Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bola dentro, bola fora

VEJA & LFV

Deonísio da Silva (*)

A revista Veja (n? 1.793, 12/3/03) deu capa a Luis Fernando Verissimo. Como classificá-lo? À semelhança de Ricardo Ramos, filho de Graciliano Ramos, o sucesso do pai famoso teria gerado uma certa “angústia da influência”. Psicanálise? Luis Fernando ironiza tudo e ironizou também os exageros e minudências da psicanálise num de seus livros mais lido, O Analista de Bagé.

O texto de Carlos Graieb tange as bordas da obra de Verissimo, ocupa-se de aspectos interessantes e curiosos da vida literária de LFV, mas está longe de ser um perfil do escritor. Ainda assim, é matéria de méritos inegáveis, escrita de acordo com o estilo que a revista consagrou: obter o mínimo múltiplo comum de um olhar que de modo nenhum é panóptico. Assim, impede a visão global, faz um corte e segue uma vereda. Talvez seja o que o leitor médio mais queira.

Verissimo está com 66 anos. Estreou em livro em 1973, com O Popular, reunião de crônicas. Chega a 2003 com 57 livros e 5 milhões de exemplares vendidos. Nos últimos três anos vendeu 1 milhão, descontados os 2 milhões do livro infantil O Santinho, adquiridos por um dos maiores compradores de livros do mundo nos últimos anos, o governo Fernando Henrique Cardoso, impiedosamente verrumado pelo cronista, contista e romancista. Incomodado e sem a habitual elegância, FHC obtém bom desempenho em verve, mas tropeça numa falta de grandeza: “De Verissimo, só o Erico”, disse o ex-presidente à Veja. Quem conhece a vida e obra de pai e filho, tem boas razões para supor que se Erico fosse vivo, as críticas da família Verissimo a FHC poderiam ser ainda mais contundentes.

A matéria, com obsessão por vendas e números, não busca a receptividade que o escritor obteve nas avaliações de qualidade de sua obra. E quando exagera episódios menores, como o caso dos ataques ao pai, defendido pelo filho, incorre nos mesmos erros que vitimaram o próprio jornalista que a deflagrou. Com efeito, Juremir Machado da Silva, que a esse tempo escrevia no jornal Zero Hora, poderia aprender a lição que o rabino Henry Sobel gosta de repetir, dando conta de que os judeus não podem perdoar os algozes nazistas porque os mortos devem ser respeitados e não estão vivos para responder se perdoam ou não. O que incomodou o cronista não foi o ataque ao pai. Foi o fato de um jovem irreverente atacar a quem não podia mais se defender. Mas o caso é ainda mais grave. Veja omite, provavelmente porque o autor da reportagem desconhece a matéria, que a polêmica nasceu de uma análise equivocada e ainda por cima apoiada numa confusão.

Olímpica ignorância

LFV é hoje um logotipo de qualidade reconhecida na grande imprensa, graças a seu inegável talento e a bons editores, sobretudo a LPM e a Objetiva. A parceria bom escritor e bom editor jamais deu errado. O que às vezes dá errado é o bom editor querer impingir obras menores como se fossem o supra-sumo da literatura mundial. O que é mais comum é o escritor de qualidade ficar à mercê da falta de profissionalismo de seus editores.

Com altos e baixos, Veja acertou. Mas continua devendo a seus leitores um perfil, não apenas de Luis Fernando Verissimo, mas de outros nomes que se aproximam da idade bíblica dos setenta anos, ou já a ultrapassaram, e estão merecendo que a revista, se não quiser se ocupar deles, que seja mais responsável com seus próprios leitores e ao menos informe o que eles estão publicando.

Há dez anos Veja omite a literatura brasileira em suas páginas como se ela não existisse! De vez em quando pauta um ou outro escritor sem que se saiba qual tenha sido o critério. Os prejuízos são enormes. Ignorados pela maior revista semanal de informação, sequer os títulos de suas obras são conhecidos do distinto público leitor cativo da revista. Ainda bem que sua lição de jornalismo não é seguida por outras publicações. Do contrário, haveria um apagamento de nossas letras numa escala sem precedentes na história da imprensa brasileira.

(*) Escritor, doutor em Letras pela USP, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A Vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú