FOLHA DE S.PAULO
"Depois do boom", copyright Folha de S.Paulo, 23/2/03
"Na volta das férias, segunda-feira, tomei conhecimento dos números de vendas dos principais jornais de circulação nacional do país em 2002.
Mesmo num ano cheio de eventos relevantes (?guerra ao terrorismo?, Copa do Mundo, eleições presidenciais), manteve-se a tendência de queda desenhada especialmente desde 1998.
Não cabe lamentar, mas sim procurar entender ao menos algumas causas desse declínio e o que ele implica.
O gráfico acima, com a circulação média anual da Folha, do ?Estado de S.Paulo? e do ?Globo? desde 1984, mostra como são semelhantes, sobretudo nos anos 90, as curvas de sua evolução.
Fica evidente o pico de 1994 e 1995, quando a Folha, por exemplo, teve circulação média de 606 mil exemplares por dia.
Foram os anos em que se realizaram seguidas promoções (aos jornais se acoplaram atlas, enciclopédias, fascículos, dicionários), com marketing agressivo, para conquistar novos leitores.
Tal estratégia se baseava na idéia de que, num mercado de forte concorrência, quanto mais jornais vendidos por uma empresa, mais publicidade ela atrairia para suas páginas e, assim, mais faturamento.
Apoiava-se no Plano Real, que momentaneamente possibilitou uma melhora na capacidade de consumo de significativas parcelas da população e ?barateou? o dólar (moeda na qual se baseia o preço do papel usado na impressão dos jornais).
Foi nessa época, também, que os principais grupos de comunicação, em grande parte sustentados por empréstimos obtidos no exterior com câmbio favorável, investiram em parques gráficos, ampliaram negócios (TV a cabo, internet) e até lançaram novos veículos impressos.
Na história do jornalismo, porém, nem sempre circulação elevada foi sinônimo de solidez empresarial. E essa realidade se evidenciou a partir de 1998, quando começam a aparecer sinais negativos de desgaste do Real.
O dólar sobe. Com ele, disparam as dívidas (algumas literalmente bilionárias) e o preço do papel. A renda da população, de modo geral, começa a declinar.
Cai o investimento publicitário; as próprias empresas de comunicação também enxugam seu marketing. Esgota-se a política de promoções (haja estante para tanta enciclopédia, atlas, dicionário etc).
A prioridade passa da circulação para a rentabilidade: venda-se menos, mas com uma saúde econômica melhor. Relacionado a esse enfoque está o empenho no sentido de se criar uma legislação para permitir a entrada de capital estrangeiro na mídia.
Artificial
Para o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, o crescimento de meados dos anos 90 foi, em boa medida, artificial.
?A maior parte das pessoas que passaram a comprar jornais no ciclo dos brindes não foi cativada pelo produto jornalístico em si?, diz Frias Filho. ?Receio que a retenção desse contingente de leitores [uma vez encerradas as promoções] somente teria sido expressiva se os jornais se dispusessem a desfigurar seu perfil editorial, dando maior ênfase a temas populares em detrimento da cobertura político-institucional e macroeconômica, por exemplo?.
Na opinião de Rodolfo Fernandes, diretor de Redação do ?Globo?, a queda na renda da popula&ccediccedil;ão é o fator primordial. ?Anos seguidos de baixo crescimento econômico após o boom de 1994/1995 tornaram os jornais um produto caro para um importante segmento de leitores?, avalia. ?A não trabalhar com essa visão, teríamos de acreditar que todos os jornais ficaram muito ruins e outras mídias ficaram subitamente muito boas -hipótese da qual discordo fortemente?.
Qualidade
Hoje, passado o ?ciclo dos brindes?, a proporção entre leitores assinantes e leitores avulsos mudou. Segundo a Associação Nacional de Jornais, 59% dos exemplares vendidos pelos 74 jornais auditados no país são de assinantes, porcentagem que sobe nos veículos tratados nesta coluna (na Folha, por exemplo, ela é de 80% a 90%).
A oscilação de vendas representada por leitores que compram esses jornais em banca -atraídos por uma manchete mais ?forte?, por exemplo- torna-se, assim, quase irrelevante em termos estatísticos.
E aqui entra a responsabilidade das Redações e dos jornalistas. Nessa nova situação -em que parece se consolidar uma maior seletividade na composição de seu público-, aumenta a importância da qualidade contínua do conteúdo jornalístico como fator decisivo para a manutenção dos atuais e a conquista de novos leitores.
Sequestro sequestrado
Os jornais de sexta-feira, com exceção da Folha, noticiaram o fim, na noite anterior, do sequestro, em São Paulo, de três filhas de um executivo de um importante grupo de comunicações.
A notícia foi dada num telejornal na quinta à noite e divulgada em seguida na internet, inclusive pela Folha Online.
O ?Agora?, editado pela empresa que publica a Folha, deu o caso em manchete, sem mencionar nenhum nome dos envolvidos, esclarecendo que esse tratamento se devia a um pedido da família, por razões de segurança. Outros diários deram os nomes.
A Folha tem uma política clara em relação a seqüestros em andamento: apura, mas nada divulga se não houver aval da família. Quando ocorre o desfecho, o jornal publica, então, tudo o que apurou.
Questionada sobre a razão pela qual o jornal nada publicou na sexta sobre o desfecho do caso (o material saiu na edição de ontem, estranhamente, dentro de um texto cujo título falava de sequestros de crianças em geral), a Secretaria de Redação afirma que a reportagem não conseguiu, na noite de quinta, contatar o executivo, algum familiar ou alguém da empresa; e que a Secretaria da Segurança informara que a família não autorizava a divulgação.
Avalia que, nessas circunstâncias, ao omitir a notícia o jornal aplicou seu ?Manual?.
O caso é delicado, mas acho essa interpretação discutível. O desfecho estava dado; resgate pago; crianças libertadas. Não era seqüestro em curso.
Mais adequada, dadas as questões de segurança e as limitações da apuração, parece ter sido a atitude do ?Agora?, que ao menos não deixou seus leitores sem informação alguma.
Números do atendimento
Os números finais de atendimento aos leitores pelo ombudsman no ano passado mostram ligeira queda (4,6%) em relação ao total de manifestações de 2001. Foram 7.845 em 2002 ante 8.228 no ano anterior. Como não poderia deixar de ser, a editoria Brasil foi a mais procurada, com 1.298 contatos (16,5% do total), devido ao processo eleitoral.
O mesmo motivo sustenta um número elevado (678) de manifestações, também, relativas aos colunistas do jornal. Houve dois momentos de pico: maio e junho, por conta da Copa do Mundo; e setembro e outubro, em razão das eleições.
A procura pelo departamento, na média diária (considerando apenas os dias úteis), recuou de 33 para 31,8 contatos."