GUERRA IMPRESSA
Erlo Roth (*)
Uma vantagem de ir freqüentemente ao Brasil, além de fugir do inverno de Chicago, é poder ter uma perspectiva diferente sobre assuntos internacionais como a guerra no Iraque. No Brasil, BBC (Inglaterra), RAI (Itália), TVE (Espanha), Deutsche Welle (Alemanha) e RTP (Portugal) são canais comuns na TV a cabo.
No dia 11 de fevereiro, a mídia jogou holofotes sobre o discurso de Colin Powell ao Congresso americano, noticiando uma nova mensagem de Osama bin Laden ? considerada prova de que Saddam Hussein está apoiando a al-Qaeda. A BBC, no entanto, não interpretou assim a mensagem do terrorista.
Bin Laden disse que "ao ocupar o Iraque, os EUA procuram realizar o sonho sionista de estabelecer uma grande Israel na região do Oriente Médio". Mais adiante, que "…muito preocupados, acompanhamos os preparativos para o início de uma guerra contra a antiga capital muçulmana para instalar ali um governo de fantoche. Lutemos contra esses déspotas!".
O comentarista televisivo da BBC disse que, em se tratando de ataque a um país muçulmano, bin Laden é opositor tão ferrenho à ação americana quanto o próprio Iraque, assim como todos os outros países árabes. Isto não prova que Saddam Hussein tem fornecido apoio militar à al-Qaeda.
A BBC ainda disse que bin Laden e Hussein nunca se deram bem. Além disso, Colin Powell deixou convenientemente de lado em seu discurso o seguinte trecho proferido pelo terrorista na mesma fita:
"A batalha deve ser em nome de Deus, e não de ideologias nacionais, nem pela vitória de governos ignorantes que lideram países árabes, incluindo o Iraque. Esta guerra afeta a todos os muçulmanos, permaneça ou não [Saddam] Hussein no poder".
Em outra parte da gravação, bin Laden se refere ao ditador iraquiano como um "infiel". As razões para isso são óbvias a qualquer pessoa que conheça o mínimo sobre o Islamismo, uma vez que Hussein é visto freqüentemente fumando seu grande charuto ? atitude que, tal como beber, é proibida na religião.
Outro aspecto noticiado pela mídia no Brasil é que o governo Bush declarou que a guerra contra o Iraque poderá custar cerca de 9 bilhões de dólares por mês. No entanto, não há motivos para se preocupar porque em 5 anos de ocupação a perda seria mais do que compensada devido à exploração do petróleo iraquiano por companhias americanas.
Isso explica a estranheza mencionada por Paul Krugman no New York Times, em artigo intitulado "Por que a Europa não acredita em Bush":
"Admiradores de George W. Bush sempre descrevem sua posição contra Saddam Hussein como digna de Wiston Churchill. No entanto, suas declarações são notavelmente isentas de promessas de sangue, suor e lágrimas. Existiu, algum dia, um líder que tenha combinado tanta retórica militar com tão poucos apelos por sacrifício?".
Para que um dos reais motivos da guerra venha à tona, some-se as recentes concessões de Bush a empresários ligados à indústria do petróleo, levando em conta o fato de que Bush, Dick Cheney e Condolezza Rice procedem da mesma indústria, e de que em 1998, sob os auspícios de Cheney, assinou-se um acordo de 25 milhões de dólares com o petróleo do Iraque.
A BBC também noticiou que a taxa de aprovação a Tony Blair caiu para 30%, a menor desde que se tornou primeiro-ministro. Por que, então, a taxa de aprovação de Bush ainda é tão alta nos EUA? Provavelmente por causa do poder da mídia. Um gráfico publicado recentemente pelo jornal O Globo compara as posições dos jornais americanos antes e depois do discurso de Powell.
Apenas The New York Times e Orange County Register são contra o ataque.
(*) Médico pela UFRJ, pós-graduado pela George Washington University, MBA pela Northern Illinois University e professor emérito de Patologia da Northwestern University