Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Enganação apelativa

CUBA NA MÍDIA

Gustavo Barreto (*)

Estou cansado de ouvir sobre jornalistas que sofrem agressão em Cuba. E deixo claro, de antemão, que sou absolutamente contra isso, e que de certo condeno tal atitude do governo cubano. Como no caso do jornalista Carlos Brizuela Yera, recentemente denunciado pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Mas o que é preciso entender é que os denunciantes ? as grandes empresas de mídia, que fazem a notícia se tornar conhecida em todo o planeta ? querem não necessariamente a defesa dos direitos humanos. A própria Repórteres Sem Fronteiras deve saber muito bem disso.

Em Cuba, um espancamento como o de Brizuela toma proporções mundiais e é colocado em letras garrafais. “Olhem o que Fidel faz”, dirão. Mas, e nos países da África, onde isso acontece muito mais freqüência? E em alguns países do Oriente Médio, onde a prática é diária e jornais são fechados o tempo todo? E nos Estados Unidos, onde fatos obscuros têm acontecido devido ao já desvelado método Bush? Depende de que lado o governo local está? Será interessante falar sobre a liberdade de imprensa no Kuwait, ou no Togo?

Para que fique claro o porquê da minha indignação com a exacerbação de determinadas notícias, transcrevo trecho do livro Propaganda e consciência popular, de entrevistas com o escritor Noam Chosmky, de 1998):


“(…) Naquele livro que eu e Ed [Edward Herman] escrevemos [Manufacturing Consent], um dos capítulos que ele fez compara cem mártires religiosos da América Central com um padre polonês morto na Europa Oriental. Os assassinos na Polônia foram imediatamente presos, enviados para a prisão por muito tempo, diferentemente dos cem mártires religiosos na América Central, inclusive o arcebispo Oscar Romero e quatro religiosas dos Estados Unidos. Ed fez um levantamento da mídia que mostrou que a cobertura do padre polonês foi maior do que aquela recebida pelos cem mártires religiosos, e com um caráter bem diferente. Naquele caso, a imprensa exigiu que o crime fosse esclarecido até os mais altos escalões. “O Kremlin não pode fugir da culpa”, e por aí vai. No caso do arcebispo e das religiosas norte-americanas, bem como vários outros mártires religiosos, foi tudo um acidente local. Eles não conseguem descobrir o que aconteceu. Houve uma cobertura muito pequena e foi relegada às últimas páginas, sem detalhes gráficos. Até hoje, não houve qualquer inquérito sério aqui sobre a morte do Arcebispo Romero”.


E isso acontece diariamente, debaixo dos olhos atentos de quem não vê só CNN ou lê apenas Reuters e outras agências de notícias. Não é preciso ir muito longe para ver que os direitos humanos não estão por trás dos apaixonados ataques ao governo de Fidel. Ninguém está defendendo governos autoritários ? apenas querendo entender os reais motivos de uma mídia de olho no lucro.

(*) Editor do jornal Consciência.Net