TELEDRAMATURGIA
Nelson Valente (*)
Vamos considerar a década de 90 como assimiladora das mudanças do comportamento feminino na sociedade. Cada vez mais surgem exemplos de novelas de tevê nos quais presencia-se a participação do homem em funções antes consideradas femininas, associando o trabalho doméstico a sua perda de masculinidade. Hoje, por diferentes motivos, muitas vezes por desemprego, alguns homens tiveram que assumir funções domésticas, ainda que relutantes. Suas esposas, por necessidades financeiras, mantiveram-se em funções remuneradas, em profissões as mais variadas.
Muitos acusam o feminismo dos anos 60 de ter desestabilizado o universo masculino, entrando nos domínios até então reservados a eles.
Com a força e o poder da gestação, a mulher reinava sobre o lar, a educação dos filhos e encarnava a lei moral que definia os bons costumes.
Para o homem restava o resto do mundo, tendo a seu cargo a produção, a criação e a política, a esfera pública como seu espaço natural. Essa dicotomia dos mundos ? homem x mulher ? era garantia de harmonia entre ambos.
Com o advento da TV e mais tarde do computador, a informação adquire um caráter massivo, fazendo surgir a indústria da informação que produz a comunicação de massa.
A novela da TV Globo Mulheres Apaixonadas, exibida em horário nobre da televisão brasileira, demonstra uma inversão fantasmagórica e tem o poder de produzir o extraordinário apelo na forma e no conteúdo da sexualidade humana, com a finalidade de chamar a atenção da banalização da família brasileira em todos os seus aspectos.
O horário, a organização, as imagens de aberturas, a música implicam rituais na abertura desta novela. E o ritual evoca o mito, o rito e a comunicação, sobretudo as referências culturais, produzidas pelas linguagens eróticas, para não dizer pornográficas, provocando o imaginário popular desejado: a nudez e o repertório cênico do sexo de prazer efêmero e sem compromisso: um mundo de mercadoria, reduzidos aos desejos e necessidades: poder, sexo e sedução.
Querem institucionalizar a "banalização do sexo, da família, da ética, da lógica, da estética e dos bons costumes" na televisão brasileira os chamados "autores de novela globais", onde tudo está em tudo e tudo transita por tudo, é uma verdadeira orgia na busca de emoções, dentro e fora do casamento e os valores se reduzem a imagens que excitam. Nesse processo, o próprio indivíduo acaba por reduzir-se à imagem que tem de si mesmo ? formando uma via de consumo visual: um voyer global.
Experiências sexuais
A novela exerce uma espécie de fascínio (fetiche= feitiço) no imaginário popular dentro de seu universo de representações e na formação de opinião de uma parcela muito significativa da população.
Mulheres Apaixonadas, título dado à novela em questão neste artigo apresenta somente um aspecto dos diversos aspectos que permeiam uma relação, seja ela, amorosa, amigável, familiar. Por conta do aspecto enfocado, a novela poderia se chamar Mulheres Depravadas, os diálogos são capciosos, carregados de intenções, de intriga, insinuações maldosas, desencantando o cotidiano dos relacionamentos como se o ser humano precisasse ter no seu dia-a-dia fortes emoções e, de certo modo, emoções pautadas no sexo. Não podemos ignorar que existam relacionamentos que apresentam esta dinâmica, porém, é perigoso acreditar que ser Mulheres Apaixonadas é buscar tudo o que é apresentado na novela: sonho erótico com o cunhado, homossexualismo, ser amante do colega de trabalho, se insinuar à um padre, a professora mostra-se sensual aos alunos, etc.
Não condenamos a apresentação desse aspecto nos relacionamentos e sim o fato de não enfocar os outros aspectos, quais sejam, relacionamentos estáveis, onde as pessoas são felizes sem a necessidade de buscar essas emoções, onde a ética esteja presente, onde o diálogo resolve as diferenças e os problemas, onde não queiram resolver um problema com outro problema. É uma novela que abala a instituição do casamento, desestrutura a família, denotando o fracasso e a fragilidade nos relacionamentos.
Com base na ideologia do autor da novela Mulheres Apaixonadas, ele se coloca na posição do público alvo de seu produto e realiza sua obra, construída, refletida e refratada a partir do recorte de uma realidade.Como em um prisma onde o reflexo entra por um vértice e se projeta para cima num outro patamar, de forma mais valorizada.
Segundo alguns autores, isso ocorre porque ninguém quer ver na novela a vida exatamente como ela é: existe aí uma expectativa de sonho, de fantasia associada à linguagem/imagem erótica.
A emancipação da mulher na sociedade é uma conquista que levou anos e anos para se tornar uma realidade presente. A mulher compete profissionalmente em igualdade com o homem, mas não pensa como ele. A mulher consegue ser firme, tem poder de decisão, mas continua sensível, romântica, procurando relacionamentos estáveis. Na novela o autor confunde a emancipação feminina, mostrando que a mulher pode e deve agir como o homem no que diz respeito ao sexo. A regra não é ter relacionamento extra-conjugal, ter mais de um amante ou procurar experiências sexuais constantes. A mulher sempre condenou essas práticas masculinas e o autor faz o público acreditar que a emancipação feminina permite à ela banalizar-se sexualmente. Afinal de contas, o novo é a coisa velha reinventada.
(*) Jornalista