POLÍTICA CULTURAL
“Recurso estatal para cultura está em xeque”, copyright Folha de S.Paulo, 24/1/03
“O cheque da cultura está em xeque. O patrocínio de empresas estatais a projetos culturais no país vive um momento em que a confusão entre a ordem de pagamento (o cheque) e a metáfora retirada do xadrez para movimento de desestabilização do adversário (o xeque) é mais do que justificada.
Em 22 dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o ?Diário Oficial? publicou contratos de patrocínio cultural de quatro estatais que, somados, atingem R$ 3,228 milhões para 23 projetos.
A ampla variedade de propostas contempladas pode ser entendida como uma mostra de diversidade de investimento. Ou a sinalização da falta de uma política governamental clara de apoio à cultura por meio das estatais.
O governo Lula decidiu tratar o tema como parte de sua política de comunicação, em vez de sua política de cultura.
Na primeira medida provisória que assinou, em 1? de janeiro, o presidente Lula colocou como uma das funções da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, comandada pelo amigo Luiz Gushiken, ?a coordenação, a normatização, a supervisão e o controle dos patrocínios da administração pública federal, direta e indireta, e de sociedades sobre o controle da União?.
Gushiken começou a estruturar uma Secretaria de Patrocínio, que será responsável pela definição de parâmetros e pela aplicação de recursos. A proposta é polêmica, em especial pela possibilidade de criar um supermecenas com crachá de funcionário público e distante das políticas oficiais de cultura.
O gasto das estatais
O tema ainda é tratado com tanta reserva no governo que as estatais evitam divulgar quanto gastaram no ano passado em incentivo à cultura e quanto têm reservado para este ano. A alegação oficial é que os novos dirigentes acabaram de assumir seus postos e precisam se informar sobre a situação.
Mas a listagem dos beneficiados revela uma mostra de como agem as estatais. Por exemplo, o produtor de cinema Aníbal Massaini obteve R$ 300 mil da Eletrobrás para sua estréia na direção com ?Pelé, O Atleta do Século?. Tizuka Yamasaki conseguiu R$ 250 mil da Caixa Econômica Federal (CEF) para a realização do filme ?Gaijin 2?, continuação 22 anos depois da sua abordagem para a migração entre Brasil e Japão.
Juntos, os dois diretores receberam menos dinheiro do que a Petrobras Distribuidora colocou na sinalização interna do parque temático Beto Carrero World, em Penha (SC). Foram R$ 650 mil. Os contratos do Beto Carrero World e de ?Gaijin 2? têm uma característica comum. Foram assinados em 26 de dezembro, seis dias antes da posse do novo governo.
Também nos últimos dias da administração de Fernando Henrique Cardoso, a organização não-governamental Moradia e Cidadania, cuja origem são funcionários da CEF que participaram da Ação da Cidadania -campanha filantrópica iniciada pelo sociólogo Herbert de Souza (1936-1997) na década de 90- obteve R$ 830,44 mil do banco.
A CEF destinou R$ 667,8 mil para o projeto de restauração de prédios em Salvador (contrato de 26 de dezembro) e R$ 162,6 mil para iniciativa semelhante em São Luís (contrato de 27 de dezembro).
De 1? a 22 de janeiro, a Eletrobrás publicou no ?D.O? contratos no valor de R$ 908,62 mil. Cinco deles foram assinados entre o final de novembro e o início de dezembro, com o novo governo eleito, mas não empossado. Dois são de julho, mas só agora tornados públicos oficialmente.
A Petrobras divulgou contratos no mesmo período de janeiro que somam R$ 967 mil. Os da CEF atingem R$ 1,574 milhão, e os dos Correios, R$ 744,86 mil.
Os critérios
Cada empresa emprega seu pessoal e seus critérios para a escolha dos projetos a serem beneficiados. Incluem entre eles a diversidade geográfica e o investimento em múltiplas áreas culturais.
No teatro, em especial no Rio, a Eletrobrás se mostrou uma das principais forças de patrocínio. Deu R$ 150 mil para o musical ?Godspell?, de Miguel Falabella; R$ 100 mil para ?Homem Objeto?, de João Falcão; R$ 100 mil para ?O Karma Cor-de-Rosa?, de Sylvia Bandeira; e R$ 80 mil para ?Tem um Psicanalista em minha Cama?, de Rogério Fabiano.
Nas festas de artistas, a presença de executivos de estatais e empresas privadas, usuais patrocinadores, é constante e quase um dever social. São vistos como mecenas e por consequência cortejados. No caso dos executivos de empresas públicas, a festa do patrocínio é deles, mas o dinheiro não.”
“Centralização pode ameaçar diversidade”, copyright Folha de S.Paulo, 24/1/03
“A primeira desconfiança que surge a respeito da criação de uma secretaria federal centralizando todo o dinheiro para patrocínio das estatais é se a política de escolha dos projetos continuaria diversificada.
?Não vejo problema em centralizar, se houver transparência?, afirma a produtora Marlene Salgado, que teve o projeto teatral Pano de Roda patrocinado pela Petrobras. ?Mas, centralizando, temos que ver que política é essa que vai se estabelecer. Que tipo de projeto será escolhido? É só aquele já consagrado, porque assim o governo terá maior retorno de marketing??.
A produtora diz que é constantemente questionada pelos diretores de marketing das empresas se os atores de seus projetos já participaram de trabalhos na TV. ?Por isso, as pessoas envolvidas na seleção têm que estar muito inteiradas da situação, saber como funciona a forma de produção em diversas regiões do país?, afirma.
O produtor de cinema Fabiano Gullane alerta para um possível retrocesso: ?Agora que o cinema brasileiro está funcionando, mexer no modelo pode atrapalhar. A menos que a idéia seja extremamente bem realizada?.
Gullane trabalhou na captação de projetos como ?Bicho de Sete Cabeças?, ?Carandiru? e ?Nina?. Para ele, as estatais cumprem o seu papel. ?As estatais são mais democráticas que as privadas. Há empresas privadas que apóiam projeto de um só perfil, enquanto as estatais abrem muito mais o leque. A BR, Eletrobrás, BNDES, Correios, Furnas estão constantemente investindo em produções.?
?Hoje, existem comissões nas estatais que, mal ou bem, fazem algum tipo de avaliação. Cada um tem seus critérios e por isso mesmo mais projetos distintos são atendidos?, afirma Gullane. Essa diversidade, portanto, poderia sofrer com a centralização.
Para dois dos captadores de projetos recém-aprovados, a criação da secretaria de patrocínio facilitaria a vida. ?Acho que seria muito mais fácil para captar. Hoje, temos que bater de porta em porta, vender a idéia, mostrar os benefícios. Isso facilitaria bastante, diz Dilson Barros Maciel, gerente-nacional da ONG Moradia e Cidadania. Beto Carrero pensa igual: ?Acho uma tremenda de uma idéia. Acho que tem que haver uma comissão para julgar e só os projetos que realmente merecem devem ganhar?.”
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Patrocínio vai de parque temático a restauração, copyright Folha de S.Paulo, 24/1/03
“O patrocínio aprovado nos primeiros 22 dias de um novo governo não é o suficiente para dizer que se trata de uma amostra real do programa de incentivo, mas é possível notar certas características, como a diversidade.
As estatais patrocinam de peças, filmes e discos a eventos culturais, como o Festival de Cinema, Televisão e Vídeo de Natal, que ganhou R$ 50 mil da Eletrobrás. Mas bancam também projetos menos identificados com a idéia imediata de cultura, como a sinalização interna do Beto Carrero World, que obteve R$ 650 mil da Petrobras.
Segundo o empresário Beto Carrero, o dinheiro saiu após três anos de tentativas. ?Queria o patrocínio para uma atração. Apresentamos a idéia de um cinema especial, que mostraria o fundo do mar em três dimensões e a extração do petróleo, por exemplo. Mas não deu certo.? Assim, o projeto aprovado pela Petrobras vai colocar plaquinhas indicando onde fica a roda gigante ou os banheiros do parque de diversões localizado em Penha (SC). Todas com a sigla BR em verde e amarelo.
?A empresa também vai construir um posto de gasolina na entrada do parque. Estou cedendo o terreno por 15 anos?, diz Carrero.
Outros projetos aprovados, desta vez pela Caixa Econômica Federal (CEF), são da ONG Moradia e Cidadania, ligada a funcionários do banco estatal.
Os projetos, de reforma de sete casarões no centro histórico de Salvador (BA) e um em São Luís (MA), receberam R$ 667,8 mil e R$ 162,6 mil, respectivamente.
?A CEF já tem um projeto de revitalizar o centro com residências. O nosso prevê o restauro das fachadas, paredes e telhados desses casarões?, diz o gerente-nacional da ONG, Dilson Barros Maciel. (IF)”