Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quase uma modalidade olímpica

Não é uma modalidade olímpica, mas parece estar se tornando mais um esporte nacional, após o querido futebol e o vôlei: trata-se do denuncismo. Por vezes, na falta do que fazer, ao que parece, malhemos algum Judas governamental. É claro que me refiro ao atual tiroteio contra Henrique Meirelles. Nada tenho contra ou a favor do presidente do Banco Central, mas algumas coisas acredito serem úteis para recordação: um dos maiores temores do difuso e fantasmagórico mercado, assim como do empresariado, era que cargos importantes, como a presidência do BC, ficassem em mãos de petistas poderosos da área econômica, e muitos se borravam apenas de pensar em uma Maria da Conceição Tavares, um Aloízio Mercadante, um Odilon Guedes e até mesmo Eduardo Suplicy ocupando esse altar.

Mas eis que a equipe foi composta por profissionais, ficando o poderoso Ministério da Fazenda com um prócere petista, sim, mas um médico que tem mostrado jogo de cintura suficiente para contornar crises e eventuais problemas – Antonio Pallocci. Caso resolvamos ativar nossa memória, poderemos lembrar que todos – acredito que sem exceção – ex-presidentes do BC, do governo Sarney para cá, seja um Chico Lopes, um Gustavo Loyola ou qualquer outro, foram também severamente criticados e submetidos a vários processos na Justiça. Alguém na imprensa, que atirou as pedras, resolveu saber o resultado de tais procedimentos judiciais e publicar alguma linha sequer? Foram todos absolvidos!

No governo FHC ocorreu algo que parecia a heresia mais completa: resolve-se indicar para a presidência do BC Armínio Fraga, que, apesar de suas conceituadas credenciais de Princeton, trabalhava para o megainvestidor George Soros. Quanto se reclamou! Além da imprensa e parlamentares, ao menos um deles merece atenção: o senador Pedro Simon gastou toda a sua verve na condenação do que via ser um homem do mercado nas entranhas da política monetária brasileira – com lógica, poderíamos estar entregando nossas minguadas reservas à sanha de um Soros ou companheiros. Mas eis que Armínio se mostra compreensivo, é sabatinado com sucesso no Senado, torna-se uma figura simpática e logo todos dele se esquecem como a encarnação do mal.

Pedradas merecidas

Agora o alvo é Meirelles: afinal, veio da presidência do BankBoston para o BC, o que por um lado criou alívio, mas gerou temores entre os investidores, pois banqueiros não são especialmente de sua confiança. E de maneira também low profile ele vem desempenhando suas funções, e a interpretação do estado econômico do país no momento, altamente contraditória, conforme a corrente partidário-ideológica ou econômica dos comentaristas, está ao mesmo tempo péssima e boa. Talvez economistas estudem junto com meteorologistas…

Mas de que o presidente do BC é atacado? Uma venda de terreno com valor não exato, não declarou imposto de renda quanto morava no exterior… Crimes gravíssimos! Que a sociedade queira a cabeça do homem (pois a do diretor de Política Monetária, Luiz Augusto Candiotta, já foi…), quais as reais implicações disso tudo em nossa economia? Ou alguém espera que um cidadão, mesmo que não ocupe posição política ou governamental técnica, seja uma virgem vestal, sem ter cometido alguma pequena improbidade ou erro? Deveremos investigar quem joga no bicho ou se o presidente Lula gosta mesmo de tomar algumas, como na famosa reportagem do New York Times? Bobagem completa: o mundo político é sujo mesmo, seja quem for que esteja no comando.

Alguns cometem erros clamorosos (lembram de um ex-ministro protegendo e depois conseguindo inocentar seu filho, que dirigia de maneira irregular e atropelou um homem?), outros pequenos enganos. Mas ninguém é santo para chegar a essas posições. Muito mais útil que criticar Meirelles agora, ou qualquer outro no futuro, seria fiscalizar com rigor essa ligação de pessoas provindas da iniciativa privada ocupando cargos governamentais e que, ao sair, se efetivamente cumprem a quarentena, se é que isso adianta alguma coisa.

E outra coisa: o funcionalismo público federal, formado por pessoas em geral honestas, admitidas por concurso público e que são a base do trabalho que esse pessoal indicado comanda, não tem aumento real de salários desde o governo Itamar Franco, apenas algumas gratificações e bônus para que continuem a exercer suas funções, com exceção dos militares. E alguém acha que um indivíduo vai sair de uma empresa de Soros ou de um BankBoston apenas por patriotismo? Recebem salários diferenciados, por lei dos tempos de FHC, compatíveis com o mercado, caso contrário não se conseguiria ninguém para essas funções.

Essa estranha ‘isonomia’ é que merece a meu ver as pedradas e investigações da imprensa, pois atingem vários funcionários da área econômica de primeiro e segundo escalões. Mais foco, prezados jornalistas, mais foco e mais luz: acredito que vocês são inteligentes e em sua maioria não ligados a nenhum esquema político em especial, mas às vezes tentados a vender mais.

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Médico