PERFIL / DIOGO MAINARDI
“Um estilo demolidor”, copyright Jornal do Brasil, 16/02/03
“Qualquer pessoa que cruze com o paulista Diogo Mainardi, 40 anos, caminhando pelas ruas de Ipanema, terá dificuldade de associar aquele homem de feições serenas à imagem de olhar aquilino e semblante inquisidor da fotografia que ilustra suas colunas semanais na revista Veja, desde 1998. De fato, no primeiro encontro com o autor de quatro romances elogiados pela crítica – Malthus, vencedor do prêmio Jabuti de 1990, Arquipélago, Polígono das secas e Contra o Brasil -, que atualmente prefere se definir como jornalista, a visão do grande enfant terrible da imprensa nacional hoje logo se arrefece.
Bater um primeiro papo com Diogo envolve uma acolhida inicial sem veneno destilado. Em lugar de atacar este ou aquele problema do Brasil, conforme faz em seus artigos, ele prefere destacar a beleza do Rio, onde reside provisoriamente para acompanhar o tratamento de seu filho, vítima de paralisia cerebral. Esse encanto, aliás, vem do fato de ele morar há 14 anos em Veneza. Mas bastam poucas palavras trocadas para que sua verve ferina venha à tona, em assuntos como sua experiência como roteirista, trabalhando com o irmão mais velho, o diretor Vinícius Mainardi, nos filmes Dezesseis zero sessenta (1995) e Mater Dei (2001), ou discutindo literatura. Nesta entrevista ao Jornal do Brasil, Mainardi procura desmistificar um pouco a imagem do crítico ranzinza, comentando suas influências literárias e discutindo a identidade cultural do brasileiro.
– Qual é o estilo Diogo Mainardi de ver o Brasil?
– Tenho um olho cândido, distante. Olho meu país sem preconceito, mas com graça, por achá-lo preciso. Não tenho objetivos precisos. Vejo o mundo de um jeito. Boto esse jeito no papel e me pagam para fazer isso. Não sou resmungão, mas penso que sou um desastre nacional. Tenho todas as piores qualidades de meu povo e poucas de suas virtudes.
– Mas não há um quê de pessimismo em sua interpretação do país?
– Não é pessimismo. O Brasil não vai melhorar, nem piorar. Vai continuar a ser uma grande porcaria. Somos fracos nessa coisa de país. Não é a nossa construir uma nação organizada.
-A identidade cultural é um tema recorrente em sua coluna na revista Veja. Como definiria nossa identidade nestes tempos de Gilberto Gil no ministério da Cultura?
– Não acredito que tenha modificação nenhuma. Tenho absoluto asco de políticos. Eles são todos iguais, independentemente de partido. É uma gentalha que não me fascina. É gente que deve ser apedrejada. Acho que neste momento de um governo particularmente demagógico e populista, uma identidade ?popular? está mais em evidência. Ajuda, inclusive, a manipulação do governo em relação à população.
Pensamentos e influências
– Seu texto exalta a ironia, a crítica ácida. Que autores o ensinaram a pensar assim?
– Praticamente tudo o que eu li era irreverente. Minha linhagem literária é de Cervantes, Swift, Voltaire, Rabelais. Uma linha cômica, sarcástica e muito ácida. Eles foram os escritores que fizeram minha cabeça. Ela é desse jeito por causa deles.
– Há algum autor brasileiro de que o senhor goste?
– João Cabral [de Melo Netto]eu gosto muito. E Policarpo Quaresma foi o melhor romance que fizeram no Brasil.
– E dos novos autores?
– Não tenho lido muita coisa. Não estou bem informado. Parei no Dalton Trevisan, e continuo a crer que ele faz o melhor da literatura ainda hoje.
– O jornalista Ivan Lessa também teve um peso importante em sua formação.
– Abandonei o curso de ciências políticas no segundo ano por culpa dele. Fui para a Inglaterra na juventude para estudar na London School of Economics. Tinha 19 anos. Procurei Ivan como fã. Foi a primeira e única vez que busquei uma pessoa por isso. E ele começou a me encher de livros. Íamos comer em um restaurante chinês, às quartas-feiras, e ele sempre levava três livros para mim, que eu lia no arco entre uma semana e outra. Entre a leitura com esse tutor e a universidade, achei melhor o Ivan Lessa e sua biblioteca.
– Como entrou para a Veja e se aproximou do jornalismo?
– Entrei na Veja há 12 anos, a convite de Mário Sérgio Conti [editor da revista na ocasião]. Ele já era meu amigo, fomos apresentados por Ivan Lessa. Minha entrada acabou sendo uma espécie de favoritismo muito brasileiro. Na época, não pensava em jornalismo. Considerava que era incompatível com meu exercício da literatura. Esperava viver de livros. Como não consegui, fui para a imprensa. Quando não tive mais meios de me sustentar, o jornalismo acabou aparecendo como minha tábua se salvação. Nos primeiros oito anos da revista, fiz matérias de viagem e resenhas. E quatro perfis, feitos no início dos anos 90, com Gore Vidal, Cicciolina, Nelson Piquet e Ivan Lessa. Fui contratado mesmo para escrever perfis. No começo do trabalho lá, me mantive de forma precária. Mas depois da coluna, que tenho há quatro anos, vivo bem.
– Polêmicas sempre cercam sua coluna na Veja. Foi o caso do texto sobre as comemorações do centenário de Drummond, no qual questionou a qualidade de alguns poemas dele. Por que atacar a obra drummondiana?
– Sobre Drummond, você pode falar bem ou falar mal. Se pegar os melhores poemas dele, vai falar bem. Se pegar os piores, vai falar mal. Eu peguei os piores e fiz uma seleção do que há de mais abominável no que ele fez. Não quis fazer um tratado sobre Drummond. Apenas peguei a celebração de seus 100 anos , todo o kitsch daquela comemoração e a má leitura do que se faz de Drummond, e acabei prestando um serviço a ele. O que se lê de Drummond por aqui, hoje em dia, é quase sempre o que ele fez de pior. Claro enigma é seu melhor trabalho.
– Hoje o senhor se considera mais jornalista do que escritor?
-Penso que eu sou só jornalista a esta altura. Não estou escrevendo nenhum romance. São duas coisas quase incompatíveis. Escreveria maus romances agora.
– Sua experiência com cinema lhe trouxe dissabores?
– Eu jamais meterei as mãos novamente no território cinematográfico. Perdi dinheiro com o cinema. Passo longe. Quando fiz Dezesseis zero sessenta, com meu irmão Vinícius, experimentamos um grande anti-clímax. Demoramos quase cinco anos para lançar Mater Dei porque nos recusamos a usar dinheiro público. No fim, o filme não foi bem distribuído, nem bem recebido. As pessoas estão acostumadas com a televisão e o videoclipe. E Mater Dei valia pela discussão.
– O senhor costuma ver cinema brasileiro?
– Não. Não tenho acesso. Morando fora não vejo nada.
– Há alguma obra na história do cinema brasileiro que tenha lhe marcado?
– Absolutamente nada. O Brasil não conseguiu fazer um bom filme. Deus e o diabo na terra do sol, por exemplo, eu acho chatíssimo.”
COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
“Fim à síndrome de prima pobre”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 13/02/03
“É muito comum ouvir-se entre os colegas que atuam no campo da Comunicação Corporativa a afirmação de que ela é a prima pobre da Comunicação, relegada a um plano inferior, subalterno e com pouquíssima capacidade de investir, tratada que é em muitos casos a pão e água. E aqui estamos falando tanto do setor público quanto do privado.
Se surpreendida numa comparação, por exemplo, com a área de Marketing, ela morre de vergonha tais as discrepâncias existentes nos valores das respectivas contas. Enquanto o Marketing atua com verbas generosas, polpudas, as quais canaliza para a propaganda e outras ações de mercado, a Comunicação Corporativa luta por um lugar ao sol, ou seja, para garantir um mínimo de recursos que lhe permita desenvolver ações de imagem ou de relacionamento que tragam efetivos ganhos institucionais e estratégicos para as organizações.
Há, é certo, exceções (em número cada vez maior), e graças a elas é que o mercado começa a perceber de forma mais visível a importância da Comunicação Corporativa nos resultados dos negócios, no caso das empresas, na conquista de objetivos políticos, no caso da área pública, e na efetiva disseminação de mensagens e conceitos, dentro do chamado terceiro setor.
É por isso também que se pode dizer hoje que a situação já foi pior. Muito pior. Mas também não dá para se iludir, pois está, ainda, longe do ideal.
Pegue-se a área pública, por exemplo, cujas investimentos em comunicação corporativa, em relações públicas, beiram ao ridículo. Não é sem razão que o colega Flávio Schmidt, presidente do Conselho Federal dos Profissionais de Relações Públicas – o Conferp – afirmou, meses atrás, na abertura do 2? Congresso Brasileiro de Comunicação no Serviço Público (evento organizado pela Mega Brasil Comunicação, em agosto de 2002), que a atual situação de descrédito vivida por todo o serviço público brasileiro é, em grande parte, decorrência dos equívocos na política de comunicação adotada ao longo dos últimos 30 anos. Sem entrar no mérito da administração propriamente (com seus erros e acertos), na Comunicação os governos, os legislativos e mesmo o judiciário apostaram na comunicação de uma via só, ou seja, na propaganda e na divulgação (Ieia-se, assessoria de imprensa e press-release), literalmente ignorando a comunicação de duas vias, aquela que fala e ouve, que explica e entende, que interage com as peculariadades de cada um de seus públicos, que ajuda a administração pública a mudar conceitos e até atitudes. Com isso, perdeu a capacidade de administrar sua própria imagem e deixou que a sociedade fizesse um juízo perverso e até certo ponto injusto tanto dos homens públicos quanto da administração pública (ou não é voz corrente entre a população que político é tudo corrupto e ladrão, governo não faz nada pela gente, funcionário público é tudo vagabundo e incompetente).
Claro que o serviço público brasileiro deixa – e muito – a desejar, pelas carências e situações esdrúxulas criadas ao longo do tempo. E se isso não mudar não mudará a imagem que ele consolidou junto à sociedade. Mas junto com as mudanças estruturais é preciso haver mudanças estratégicas na comunicação institucional e corporativa. É preciso haver mais investimentos, como um todo, na área, seja em contratações (próprias ou terceirizadas) seja em ações que ajudem a construir uma nova imagem, um novo conceito, particularmente junto aos chamados formadores de opinião.
Na área privada, embora a imagem geral das organizações seja boa, o mesmo não se pode dizer em termos setoriais (sobretudo de determinados setores, como o financeiro e o químico, por exemplo). E no campo individual encontramos de tudo. Empresas de muito boa reputação, outras nem tanto e várias caindo pelas tabelas.
As de boa reputação são aquelas que canalizaram investimentos maiores para sua área corporativa. Ou seja, investiram nos produtos, no mercado, mas também na sua imagem. Investiram em tecnologia sem se descuidar do relacionamento com seus vários públicos. Investiram em propaganda, mas também em ações diretas com a comunidade. Anunciaram nos grandes veículos, sem esquecer de prestigiar os veículos locais e regionais. Mostraram excelência nas ações empresariais, propriamente ditas, e também na construção de uma imagem de organização moderna e socialmente responsável.
Muitas, pode-se até dizer isso, fizeram muito com muito pouco, protagonizando o chamado milagre da multiplicação. O que só reforça a tese de que investimentos em comunicação corporativa são os de melhor relação custo-benefício.
Se temos tido a felicidade de construir caminhos melhores para as organizações para as quais trabalhamos, precisamos ter a capacidade de influir de forma mais efetiva nos destinos destas mesmas organizações, inclusive na questão da destinação dos recursos para investimentos. Arcamos, nesse particular, com o desafio de ser tão altivos e determinados como os colegas do marketing e da propaganda, e nossa missão é acabar de vez com a síndrome de primo-pobre. Devemos lutar pela harmonia e pela convergência, mas se preciso for não devemos fugir de uma boa briga e mesmo de um chega pra lá, quando se tratar de defender esse nosso território (não por conta de uma visão corporativista, mas sim sob a ótica do pragmatismo, de um olhar do que é melhor para a empresa e seus colaboradores, clientes e fornecedores). Já há, entre nós, colegas com esse perfil, mas precisamos formar um pequeno exército, como fazem, por exemplo, os colegas da publicidade que brigam, sim, entre eles, para ver quem fica com mais verba, mas se unem até os dentes quando é para defender a publicidade e seus fees (está aí o CENP, para comprovar esta tese).
Cabe, pois, aos profissionais que atuam hoje no segmento da Comunicação Corporativa, seja operando a comunicação ou atuando como consultores, defender a ampliação desses investimentos e também apontar novos caminhos que possam fortalecer a atividade. Para isso, é necessário obviamente munir-se de argumentos e de provas consistentes dos resultados que as ações em comunicação corporativa trazem para as organizações.
Com mais verbas seremos mais fortes. Sendo mais fortes, conseguiremos mais verbas. Fortes aumentaremos o prestígio de nossa atividade e também de nossas carreiras no staff das organizações.
Está na hora, pois – aproveitando a onda do momento – de a esperança vencer o medo.”