Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poucos viram o elástico de Robinho

MÍDIA ESPORTIVA

Antonio Carlos Teixeira (*)

Por mais que pensemos em outro assunto para ocupar valioso espaço neste Observatório da Imprensa, não dá para fugir da inesquecível "bola fora" chutada pela mídia esportiva brasileira, na madrugada de quinta-feira, 6. Na linguagem do futebol, as emissoras com direito de transmissão da Copa Libertadores da América (TV Globo e o canal esportivo Fox) "tomaram bola nas costas". Nesse dia, o Santos fazia sua estréia na competição, enfrentando o América de Cali, na Colômbia.

A Globo optou por transmitir a estréia do Corinthians contra o Cruz Azul, do México, no Pacaembu. A Fox gastou sua cota semanal para mostrar o Grêmio contra o mexicano Pumas. Até aí, normal. As emissoras, no entanto, se deram mal em razão das péssimas partidas jogadas por essas equipes. Tanto isso é verdade que o jornalista Juca Kfouri confessou ter cochilado no sofá de sua casa durante o jogo do time de seu coração, o Corinthians. A Globo perdeu a grande chance de gerar ao vivo para todo o Brasil as imagens da proeza do time da Baixada Santista, em Cali. O que aconteceu na Colômbia todos já sabem. A meu ver, desnecessário repetir, pelo menos com palavras, as molecagens que Diego, Robinho e Cia. aprontaram por lá.

Ao ignorar o jogo entre América de Cali e Santos, a TV Globo cometeu falha de estratégia. É sabido que onde desfilam Robinho, Diego e Cia. há bons espetáculos. As rádios também "tomaram bola nas costas". A Jovem Pan transmitiu a partida de São Paulo graças à emissora colombiana Caracol, que cedeu suas imagens à TV Santa Cecília, de propriedade da família do presidente do Santos, Marcelo Teixeira. Nem mesmo os argumentos de que o jogo seria realizado depois da meia-noite ? quando, supostamente, parte dos mortais desse país estaria dormindo ? justificam tamanha falta de profissionalismo (e sagacidade) da nossa mídia esportiva.

No dia seguinte, o comentário era um só: o show do Santos contra os colombianos tinha rendido aplausos até da torcida rival, algo inédito no futebol. Nas redações dos programas esportivos (no rádio e na TV), produtores faziam esforço danado para obter a fita do jogo. Liga pra ali, pra lá, pra acolá, mas nada. A TV Globo ? que preferiu reprisar as entrevistas do Programa do Jô a transmitir a partida ? viu-se obrigada a reparar o erro histórico. Mas, enfim, conseguiu as imagens. Menos mal. Outras emissoras, de menor expressão, não tiveram a mesma sorte. Sobrou-lhes apenas um desconfortável pedido de desculpas aos telespectadores. Sem áudio, as rádios limitavam-se a ler a repercussão nos jornais colombianos sobre a passagem do Santos na noite anterior (para eles).

Alienígena e ponto

Pior mesmo fez o Jornal da Globo, da âncora Ana Paula Padrão. O telejornal, que fecha a grade diária de programação do jornalismo da emissora, também foi vítima do elástico de Robinho ? drible inventado por Rivelino, quando jogava pelo Fluminense. Na quinta-feira (6), não mais do que quatro assuntos mereceriam destaques nos noticiários da TV: o ultimato de Bush à ONU, a fusão Varig-TAM, a crise interna no PT e a estréia do Santos na Libertadores. Frise-se que não foi uma estréia qualquer. O placar de 5 a 1 também não foi o diferencial. Mas, convenhamos, caro observador: o elástico perfeito de Robinho merecia, sim, ser repetido o quanto fosse possível.

Três dos quatro temas mais importantes do dia foram repercutidos pelo Jornal da Globo. Perfeito. Contudo, no bloco dedicado ao futebol, vimos os três gols das partidas entre Fluminense (RJ) versus Fluminense (BA) e Corinthians (AL) versus Flamengo (PI). Antes de chamar os gols, Ana Paula gastou valiosos segundos para, em cima do nome dos times, fazer um trocadilho sem graça, bobo. Na noite anterior, Robinho só gastara dois segundos para livrar-se de seu marcador com um excepcional elástico. Não custava nada o telejornal ter exibido o lance.

Quem permaneceu acordado para ver ou rever o festival de dribles de Robinho ficou decepcionado. Na sexta-feira pela manhã, recebi telefonema de um amigo dizendo-se indignado com o telejornal da Globo. Disse-me que, durante o dia, não tivera a oportunidade de apreciar os lances. Para piorar, à noite, teria perdido a segunda edição de todos os telejornais. Com isso, decidiu esperar pelo Jornal da Globo. Tinha certeza de que veria as imagens tão comentadas naquela quinta-feira. Sua previsão falhou. A produção de Ana Paula Padrão, presume-se, teria achado desprezível o elástico de Robinho.

A parte mais importante da história veio depois. Possesso, esse amigo disse ter telefonado para a TV Globo, em São Paulo, de onde é transmitido o telejornal. Já era quase uma hora da manhã. A ligação foi transferida justo para o ramal da chefia de reportagem. Para surpresa dele, o jornalista do outro lado da linha (cujo nome merece ? e deve ? ser poupado por razões óbvias) fazia coro ao desabafo do telespectador. Mais do que isso, o profissional da Globo dizia-se perplexo com a montagem do jornal naquela noite, sem os mágicos dribles de Robinho.

Ao cabo do telejornal, a bela Ana Paula, por certo, retirava o excesso de maquiagem, sem tomar conhecimento de que parte do país ficara acordada até altas horas para se deliciar com o espetáculo dado pelo time do Santos em Cali. Pobre Ana Paula Padrão! Gastou 10 segundos para fazer um trocadilho estéril, em prejuízo de míseros dois segundos de pura magia ? tempo gasto por Robinho para produzir um "abjeto" elástico, na visão dos produtores do telejornal. Conclui-se que, em se tratando de futebol, o Jornal da Globo é um alienígena. E ponto.

(*) Jornalista em Brasília