Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desdobramentos da denúncia

UFRGS

Luis Milman (*)

Em vista (a) do espaço aberto pelo OI ao tema do processo sobre fraude em dissertação de mestrado, praticada em 2000, junto ao PPGCOM/UFRGS ? ainda sem solução; (b) das manifestações sobre o assunto, respectivamente, dos professores Francisco Rüdiger (UFRGS), Márcia B. Machado (diretora da Fabico) e José Luiz Braga (Unisinos), em especial desta última, na qual sou citado repetidas vezes, embora não nominado; (c) da importância do tema, em seus aspectos éticos-acadêmicos, intelectuais e institucionais; (d) do reconhecimento do serviço público prestado pelo OI ao abrir espaço para o assunto; (g) da minha condição de denunciante da fraude e, nessa condição, impedido por razões óbvias, de polemizar sobre a minha denúncia e (f), sobretudo, pela agora imperiosa necessidade de informar aos leitores do Observatório da Imprensa desta denúncia, tal qual a tenho conduzido dentro da universidade, assim como de seus mais recentes desdobramentos, solicito que a minha manifestação ao pró-reitor de pós-graduação da UFGRS (anexa) seja publicada pelo Observatório da Imprensa, em sua próxima edição.

(*) Professor da UFRGS

 

Processo n? 23078.010095/01-90, de 03/05/2001.

 

Exmo. Sr. Prof. Jaime Eduardo Fensterseifer,

DD. Pró-Reitor Adjunto de Pós-graduação da UFRGS.

 

Senhor Pró-Reitor:

 

Certamente em face de meu reiterado pedido de ciência do andamento desse Processo, iniciado há cerca de dois (2) anos por minha iniciativa, agora, a ilustre Sra. Diretora da FABICO me dá conhecimento de seu conteúdo, nesta data, com cento e trinta e duas (132) folhas numeradas.

Não posso, entretanto, deixar de manifestar minha desolação, em virtude de tanto tempo decorrido, após ter me dirigido à Magnífica Reitora, resultando na determinação de Vossa Excelência, em 06/05/2002, para que nessa Unidade fosse designada uma Comissão de Sindicância para tratar da matéria (fl. 79) e constatar que hoje ainda esteja desatendida, embora seu apoio em lei.

1. De fato, na provocação à Magnífica Reitora, dei ciência documentada da ocorrência de fraude nos atos que levaram à diplomação como Mestre, aprovado com louvor, do Sr. GILBERTO KMOHAN, circunstância essa que, antes, em cartas de 9 e 19/04/2001, levara também ao conhecimento da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (PPGCOM), assim como ao ilustre Professor-Orientador SÉRGIO CAPPARELLI, que de resto, presidiu a Banca Examinadora.

Desde então, o Processo revela uma sucessão inútil de medidas procrastinatórias e em completo desacordo com o que determina a lei que, ao cabo, somente abre a porta larga da prescrição a eventuais responsáveis.

 

2. Com efeito e relevância para o assunto, sabidamente assim dispõe a Lei n? 8.112/90,


"Art. 116 – São deveres do servidor:

I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;

(…)

III – observar as normas legais e regulamentares;




IV – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;




(…)




V – levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;




(…)

Art. 117 – Ao servidor é proibido:

(…)




VI – cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;




(…)

XV – proceder de forma desidiosa;

(…)




Art. 124 – A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função,




(…)

Art. 127 – São penalidades disciplinares:

I – advertência;

II – suspensão;

III – demissão;

(…)




Art.129 – A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

Art. 130 – A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.




(…)

Art. 132 – A demissão será aplicada nos seguintes casos:

(…)

XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

(…)

Art. 142 – A ação disciplinar prescreverá:




I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;




II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.




? 1? – O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.




(…)




? 3? – A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.







Art. 143 – A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.




(…)



2? – Constatada a omissão no cumprimento da obrigação a que se refere o caput deste artigo, o titular do órgão central do SIPEC designará a comissão de que trata o art. 149.




(…)

Art. 145 – (…)




Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior.

Art. 149 – O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no ? 3? do art.143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado ".

 






3. E ainda, a Lei n? 9.784/99, dispõe,






"Art. 153 – A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos."






4. Mas, como desde a capa do Processo que consigna seu andamento atesta, o ir e vir insosso de pronunciamentos, não instaura nem desinstaura a cabal apuração dos fatos graves apontados.

 

Ao contrário.

 

Omissão da Coordenação do PPGCOM


 

5. Comunicado o fato à Coordenação do Programa por carta de 09/04/2001, à Coordenadora (fls. 14/16) e de 19/04/2001, à Comissão de Pós-Graduação respectiva (fls. 18/19), com denúncia e expresso pedido de providências, nada foi transmitido à autoridade superior.


Também deu ciência ao Professor Orientador e Presidente da Banca Examinadora (fl. 45).

E tratado como suspeito lá, sem o andamento legal, renunciou a seu mandato de Coordenador-substituto, levando então tudo ao conhecimento da autoridade superior, a Magnífica Reitora, em 03/05/2001, tendo início o Processo.

 

 

Perícia sem o "corpo de delito"

 

6. Para confirmar o que documentadamente afirmava a denúncia, foi pedido parecer externo a dois ilustres especialistas.

Mas, sem enviar-lhes os pontos cumpridamente indicados da fraude denunciada.

A supressão de tais evidências fez com que os experts trabalhassem hipoteticamente, quando em verdade, exigível seria permitir-lhes contrastar o que se apontava concretamente como fraude na dissertação com o padrão documentado de onde saíra o plágio.

Sonegou-se, assim, parte do corpo de delito aos peritos – contratados fora da lei, resultando em compreensível pronunciamento incompleto e, por isso, apodado por quem os contratara de inconclusivo.

De todo modo e à luz do exigido em lei, o pedido de perícia defeituosamente instruído, ainda que o fosse como deveria, isto é, com as indicações oferecidas como configuradoras da fraude, não teria tido qualquer valor, porque fora do devido processo legal. Afinal, o que estava fazendo a Comissão de Pós-Graduação?

A contraditória posição então assumida pela Comissão (fls. 78 e 76/77) foi desnudada e objeto dos pedidos que a colocavam despida em face de efetiva apuração da verdade (fls. 82/86).

 

 

 

Alegação de ausência de vínculo com a UFRGS

 

7. Chegou-se, apesar de tudo, a alegar que a averiguação disciplinar devida e determinada seria inviável, porque o apontado fraudador não teria mais vínculo com a Universidade.

Então, além de prosseguir se valendo das prerrogativas do título que surrupiou, se presume que tenha também pungado o diploma.

Mas, como se viu, o fraudador foi aprovado pela Banca com nota máxima e louvor, visto que reconhecida a alta qualidade do trabalho, que revela grande erudição – sem pedantismo – e enorme familiaridade com os textos do autor, bem como com o contexto cultural e por isso, elogia igualmente a elegância do texto e a densidade da reflexão (fls. 120/121).

 

Pessoalmente, contudo, na leitura da dissertação distribuída ao longo de 100 páginas e em três capítulos, observei que o autor da mesma subtrai parágrafos longos, períodos mais curtos, e mesmo frases isoladas, de autores especializados no comentário a Walter Benjamin – o pensador sobre quem deveria versar o trabalho.

Nos três capítulos, não é feita sequer menção ao assunto anunciado em seu título, o conceito de aura em Benjamin.

O tema aparece em meio a latinismos soltos, lugares comuns e períodos incompreensíveis, na introdução (sete páginas) e retorna, sem qualquer coerência, apenas nas três páginas da conclusão, a que se segue uma bibliografia de 145 títulos. Nenhum destes, saliente-se, de autor brasileiro, quando se sabe que nossa literatura filosófica é rica em comentaristas de expressão na matéria.

Das 100 páginas da dissertação, 17 são ocupadas por notas de rodapé que citam, em sua grande maioria, outros autores, alguns sequer mencionados na bibliografia; 11 destinam-se a citações longas, com recuo, que violam regras normativo-metodológicas elementares – por sua amplitude demasiada – e 13 são preenchidas por citações menores, entre aspas. Assim, 41 de 100 páginas são de autoria identificada de terceiros.

Ainda sobre o que se configura como metodologicamente inaceitável: no corpo principal do texto são citados e brevemente glosados 15 autores e 18 obras, entre os quais Fichte, Goethe, Rosenzweig e Brecht, sem a imprescindível referência em nota dos indicadores de autoria e do texto sob consideração.

Nas demais 59 páginas, nas quais o autor da dissertação discorre sobre sabe-se lá o quê, pelo menos a metade é redigida com paráfrases, algumas quase textuais, que evitam o plágio direto. Exemplifico: são raros os períodos não

precedidos das preposições "segundo" e "para" (segundo fulano, para sicrano).

Quanto à prova inafastável da fraude: o autor comete plágios literais em pelo menos 46 páginas, alguns deles contra obras não referidas na bibliografia, v.g., de Susan Buck-Morss, Ana Lucas e Jeanne Marie Gagnebin. Outros, contra Sérgio Paulo Rouanet, Hannah Arendt e o próprio Benjamin, copiado em 22 oportunidades!

Com isso, chega a 13 o número de páginas dedicadas exclusivamente ao plágio descarado, que, somadas às demais 41 preenchidas com citações de terceiros, ocupam 54 das 100 páginas da dissertação.

No corpo principal do texto em que não flagrei plágio direto, lê-se, por extenso e em alemão, 97 títulos de obras, sendo que só o título Ursprung des deutschen Trauerspiel (sic) é repetido 15 vezes!

O leitor se depara, em decorrência dessa compulsiva violação metodológica, com períodos a exemplo do que se segue: "Os artigos, Ein Familiendrama auf dem apischen Theater, em 1932, interpretando a peça Die Mutter e, Das Land, in dem das Proletariat nicht genannt werden darf, publicado na Die neue Weltbühne a 30 de junho de 1936, sobre a estréia em Paris da peça Furcht und Elend des Dritten Reiches" (grifos aqui).

É muita elegância.

Seja como for, a apuração é de lei, foi pedida, determinada e, embora o tempo transcorrido, sequer ainda iniciada.

Muito menos em relação aos obviamente envolvidos e assim, cristalizando e chancelando a fraude que envergonha a Academia.

Afinal, faz quase dois (2) anos de tudo dever ter sido iniciado.

E o procedimento, no caso, está prescrito em lei e ainda assim, desatendido.

A embromação continua

 

8. Mas, o desvio de finalidade prossegue. Ao revés da formação determinada da Comissão de Sindicância, para proceder como de lei, outro arrasto foi executado.

Inventou-se uma Comissão de Estudo Técnico em 23/10/2002, para apurar a denúncia constante no processo 23078.010095-90 (fl. 90) .

Pois a Comissão, já de início, demitiu-se da tarefa, anotando que entendemos não incluída na incumbência uma manifestação sobre o mérito da questão em pauta, isto é, se houve ou não "plágio" ou outra ilicitude e ainda, para confirmar o sentido embromatório da providência, gizou que entendemos não pertinente a nossas atribuições apreciar a substância das denúncias ou dos pareceres incluídos no processo, nem a sua eventual correspondência com os fatos (fl. 101).

E daí em diante, ao lado de alguma postura censória em relação ao denunciante, passou a lucubrar em tese sobre a possibilidade de institucionalizar, no âmbito da Academia, a aceitação de trabalho científico que furta obra alheia; e, ainda, a ensinar a Procuradoria Jurídica da UFRGS, as angulações normativas e procedimentais para o caso.

Essa Comissão de notáveis tem apenas um membro estável da Universidade. Os demais são externos.

 

9. Por último, a então Coordenadora do PPGCOM empenha-se em tentar explicar o inexplicável (fls. 115/119).

Como o tema do corpo de delito não poderia ser superado sem os elementos que fundavam a denúncia, apelou para o que chamou de evitar constrangimentos, para buscar justificar a supressão documental que desarmou os peritos (fl. 117 – ítem 5) e recusou-se a atender pedido do denunciante para que a questão fosse reexaminada pelos experts, já aí com base na documentação que instruía a acusação (fl. 117 – ítem 5, "c").

E assim se passaram os dois (2) anos sem que, com os elementos oferecidos com a denúncia e cuidadosamente ocultados de quem sobre o tema se pediu (indevidamente) opinião, tenham regularmente ficado estabelecidos os contornos da fraude e seus desdobramentos.

É demais.

Agora só falta o denunciante tornar-se formalmente denunciado.

 

Requerimentos


10. Assim e por tudo, ilustre Sr. Pró-Reitor, é que respeitosamente se pede a Vossa Excelência que, em atenção às normas de lei, chame o processo à ordem e, assim:

[a] assegurando a pronta, completa e isenta apuração dos fatos denunciados, mercê da série inútil de medidas até aqui adotadas , com apoio na citada Lei n? 8.112/90, art. 143, ? 3?, designe órgão diverso daquele para proceder à investigação;

[b] cientifique a Magnífica Reitora deste pronunciamento.

 

Comunicação

 

11. Comunica, por final, que da ocorrência da fraude denunciada, porque constitutiva de delito, deu notícia ao Ministério Público Federal, a quem enviará cópia desta manifestação.

Também, porque até hoje o imputado fraudador ostenta o título que a Universidade conferiu e as prerrogativas dele decorrentes, pleiteará a adoção de medida acautelatória capaz de resguardar o prestígio da Universidade de seu eventual mau uso, o que é de também requerer a Vossa Excelência, seja por ela mesma promovida, como efetivamente aqui fica requerido.

Pede deferimento e comunicação da solução que esta merecer.

Porto Alegre, 22 de janeiro de 2003-4?f.

 

Luis Milman,

Professor.

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