BANDEIRA CINZENTA
Ivo Lucchesi (*)
De início, registro um duplo pedido de desculpas: ao Observatório da Imprensa e aos possíveis leitores de meus artigos. Explico. Em razão de haver sido alvo de deformações no texto da jornalista Cláudia Rodrigues ("Bandeira branca, sempre"), na edição passada [remissão abaixo], vejo-me na obrigação de firmar uma resposta, sem incorrer em indelicadezas que não são próprias de um bom jornalista e nem contribuem para a compreensão dos acontecimentos dos quais tanto se nutre o jornalismo produtivo.
A crítica exige leitura
Confesso levar adiante essa tarefa com penosa dificuldade, dada a total inconsistência da suposta crítica que a mencionada jornalista acha de haver feito. Li reiteradamente tanto o meu artigo quanto o dela. Nada encontrei que pudesse dialeticamente sustentar um confronto entre as duas escritas. O que a jornalista pontua como possível réplica, não existe no meu artigo. Em nenhuma passagem reivindico uma cobertura jornalística a favor dos pacifistas (não que com isso não concorde, mas efetivamente o clamor inexiste no texto). Qualquer leitor, com mínimo distanciamento crítico, pode constatar. O que está claramente sinalizado é uma crítica ao superficialismo e à falsa neutralidade da "grande imprensa", no tocante aos desdobramentos do atual conflito, o que aliás é demandado pelo perfil do OI.
No decorrer do texto, a jornalista resolve ministrar aula: "A mídia não anda atrás do produto que vende mais ao consumidor (…) está mancomunada com o dinheiro que está atrás do produto". Ora, quem não sabe? Sobre tal matéria, já publiquei, no OI, artigos como: "Democracia & capital: as limitações do jornalismo e da política" (edição de 13/2/02) e "Pesquisas de opinião: jornalismo, publicidade e parcerias perigosas" (edição de 20/3/02). Como se vê, não posso repetir-me em sucessivos artigos. Não tenho culpa se a jornalista que, vez por outra, escreve no OI, não acompanha as publicações do próprio veículo.
A jornalista, ainda empenhada em tentar desconstruir minha escrita ? não sei motivada por quê ? , sentencia: "(…) o produto que precisa ser consumido não é o petróleo (…). O produto que precisa ser urgentemente consumido é o da indústria bélica". Será que a jornalista lê com a atenção devida? Ora, no meu artigo, além de explorar a questão a envolver os altos negócios relativos ao petróleo, alerto textualmente para a fatura da indústria bélica: "Por outro lado, a indústria bélica precisa de novas vitrines para exibição de suas modernas engenhocas /…/". Ou seja, a jornalista revela um modo de ler confuso, comprometendo a eficácia da lógica argumentativa.
Bandeira branca ou chapa-branca?
Na verdade, deixando de lado as incompreensíveis discordâncias de minha leitora desatenta, o que é preocupante na escrita da jornalista é a visão de mundo por ela formulada a respeito do cenário atual. Vejamos essa passagem: "Ninguém mais pode com esse mundo, a união não faz mais a força. Unidos todos se tornam comprados". A ser verdadeira a sentença da jornalista, cruzemos os braços e aguardemos a catástrofe. Nesse caso, também de nada vale escrever ou rebater coisa alguma. Quanto ao fato de todos se tornarem "comprados", uma vez unidos, é uma questão de escolha. Ao que sei, deixa-se comprar quem se põe à venda. Quero, portanto, declarar que eu e vários outros não estamos à venda. Quem porventura esteja assuma a posição e as devidas conseqüências. Não me consta, por exemplo, que a resistência crítica com a qual se sustenta o OI se inclua na barganha articulada pelo cassino mundial.
Por fim, a jornalista, em tom confessional, encerra sua trincheira textual com a lacônica afirmação: "Somos muitos, estamos todos nos mesmos lugares, fazendo as mesmas coisas, cumprindo as mesmas leis, infelizes sob as mesmas condições e nunca fomos tão impotentes". Com tal avaliação, a jornalista desencoraja que algum colega, igualmente dotado da ética que ela reconhece existir no meu artigo produza matéria jornalística na qual, por exemplo, se indague, por que o governo do Rio de Janeiro, declaradamente em situação inadimplente, anistiou, no auge da campanha eleitoral, as dívidas da Coca-Cola e do Carrefour que, somadas, ultrapassam a cifra de R$ 1 bilhão, com o agravante de haverem sido reconhecidas pela ação judicial? A matéria saiu na Tribuna da Imprensa, em janeiro do corrente ano. A partir daí, fez-se, até agora, prolongado e suspeito silêncio.
Enfim, caríssima jornalista, é certo que a dominação se alastra ferozmente pelo mundo. Todavia, a razão crítica ainda não foi de todo sepultada; portanto a voz da resistência deve fazer-se ouvir em todos os espaços ainda disponíveis. Assim, não confunda atitude crítica e questionadora, embasada em argumentação e conhecimento, com o pífio verbo que a senhora empregou: "espernear". E se o propósito (estranho) é o de assim pensar, substitua imediatamente a "bandeira branca" para desfraldar a "bandeira cinzenta", o que só fortalece a multiplicação do jornalismo chapa-branca. E fim de conversa.
(*) Ensaísta, doutorando em Teoria Literária pela UFRJ, professor-titular da Facha, co-editor e participante do programa Letras & Mídias (Universidade Estácio de Sá), exibido mensalmente pela UTV.
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