‘Como se diz no jargão esportivo, a bola já está rolando nos gramados alemães e, na terça-feira, o País vai parar para ver Seleção brasileira entrar em campo. Não existe nenhum outro evento, nem mesmo o 7 de Setembro, Dia da Independência, que consiga inspirar tanto patriotismo aos brasileiros; é quando esquecemos o nosso ‘complexo de vira-latas’ (Nelson Rodrigues) e podemos vangloriar o Brasil de ser o maior do mundo em algo positivo. Aos meios de comunicação é difícil ir contra a corrente, de forma a deixar o jornalismo a salvo do contágio. Os leitores parecem oferecer um salvo-conduto aos profissionais para que sejam torcedores antes de jornalistas – e muitos destes não se fazem de rogados, assumindo o papel de chefes de torcida. A mesma coisa seria impensável se se tratasse, por exemplo, de uma eleição.
O fato é que a cobertura sobre a seleção brasileira acaba por se tornar quase sufocante: qualquer questiúncula é superdimensionada: manchas e bolhas nos pés dos craques, a escapadela inocente dos jogadores a uma boate, o aniversário de um boleiro acabam por se transformar quase em questões de Estado. (A propósito: será que o presidente da Bolívia, Evo Morales, e seu homólogo da Venezuela, Hugo Chávez, são menos ‘ameaçadores’ no período da Copa?; sim, pois os jornais esqueceram-se deles.)
Verifiquei todas as edições do caderno Gol na Copa desde 20 de maio até a edição de quinta-feira (8/6). Das 33 manchetes ligadas diretamente aos times disputantes, 29 referiam-se ao Brasil e quatro (12%) a outras equipes. Os times que vão enfrentar o Brasil na primeira fase só foram citados em matérias secundárias, de não mais de oito centímetros: duas vezes a Croácia; Japão e Austrália, uma vez cada: situação de quase invisibilidade para os adversários da seleção brasileira.
O editor de Esportes, Paulo Rogério, discorda da avaliação. Lembra ele que nos seis cadernos especiais, publicados a partir de março, foram analisadas a história das copas e as estatísticas dos times. Com relação às edições diárias do Gol na Copa, o editor diz que a prioridade foi ‘a seleção brasileira e o interesse dos cearenses pelo mundial’, com destaque para as ‘matérias locais’, de modo a oferecer uma ‘cobertura diferenciada’ ao leitor. Ele cita como exemplo as matérias Febre de colecionador e Arquivo das Copas (14/5); sobre a banda da cidade de Pindoretama, que tocará durante o torneio na Alemanha (18/5); a notícia a respeito do ‘único cearense a atuar em uma Copa’, Ailton Vieira, hoje com 77 anos, árbitro do jogo entre Itália e Israel (1970), entre várias outras.
Paulo Rogério acrescenta que, com a chegada de todas as seleções à Alemanha e o início da disputa, o número de páginas dedicadas ao assunto aumentou e serão divulgados mais detalhes de outras equipes, o que já começou a ser feito na sexta-feira. Mas, reforça ele, ‘o noticiário local e a seleção brasileira são os assuntos que mais interessam aos leitores, e terão sempre prioridade.’
Para o comentarista esportivo Assis Furtado, que já atuou como jogador, árbitro e técnico de futebol, a cobertura do O Povo está em ‘igualdade de condições’ com os demais jornais do Brasil. Mas, para ele, existe uma ‘mesmice’ generalizada nas abordagens jornalísticas, com exceção para algumas matérias locais, no caso deste jornal. Apresentador e produtor do programa radiofônico Tabelinha de Fogo, há 23 anos, Assis Furtado diz sentir falta de mais informações técnicas: entrevistas com treinadores, perguntando-lhes sobre o sistema de jogo de suas seleções, e também com os árbitros, para tornar públicas as instruções por eles recebidas da Fifa sobre os principais pontos a serem observados durante as partidas.
Produtor e apresentador do programa Com a Bola Toda, na TV Ceará, Arthur Ferraz reconhece que, em ocasiões como essa, ‘o papel fiscalizador da imprensa fica em segundo plano’, bastando observar ‘a forma como a Rede Globo conduz a cobertura’. Mas, para Arthur, isso não estaria ocorrendo como O Povo: ‘Há predomínio do noticiário da seleção, sem nenhuma dúvida, mas o considero equilibrado em relação à expectativa e à demanda da torcida.’ Arthur ainda lembra que, em termos de ‘angulação’ das matérias, o jornal tem de se pautar pelas agências de notícias, pois não tem jornalista especializado na Alemanha. Para ele, um importante diferencial do jornal tem sido a produção de notícias locais: ‘São matérias sobre personagens e temas que aproximam o torcedor cearense da Copa, fugindo ao arroz com feijão padronizado das agências.’
Direto da Alemanha
Durante a semana, recebi vários questionamentos de leitores perguntando qual a razão de O Povo ter destacado para a Alemanha dois jornalistas que não fazem parte da editoria de Esportes: Fábio Campos, titular da coluna Política e Jocélio Leal, da Vertical S/A (de temas ligados à economia). Falei com o diretor de Redação Marcos Tardin e ele disse não ver ‘nada demais’ em mandar à Alemanha jornalistas sem ligação direta com a editoria de Esportes, ‘uma prática comum em todos os veículos de comunicação’. Para ele, isso enriquece e torna diferenciada a cobertura, permitindo uma visão ‘mais abrangente’ do evento. Segundo ele, as agências de notícias já atendem a demanda por notícias especializada sobre as equipes. Arlen Medina, diretor-geral de Jornalismo, lembra que medidas desse tipo são rotineiras no O Povo e não somente para coberturas esportivas.
Quanto aos argumentos dos diretores do jornal, em tese, não há reparo a fazer. No entanto, se O Povo podia mandar apenas dois jornalistas para a Alemanha, um deles deveria ser da editoria de Esportes. Apesar do suprimento de notícias esportivas pelas agências, não há dúvida de que o olhar de um repórter especializado poderia fazer boa diferença. Quanto à cobertura ‘diferenciada’ sobre assuntos, para além do mundo futebolístico, apesar da reconhecida competência dos dois jornalistas citados, ainda está para se comprovar se eles a farão.
A bolha
Falou-se muito nas bolhas nos pés de Ronaldo, que teria sido provocado pelas chuteiras. Algum repórter interessou-se em verificar se a poderosa Nike entregou mesmo um calçado defeituoso ao jogador?’