Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sistema midiático e crise do jornalismo

APOGEU E QUEDA

Victor Gentilli


Excerto do capítulo introdutório de “Sistema midiático e crise do jornalismo: dos anos 50 à decadência posterior a 80”, tese de doutorado sob orientação do prof. Bernardo Kucinski, apresentada em 28/2/03 na Escola de Comunicações e Artes da USP à banca formada pelo orientador e pelos professores Jair Borin (ECA-USP), Alice Mitika Koshiyama (ECA-USP), José Salvador Faro (Universidade Metodista de São Paulo) e Nilson Lage (Universidade Federal de Santa Catarina).


Cada um dos capítulos que se seguem busca mostrar como em cada período histórico a transformação da imprensa de projeto de engajamento político, que expressa as idéias em conflito no país num espetáculo mercadológico e negócios privados que veiculam a ideologia que majoritariamente expressam os interesses poderosos da sociedade contemporânea, divorciando-se dos compromissos políticos que marcam a sua origem.

O que nos interessa, em particular, é que a partir daí, uma série de movimentos vão se dando na imprensa. Como veremos a partir do capítulo 1, a década de 1950 é prenhe de mudanças no modo de se fazer jornalismo no Brasil. A reforma de O Estado de S. Paulo, conduzida por Cláudio Abramo; as primeiras reformas do Jornal do Brasil, conduzidas inicialmente por Odylo Costa, filho, em seguida por Janio de Freitas e outros, o caderno cultural do JB, tocado pelo arquiteto e escultor Amilcar de Castro, por Reynaldo Jardim e pelo poeta Ferreira Gullar; a introdução do lead e do sublead, no Diário Carioca, por Pompeu de Souza, Luiz Paulistano, Danton Jobim, são sinais evidentes de que o jornalismo está para sofrer uma mudança de qualidade no seu padrão profissional.

No mesmo período, o lançamento da Tribuna da Imprensa em 1949, por Carlos Lacerda; a criação da Última Hora, por Samuel Wainer, em 1951; os primórdios das transmissões televisivas pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, iniciadas em 1950; o surgimento da revista Manchete, em 1952, por Adolpho Bloch; a chegada da Editora Abril, da família Civita, com o Pato Donald, em 1950; o esplendor de O Cruzeiro como revista semanal.

Cláudio Abramo, que ingressara em O Estado de S. Paulo em 1948, como repórter, assumirá a secretaria de redação, com poderes para implantar a reforma do jornal, em 1952.

Esse conjunto de novidades midiáticas se dá primordialmente no primeiro qüinqüênio da década de 1950, no decorrer do governo de Getúlio Vargas, pleno de combates políticos, quando Carlos Lacerda inicia sua peleja contra Getúlio Vargas combatendo inicialmente Samuel Wainer e sua suprema ousadia de fazer um novo jornal.

Mesmo o governo de Juscelino Kubitscheck, no segundo qüinqüênio da década, é apenas aparentemente estável. Houve a necessidade de um contragolpe preventivo para garantir sua posse em 1955 e duas revoltas da Aeronáutica, em Aragarças e Jacareacanga, no início e no final de seu governo, intentaram derruba-lo.

Mas é fato indiscutível que Juscelino foi o primeiro presidente civil da República a vencer eleições, tomar posse entregar o poder ao seu sucessor eleito, apesar de Aragarças e Jacareacanga. Juscelino fez, na verdade, tudo aquilo que Carlos Lacerda trombeteou de Getúlio Vargas.

A década ainda iria ver, no seu final, a revista Senhor, ser lançada em 1958, renovando a apresentação gráfica, trazendo a primeira experiência mais intensa de fusão entre jornalismo e literatura. Senhor expressava a euforia que tomava conta do país naquele final de década que viria ainda o Brasil sagrar-se campeão mundial de futebol, na Suécia, com Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé e outros, o surgimento da Bossa Nova, da indústria automobilística e a inauguração de Brasília, no planalto Central, dentre várias mudanças culturais, políticas e jornalísticas.

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No capítulo 2 desta tese, tento mostrar como o jornalismo se desenvolve com uma rapidez espantosa no período entre 1960 e 1964. A TV já será um instrumento midiático respeitável no período: o discurso de Carlos Lacerda dois dias antes da renúncia de Jânio Quadros e o comício de João Goulart na sexta-feira, 13 de março de 1964, foram transmitidos por microondas simultaneamente para o Rio de Janeiro e para São Paulo, ao vivo. Além disso, a chegada do vídeotape permite que programas televisivos atinjam o que na época poderia-se qualificar como de dimensão nacional.

A polarização política entre o regime populista e as elites industriais e agrárias aliadas ao alto oficialato militar chega ao paroxismo no período, resultando no golpe que romperá a legalidade democrática.

O período se inicia com a campanha presidencial trazendo várias novidades. A UDN, agora, vinha com um candidato histriônico, que tivera uma carreira política fulminante em São Paulo e aparentava ser capaz de enfrentar o populismo da aliança PSD-PTB com um populismo de novo tipo. Jânio estimula duas candidaturas a vice-presidente na sua chapa (Milton Campos e Fernando Ferrari) e ainda apóia o movimento de vários líderes sindicais que defendem a chapa Jan-Jan (Jânio Quadros para presidente e João (Jango) Goulart para vice). No final, Jânio Quadros elege-se presidente e João Goulart elege-se vice. As eleições foram distintas.

A efervescência política e cultural permeia praticamente todas as atividades no período. Antes de completar oito meses de governo, Jânio renuncia, numa tentativa de golpe que se frustra por falta de articulação política e militar.

O Estado de S. Paulo já terá assuntos nacionais em sua primeira página, sinal de que o Brasil se torna algo importante para os membros da família Mesquita. No comando do Jornal do Brasil, desde 1961, Alberto Dines iniciaria a segunda reforma no matutino, que o transformaria, definitivamente, no jornal de referência de toda a imprensa no Brasil no decorrer da década de 60.

Os grandes atores políticos no período, marca do paroxismo a que chegou o populismo no Brasil, foram as lideranças que faziam dos partidos seus apêndices. Com João Goulart na presidência e Carlos Lacerda, Leonel Brizola e Juscelino Kubitscheck candidatos à sucessão em 1965, o país fervia.

A rigor, os jornais também foram apêndices dos movimentos e ações das lideranças políticas que se confrontaram até o limite do golpe. Mas, mesmo assim, os jornais desempenharam um papel de linha de frente no período. Apenas a Última Hora, mais uma vez sozinha, tentava resistir e oferecer sustentação política ao governo de João Goulart.

Praticamente todos os demais jornais foram para a oposição aberta. Certo que a Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro e O Estado de S. Paulo, em São Paulo, se constituíram quase em porta-vozes oficiais dos golpistas. Mas será o Correio da Manhã que se exasperará com os movimentos mais radicais que se seguiram ao comício de 13 de março de 1964. Os editoriais “Basta” e “Fora”, publicados excepcionalmente na primeira página do jornal, nos dias 29 e 30 de março, exigindo a renúncia de João Goulart, foram marcantes para a deflagração do movimento que se inicia com as movimentações das tropas comandadas por Olympio Mourão Filho em Minas Gerais.

Até mesmo jornais menos engajados com o esquema golpista e com o udenismo produziram editoriais duros contra Goulart nos dias finais de março de 1964, como o Jornal do Brasil (Dines: 1966).

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Depois disso, a história brasileira ingressará em outra etapa, onde o predomínio é exclusivamente militar.

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No capítulo 3, apresento a nova realidade política tentando coexistir ainda com a velha cultura que predominou no período anterior. Não foi possível. O país se agitou, se mobilizou, tentou resistir, mas os militares caminhavam inexoravelmente para a ditadura total. O ato institucional, ainda sem numeração, sinalizava que militares e sociedade civil poderiam restabelecer a normalidade em curto prazo. Mas a vitória dos governadores de oposição (e ligados politicamente a Juscelino Kubitscheck), no Rio de Janeiro e em Minas Gerias mostra que a convivência era impossível.

O AI-2 acaba com os antigos partidos políticos e cria, artificialmente, um bipartidarismo com apenas um partido de sustentação do governo e outro de “oposição”. Mas a sociedade não pára. Os estudantes saem quase diariamente às ruas. A televisão se consagra como um meio de massa e se torna a grande difusora da nova Música Popular Brasileira que encontra nos festivais a grande oportunidade de se massificarem diante do público.

A editora Abril, que inaugura sua linha de revistas adultas com Quatro Rodas em 1960 e outras publicações, a seguir lançaria Realidade em 1966. Publicação mensal, colorida, em papel couchê e com grandes reportagens, a revista será um sucesso espetacular nos dois primeiros anos, como um verdadeiro difusor das novas idéias que revolucionam a cultura, a política, o comportamento e os costumes no final da década de 1960. O coletivo de jornalistas que produziu e comandou Realidade, nos anos de 1966 a 1968, seria protagonista de várias novas experiências jornalísticas no decorrer dos anos 1960 e 1970 (Faro: 1999).

O Brasil, apesar de tudo, ainda não contava com uma revista semanal de informação no padrão que outros países já possuíam. Em setembro de 1968, a editora Abril lança Veja, para, usando um lugar comum, “preencher esta lacuna”. Para surpresa dos Civita, três meses depois do lançamento de Veja, a edição do Ato Institucional no 5, no dia 13 de dezembro de 1968, põe fim a qualquer ilusão, estabelece que o poder militar é absoluto e o país vai viver o seu período mais terrível de trevas, horror, censura e repressão.

O Correio da Manhã fecharia definitivamente suas portas em 1974, mas sua decadência já ocorre no período. É certo que nos primeiros dias após o golpe, vários textos do Correio da Manhã de jornalistas consagrados fariam grande sucesso e entrariam na história do jornalismo. Mas isso no breve período imediato ao golpe, quando o jornal retoma seu velho e tradicional comportamento de oposição.

O Correio da Manhã é representativo da mudança nos jornais no período. O número de jornais diários que circulavam antes de 1964 vai cair quase para a metade poucos anos depois do golpe. O País vive um novo momento. É este novo momento que não mais permitirá que o antigo sistema populista prospere, assim como os velhos jornais que dele dependiam.

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O definidor ano de 1968 até hoje é festejado e reverenciado como um marco significativo das revoltas e movimentos de massa no Brasil e em todo o mundo. De fato, no Brasil, os estudantes agitam as ruas com suas passeatas quase diárias e outras iniciativas, algumas pacíficas, outras em conflito aberto com a polícia ou com o sistema paramilitar do regime.

A divisão do esquema militar no poder entre o grupo da Sorbonne então liderados pelo presidente Castello Branco e os linha-duras irá acentuar-se, e resultará primeiro na escolha de Arthur da Costa e Silva para presidente da República e, mais tarde, na edição do AI-5, que estabelecerá, definitivamente, a ditadura, consagrando-se como o “golpe dentro do golpe”, demarcando a vitória total dos militares da linha-dura.

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O Capítulo 4 mostrará as tentativas precárias de resistência ao poder militar absoluto que decorre da ditadura ostensiva do regime militar do AI-5. O Jornal do Brasil, já na edição de 14 de dezembro, faz todo tipo de subterfúgios para informar ao seu leitorado que o jornal estava submetido à censura. Mas as prisões abarrotam-se de contestadores e democratas. O período entre 1969 e 1974 é, inegavelmente, o período de maior terror e trevas.

Mas brasileiros resistem de todas as formas. Vários agrupamentos de esquerda se lançam à luta armada. A rigor, algumas ações armadas já tinham sido realizadas antes do AI-5, mas os militantes não se apresentavam como contestadores políticos. Até a polícia os considerava assaltantes de banco comuns.

Das ações armadas, as de maior impacto, inegavelmente, foram os seqüestros de diplomatas. O primeiro, do embaixador americano Charles Burke Elbrick é feito logo nos primeiros dias em que a junta militar assume o poder com o derrame do presidente Costa e Silva. Pedro Aleixo, o vice-presidente, que já se pronunciara contra o AI-5 quando da reunião do Conselho de Segurança Nacional, é impedido de assumir.

Coincidentemente, o seqüestro passa a ser o acontecimento mais importante do Jornal Nacional, da Rede Globo, que iniciara suas atividades quatro dias antes, no dia 1 de setembro de 1969.

Ainda em 1969, o primeiro jornal alternativo significativo é lançado no Rio de Janeiro. O Pasquim, que reúne um grupo de humoristas e intelectuais dispostos a pelo menos resistir pelo humor, em poucas semanas passa a ser um sucesso de vendas, chegando a vender perto de 250 mil exemplares. O Pasquim será uma revolução na maneira de se escrever em jornal e durante os anos mais duros da ditadura, constituiu-se no jornal que quebrava um pouco o sistema de trevas instaurado pelo regime.

Veja, que fora lançada três meses antes do AI-5 encontra todo tipo de dificuldades para decolar como revista semanal de informação. Mas faria história, com duas edições consecutivas cuja capa tinha como tema principal “Torturas”. A revista aproveitara como gancho uma fala de um ministro do presidente Médici negando torturas no Brasil para fazer uma grande reportagem sobre o assunto. A reportagem fora liderada pelo editor de Nacional da revista, Raimundo Rodrigues Pereira, que pouco depois se desentenderá com os diretores da Abril e pedirá demissão.

Fernando Gasparian, empresário nacional, sonhava com um jornal de oposição sizudo, sério, mas respeitável. Conseguiu direitos de publicação do Le Monde e outros jornais de referência americanos e europeus e lançou Opinião, ainda em 1972. O semanário consagrou-se como a referência jornalística para aqueles que resistiam. E, embora tenha sido submetido a uma censura prévia cruel e terrível a partir dos primeiros números, o jornal era uma expressão do pensamento de oposição no Brasil.

Durante esses “anos de chumbo”, como vieram a ser chamados depois, Veja enfrentou várias dificuldades, que só iria superar mais ao final do período.

Em 1970, a seleção brasileira sagra-se tricampeã mundial de futebol. O regime estava no auge de sua euforia, posto que, a despeito da repressão violentíssima, a economia crescia a taxas superiores a 10% ao ano. A classe média mais despolitizada ignorava a ditadura e fruía as benesses do “milagre brasileiro”.

Se a televisão no Brasil chegou em 1950 e cresceu lentamente no decorrer dos anos 1960, na década de 1970 atinge sua fase de difusão máxima. A Copa do Mundo fora transmitida a cores para todo o mundo, mas o Brasil tivera uma recepção em branco e preto. A TV a cores só chegaria no Brasil em 1973, mas no período do “milagre”, a venda de aparelhos de TV cresceu de forma impressionante.

Os jornais, de um modo geral, não resistiram. A censura, que jamais se assumiu oficialmente, era cumprida rigidamente. Oficiais entregavam diariamente nas redações bilhetes com os assuntos proibidos do dia e tais assuntos não eram publicados.

O Jornal do Brasil, em alguns momentos, tentou resistir, com criatividade. A edição da deposição do presidente do Chile Salvador Allende pelas forças militares lideradas pelo general Pinochet fora proibida como manchete. O jornal fez uma edição sem manchete, tratando apenas do golpe militar no Chile numa edição apenas de texto em corpo maior. Quem não entendeu a censura, certamente teve algum “estranhamento”.

Foi o conservador O Estado de S. Paulo quem, de fato, resistiu à censura. Logo após a decretação do AI-5, lançou um editorial, intitulado “Instituições em Frangalhos”. Após 1972, passou a sofrer censura prévia na redação, pois não acatava os bilhetes do censor. Embora o regime sempre negasse que houvesse censura à imprensa, o Estado fazia questão de ostentar esta censura. Assim, passou a publicar trechos do poema Os Lusíadas, de Luiz de Camões, nos locais onde haveria matérias censuradas.

Do mesmo grupo, o Jornal da Tarde, também resiste com a mesma estratégia. No lugar de poemas, receitas culinárias.

Todas as trocas de ditadores de plantão são tensas. De um modo geral, invertem os grupos no poder. Se os duros sucederam o “liberal” Castello Branco com Costa e Silva, este não conseguiu concluir seu mandato e o vice civil, Pedro Aleixo, foi impedido de assumir, assomando o poder uma junta militar. A junta indicaria mais tarde e o Congresso Nacional aprovaria o nome do general Emílio Garrastazu Médici para o período seguinte. Esta sucessão foi complicada, pois no campo da linha-dura havia um candidato, general Albuquerque Lima, conhecido por seu nacionalismo exacerbado.

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Na sucessão de Médici, o escolhido foi o general Ernesto Geisel, presidente da Petrobrás, irmão do ministro do Exército, Orlando Geisel. Geisel é um dos lideres do grupo da Sorbonne e montou um governo com o general Golbery do Couto e Silva na Casa Civil e ministros estranhos à “Revolução” (como o grupo golpista se auto-intitulava) no Ministério da Indústria e Comércio e no das Relações Exteriores.

Golbery e Geisel formariam uma dupla com papel decisivo no que eles mesmos chamaram de “distensão” e adjetivavam como “lenta, segura e gradual”. Logo no início do governo, Geisel anuncia que pretendia encerrar a censura à imprensa. De fato, o jornal O Estado de S. Paulo e seu irmão de casa Jornal da Tarde, livram-se dos censores quando do centenário do primeiro, mas os demais jornais submetidos à censura prévia iriam se livrar um a um, como as embalagens dos dropes Dulcora. Esse processo é tratado no capítulo 5.

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A oposição armada já fora quase toda desmantelada em 1974, nos primórdios da “distensão”. Mas ainda ocorreriam “desaparecimentos”, em tudo semelhantes àqueles do período Médici.

A grande surpresa foi a estupenda vitória do MDB nas eleições do final do ano, elegendo 16 dos 22 senadores que disputavam as eleições nos estados. No ano anterior, o presidente do partido Ulysses Guimarães, ao lado do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, fizeram o que chamaram de campanha pela anti-candidatura presidencial.

Para surpresa de quase todos, a estratégia deu certo. Figurões da política foram aposentados e novos nomes, como Orestes Quércia, Itamar Franco, Paulo Brossard emergiam como novas lideranças políticas no país.

Em 1975, o grupo de Raimundo Pereira rompe com Fernando Gasparian. Opinião continuaria sendo editado com nova equipe e os jornalistas que acompanharam Raimundo Pereira fundaram Movimento. É certo que houve outros jornais alternativos que os antecederam, como O Sol, Politika, Fato Novo e Pif Paf, entre outros. Mas o surgimento de Movimento, depois do Pasquim e de Opinião, produziria uma euforia de novos jornais alternativos, sejam locais, nos estados, sejam temáticos, como das feministas, dos homossexuais e de outros grupos.

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Em 1975, os grupos mais duros continuam dominando o sistema repressivo, chamado de “porões do regime”. No ano anterior e neste, praticamente toda a cúpula do Partido Comunista Brasileiro, o único que não aderira à resistência armada, é desbaratada e todos os dirigentes “desaparecem”. Apenas uma única exceção.

O ex-deputado federal Marco Antônio Tavares Coelho sobrevive graças ao final da censura em O Estado de S. Paulo. Membro da Executiva do Comitê Central do PCB, Marco Antônio sofre torturas terríveis e cruéis nos Doi-Codi do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas sua mulher denuncia sua prisão nos jornais e a notícia tem repercussão no Congresso Nacional. O regime usa o Jornal Nacional, da TV Globo, para mostrar que Marco Antônio estava vivo e não fora mal-tratado no cárcere.

No decorrer do ano de 1975, mais de quinhentas pessoas são presas e encarceradas pela ditadura. A exemplo do que já ocorrera em 1973, com o estudante Alexandre Vanucchi Leme, assassinado nas torturas, boa parte destes presos tinha vida legal, não eram clandestinos. Dentre estes presos, havia vários jornalistas. No dia 24 de outubro, uma sexta-feira, o Doi-Codi procura o diretor de Jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, para prestar declarações.

Um acordo permite que Vlado (como era chamado pelos amigos e colegas) se apresentasse no II Exército, acompanhado do plantonista militar da emissora, que o acompanha desde a noite. À tarde, Vladimir Herzog está morto.

A morte de Vladimir Herzog mobiliza os jornalistas e como que “acorda” a sociedade. Os movimentos contra a tortura são cada vez mais intensos. O próprio regime admite que a versão oficial de suicídio é uma farsa ao afastar o comandante do II Exercito, general Ednardo D?Ávila Melo em janeiro de 1976, depois de um novo “suicídio” do operário Manuel Fiel Filho.

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Desde a posse do general Ernesto Geisel e do anúncio da “distensão”, Octávio Frias de Oliveira decide fazer da Folha de S. Paulo um jornal que pudesse de fato concorrer com o Estado, seja em qualidade jornalística, seja em combatividade ou em pluralidade política.

Sob o comando de Cláudio Abramo, o jornal chama Alberto Dines, que fora demitido do Jornal do Brasil em 1973, e inicia uma reforma que fará do jornal uma das experiências mais ricas e interessantes de jornalismo na história brasileira.

A partir de 1975, a Folha de S. Paulo torna-se um jornal de referência, com a página de editoriais e pequenos comentários e, lançada pouco depois, a página op-ed (oposta aos editoriais), de artigos de opinião.

A experiência corre bem até 1977. Neste ano, o conflito entre os grupos mais duros e aqueles ligados ao esquema Geisel-Golbery torna-se bem mais pesado com a antecipação do debate sucessório. O ministro do Exército, Sylvio Frota, faz campanha aberta como candidato à sucessão de Ernesto Geisel e se movimenta com uma desenvoltura que incomoda o grupo rival.

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Em setembro, um episódio banal faz com que Frota peça a Octávio Frias de Oliveira a cabeça de Cláudio Abramo. O comandante da reforma do jornal é afastado e promovido. Um mês depois, Geisel se movimenta com agilidade e demite o general Sylvio Frota. O grupo dos duros é derrotado, mas Abramo não volta ao jornal, que fica sob o comando de Boris Casoy.

Em 1975, um episódio semelhante produz a queda de Mino Carta de Veja. Carta se aproximara bastante de Golbery, mas os Civita optaram pelo ministro da Justiça, Armando Falcão, ligado ao grupo dos “duros”. Falcão oferece o fim da censura em troca da cabeça de Mino Carta. Como o grupo Abril sofria com a censura e ainda necessitava de um empréstimo do então BNDE, cria-se o conflito para a saída de Mino Carta.

Em 1977, Mino Carta lançaria IstoÉ, inicialmente mensal, pouco depois, uma nova revista semanal de informação, mais vinculada aos interesses dos grupos “distensionistas” e com uma linha bem mais liberal e ousada para a época do que Veja. A revista é, desde os primeiros números, um sucesso, embora com circulação bem menor que a concorrente que já deslanchara.

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Primeiro, os estudantes em 1977; logo depois, os trabalhadores em 1978. Os movimentos sociais retomam as ruas e as praças, pedindo liberdades democráticas, anistia e fazendo greves por aumentos salariais.

O general Ernesto Geisel consegue fazer de João Figueiredo seu sucessor. Geisel termina com o AI-5 no final de seu governo e Figueiredo começa seu governo com uma anistia expressiva, que livra dos cárceres ou do exílio a maioria dos opositores do regime.

O clima é de entusiasmo. Embora Geisel tivesse produzido o chamado “pacote de abril”, em 1977, para conseguir dar seqüência ao seu plano de distensão que, conforme o general Golbery previa “sístoles e diástoles”, em 1979, com a anistia e a perspectiva de eleições dos governadores em 1982 cria um novo clima político.

Este novo clima anima os jornalistas a também fazerem a sua greve.

Este novo clima entusiasma Mino Carta a realizar o sonho de produzir um jornal diário de corte europeu, inspirado nas recentes e bem sucedidas experiências do El País na Espanha do La Repubblica na Itália. Mino atrai Cláudio Abramo e vários outros jornalistas que se tornaram disponíveis pois foram demitidos com a greve de 1979 e lança o Jornal da República. A publicação dura quatro meses e Mino Carta é obrigado a fechá-lo e a vender sua IstoÉ para pagar as dívidas. O apoio do general Golbery não resultou num único anúncio comercial.

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Com a greve dos jornalistas e o fim do Jornal da República, encerra-se o ciclo de renovação do jornalismo brasileiro. Em 1981, grupos paramilitares de direita ligados ao Doi-Codi explodem uma bomba no colo de um oficial, num Puma, no estacionamento do RioCentro, onde se realizava um espetáculo em comemoração ao 1? de maio.

O jornalismo brasileiro ainda vivia a tenacidade e o vigor dos anos recentes. O Globo e os demais jornais dão uma cobertura de excelente qualidade no dia seguinte à explosão. Em menos de duas horas, a equipe de O Globo apura que o morto e o ferido eram militares, eram ligados ao Doi-Codi; um era sargento o outro capitão e havia ainda uma outra bomba no Puma. Com esta apuração e com todos estes fatos publicados no dia seguinte, o regime não tinha mais como produzir outra versão.

Mas foi isso que o regime fez.

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Os seis longos anos do governo de João Baptista Figueiredo foram marcados pela característica de um regime em seus estertores, mas de um esquema de grupos vinculados ao poder lutando de forma renhida para não encerrar o ciclo militar.

Se Ernesto Geisel encerrou seu mandato extinguindo o AI-5, João Baptista Figueiredo, embora não desejasse, concedeu a anistia, mesmo que restrita, no início de seu governo. Leonel Brizola, Luiz Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Fernando Gabeira, Francisco Julião, os líderes do período anterior ao golpe de 1964 e os militantes que marcaram a resistência armada retornam ao país, que já vive um outro clima.

Destaque-se que Gregório Bezerra, com mais de 80 anos, decide que a primeira atividade a se realizar no Brasil será uma visita à redação do Pasquim. Afinal, o jornal fora a alternativa que ele encontrara, no período de exílio, de se manter vinculado ao Brasil.