiva a preguiça de criação. A TV está vivendo um de seus maiores períodos de falta de criatividade.?”

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“MTV Brasil faz o caminho inverso”, copyright O Estado de S.Paulo, 19/1/03

“A MTV Brasil é uma fábrica de idéias para os outros canais da rede pelo mundo. ?Depois da MTV dos Estados Unidos, somos o País que mais cria formatos?, diz o diretor de Programação da MTV Brasil, Zico Góes. Segundo ele, o intercâmbio de informações entre as MTVs do mundo é normal. ?O que não é normal é uma TV não-americana exportar idéias.?

A saga internacional da MTV Brasil começou há cerca de quatro anos com o programa Erótica, que juntava uma bonitona – já passaram pela atração Babi, Ludmila Rosa e Tathiana Mancini – e um médico, o extrovertido Jairo Bouer, para falar abertamente sobre sexo. A atração foi parar na Rússia e na Itália, país que é um grande consumidor de programas brasileiros. O VJ por um dia, programa que revelou talentos como o ex-VJ Levy, tornou-se um quadro do pacote de programação de verão da MTV italiana.

O Fica Comigo?, namoro na TV sob comando da modelo Fernanda Lima, rendeu até um manual de produção que a MTV Brasil enviou à Rússia. A rede italiana também já fez a sua versão da atração e o canal latino-americano transmite o Fica Comigo? brasileiro. O Video Music Brasil (VMB), a premiação dos melhores do ano, também ganhou manual explicativo. Os únicos canais que possuem a festa da música local são Estados Unidos, Europa e Brasil. ?A edição brasileira inspirou as MTVs do Japão, Ásia e América Latina?, finaliza Góes.”

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“Reprises fazem mais sucesso do que novelas inéditas na Globo”, copyright O Estado de S.Paulo, 19/1/03

“A Globo está provando de seu próprio veneno. As atuais novelas da emissora, que estão em crise de audiência, ganharam uma concorrência forte e, no mínimo, irônica nos últimos meses: a das tramas reprisadas no Vale a Pena Ver de Novo. Nada melhor para diagnosticar como estão mal os folhetins novos da rede do que olhar para audiência de suas novelas ?velhinhas?, reprisadas à tarde, que estão batendo recordes de ibope no horário.

Foi assim com História de Amor (1996), reprisada no início do ano passado, que chegava a registrar 26 pontos de audiência média, mesmo índice de muitos capítulos da trama das 6 da época, Coração de Estudante.

Na semana retrasada, com os capítulos finais da reprise de Por Amor (1998), não foi diferente. O Vale a Pena registrou 32 pontos de audiência média na quinta-feira. Número muito alto para um horário que tem em média 20 pontos.

Índice alto também se comparado à audiência de Beijo do Vampiro, a novela das 7, que tem média de 28 pontos de ibope e Sabor da Paixão, a trama das 6, que beira os 25 pontos, de vez em quando.

Os bons resultados das ?velhinhas? são de fazer tremer a direção da rede, se comparados aos números de Esperança. A trama das 8 mudou de mãos – passou de Benedito Ruy Barbosa para Walcyr Carrasco -, ganhou agilidade e adiantamento nas gravações, mas continua com 38 pontos de audiência.

Esperança vem registrando a segunda menor audiência da história das novelas das 8 da Globo: melhor só que Suave Veneno (1999), que tinha média de 37 pontos, mas enfrentava a concorrência dos tempos áureos do Ratinho, no SBT.

Mina – Se as tramas inéditas não vão bem, por outro lado a Globo parece ter descoberto o caminho das pedras para o Vale a Pena Ver de Novo. O festival de reprises, que teve início nos anos 80, tinha média de 16 pontos de ibope. Quando a emissora começou a apostar nas reprises de obras mais recentes, como História de Amor e, na seqüência, Por Amor, a audiência subiu para a casa dos 20 pontos.

Como critério para escolha dos folhetins que serão reexibidos, a Globo se baseia no passado de audiência das tramas (as que estouraram em ibope têm mais chance) além da memória afetiva do público (as mais lembradas pelos telespectadores em pesquisas). ?Os pedidos do público, que todos os dias chegam por e-mails e cartas na emissora, não são levados em conta?, informa a Central Globo de Comunicação.

A escolha é feita pela direção da emissora, três meses antes de a trama voltar ao ar. As novelas das 6 e das 7, assim como as românticas, têm mais chance de entrarem no Vale a Pena Ver de Novo do que as das 8, por causa da temática mais leve para o horário. O Cravo e a Rosa (2001), sucesso da faixa das 6 horas, estreou no Vale a Pena na semana passada. Mas isso não é regra.

O que acontece é que as tramas das 8 acabam tendo que sofrer uma reedição antes de serem reprisadas, por causa da classificação etária para a programação da tarde. Segundo a assessoria da Globo, cenas de sexo e violência são cortadas sempre que necessário. Em Por Amor, por exemplo, as cenas em que Orestes (personagem alcoólatra vivido por Paulo José) bebe foram cortadas.

Reprisar duas vezes também vale. Roque Santeiro, a Gata Comeu, Que Rei Sou Eu? e Guerra dos Sexos estão entre as tramas que foram reprisadas mais de uma vez e que continuam entre as mais pedidas pelo público. Mas as novelas mais velhinhas têm pouca chance de emplacar no Vale a Pena atualmente. A prioridade da Globo agora são os sucessos mais recentes, que ainda estão quentinhos na memória do público. Laços de Família (2000), Terra Nostra (1999) e O Clone (2002) já têm espaço garantido na atração. Já Esperança…”

“Minissérie mostra como contar boa história”, copyright O Estado de S.Paulo, 19/1/03

Ao assistir ao imbróglio que se tornou Esperança e à bobagem que leva o nome de Sabor da Paixão, o telespectador tem a impressão de que a TV perdeu o jeito de contar histórias. Por desespero ou qualquer outra coisa que o público não tem a menor obrigação de entender, a história da novela das 8 tomou rumos alienígenas, deixando a platéia desorientada. Os vilões tornam-se santos, os santos mostram garras e o tridente e, para atrapalhar, novos personagens brotam como cogumelos depois da chuva a cada capítulo. A sensação é a de que a produção pegou o caderninho dos atores desempregados e está chamando todos para tapar o buraco que provoca a falta de bons entrechos. Já O Sabor da Paixão não escala o time reserva, mas também não desenvolve.

Esse cenário valoriza ainda mais a minissérie A Casa das Sete Mulheres que, mesmo indo ao ar tarde da noite, tem conseguido uma audiência robusta (perto de 30 pontos de média no Ibope só na Grande São Paulo). O prestígio da saga adaptada por Maria Adelaide Amaral e Walter Negrão e dirigida por Jayme Monjardim vem demonstrar que o telespectador dorme mais tarde com o maior prazer quando tem à sua disposição histórias bem contadas, bem dirigidas e com elenco entrosado.

A Casa das Sete Mulheres, que começou sonolenta como Pantanal, adquiriu ritmo e, o mais importante, deixa claro para o público que rumo vai tomar. É uma produção grandiosa – em termos de custo e de ambição estética – que vai garantir-lhe sobrevida no imaginário da platéia.

O acabamento é primoroso, mas o que está contando mesmo é a sensibilidade na direção de atores e, claro, algumas interpretações. A composição das personagens Caetana (Eliane Giardini) e Maria (Nívea Maria) é um luxo. A primeira, favorecida pelo destino ao encontrar o grande amor de sua vida e mantê-lo, é o contraponto da amargurada Maria que ?suporta? o marido a vida toda por obediência ao pai. Nívea, menosprezada em outros trabalhos na TV, tem a oportunidade de mostrar agora todo seu talento. O diálogo na cena da morte do marido Anselmo (Zé Carlos Machado) – em que as mágoas são passadas a limpo – foi de uma dramaticidade pouco vista na TV.

A conjunção de todos os fatores – texto, direção, interpretação – é tão boa que até galãs com uma folha corrida medíocre – como Thiago Lacerda e Rodrigo Faro – estão bem.

Mesmo com atores de peso em ótimas atuações – como Werner Schünemann, José de Abreu e Luís Melo -, a minissérie é das mulheres. Afinal, Maria Adelaide Amaral escreve muito bem e sabe abordar como nenhum outro na TV o universo feminino. E sabendo das possibilidades, as atrizes tarimbadas aproveitam bem a chance de mostrar serviço, entre elas, Jandira Martini, Bete Mendes, Rosi Campos, Ana Beatriz Nogueira.

As mais inexperientes estão fazendo tudo direitinho, sem comprometer. Camila Morgado, Mariana Ximenes, Daniela Escobar e Samara Filippo, com certeza, vão ostentar na abertura de seus currículos esse trabalho.”

 

TV DIGITAL

“A Matrix da mídia”, copyright Comunique-se <www.comunique-se.com.br>, 19/1/03

Confesso que não assisti Matrix quando passou nos cinemas, entre outras coisas exatamente porque todo mundo estava elogiando à beça e com umas interpretações metafísicas muito estranhas. Mas, ao comprar o tocador DVD, acabei topando com o filme na locadora e arrisquei. Chapei. É um dos melhores filmes de sci-fi dos últimos 25 anos e, como todo grande filme de ficção científica, permite vários tipos de leitura (inclusive as metafísicas estranhas). A minha foi mais prosaica: a Matriz que nos cerca é a da mídia. Ela faz a gente ver e sentir o que ela quer que a gente veja e sinta. Uma interpretação de jornalista paranóico? Bom, eu sou jornalista, sou paranóico e o filme é paranóico, então como não ter uma interpretação de jornalista paranóico?

Voltei a pensar em Matrix nos últimos dias diante do comportamento de nossos jornais e revistas sobre alguns temas. Os veículos – e obviamente os coleguinhas – parecem estar vivendo na mesma situação em que o filme diz que todos os seres humanos vivem sem saber: numa redoma, existindo num mundo de faz de conta, gerado por uma inteligência artificial poderosíssima da qual eles não têm a menor idéia da existência, apenas para o bem desta própria máquina, a Matriz.

Para exemplificar a minha idéia, escolhi a discussão sobre a possibilidade de o Brasil criar um modelo de TV Digital próprio, deixando de escolher entre os modelos até hoje ventilados. Poderia ter optado também pela discussão sobre a Previdência, não o fazendo por dois motivos: a) já estar falando sobre a questão exaustivamente no blog; b) andei brigando com amigos queridos sobre o tema e sair no pau com pessoas de quem gosto por duas semanas seguidas é demais até mesmo para o meu gosto por polêmicas.

Bem, como você deve pelo menos ter ouvido falar, o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, pensa em pôr em estudo o desenvolvimento de um padrão de tecnologia para TVD brasileiro, abrindo uma quarta opção de escolha onde hoje há três – os padrões americano (ATSC), europeu (DVB) e japonês (ISDB). O tal padrão brasileiro seria baseado (não copiado, veja bem) no padrão que vem sendo desenvolvido pela China, o Digital Multimedia Broadcast (DMB). E aqui entramos no funcionamento da Matriz.

Por ser um padrão chinês, a nossa mídia já o desclassifica como intrinsecamente inferior tecnologicamente aos padr&otildeotilde;es dos chamados países desenvolvidos. Como ?prova? do que este padrão é inferior, afirma-se que ele não foi homologado pela International Telecommunication Union (ITU). Isso é verdade, mas não é dito que não foi homologado ainda porque foi apresentado apenas em 2001, depois de cinco anos de testes, inclusive em condições de campo em Pequim, Shangai e Shenzhen, com os padrões que hoje são testados no Brasil.

Os chineses viram que nenhum deles conviria a um país gigantesco como o deles, com o número de telespectadores que possui – para você ter uma idéia, eles têm 100 milhões assinantes de TV a cabo, contra 3,5 milhões daqui; ou seja, para uma população mais ou menos oito vezes maior, eles têm um número de assinantes de TV paga 30 vezes superior, informação, claro, que não é passada pela Matriz – e que, por não poder jogar dinheiro pela janela, teria interesse em não pagar royalties aos estrangeiros, além de promover pesquisa básica em um campo de ponta e, no processo, gerar um monte de emprego qualificado. Alguma semelhança com a nossa situação? Para a Matriz, não. Para ela, somos mais parecidos com o Japão, os EUA ou a França.

E não se pense que essa história de modelo próprio brasileiro para HDTV começou agora, com o novo governo. Ano passado, mais precisamente em maio, uma delegação chinesa esteve aqui e foi recebida por integrantes da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET). O encontro foi descrito na revista ?Engenharia de Televisão?, da SET, edição de maio-junho, em artigo assinado por Miguel Cipolla Júnior, engenheiro que hoje é suplente do Conselho de Comunicação Social, órgão consultivo do Congresso para a área de comunicação.

Na conversa, os chineses foram claros em dizer que adorariam fazer uma parceria com o Brasil a fim de desenvolver um sistema que fosse bom para os dois países, pois é do interesse deles ter um aliado no mundo ocidental (ainda mais se esse aliado levar junto um continente inteiro, como seria o caso do Brasil, completo eu). Fora a revista da SET, apenas a Carta Capital, em agosto, informou sobre a visita. O resto dos veículos, imersos na Matriz, ignorou.

Por que isso acontece? Na maioria esmagadora dos casos não é por maldade ou jabá, não. É apenas por falta de discernimento e informação mesmo. Os coleguinhas de redação normalmente não se interessam em aprender mais sobre os assuntos, não têm mais (muitos nunca tiveram) curiosidade intelectual, se limitando a ficar na posição confortável de reproduzir o que as fontes falam, sem parar nem para pensar nas conseqüências do que a fonte está dizendo, e nem fazer aquelas perguntinhas básicas, que podem ser aprendida até em livro de detetive: a quem interessa estas afirmações e informações? A quem esta fonte serve? Quem lhe paga os salários e/ou as consultorias?

E, do jeito que a situação anda por aí, parece que não a coisa não vai mudar tão cedo. A não ser, é claro, que alguém chame o Lawrence Fishburne.”