Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os senhores da guerra e da mídia

NUVENS CINZENTAS

Luciano Martins Costa (*)

O esclarecedor artigo de Luiz Carlos Maciel, publicado no caderno Fim de Semana, da Gazeta Mercantil ("O pensamento da direita"), de leitura obrigatória para quem se interessa pelos antecedentes e desdobramentos históricos da guerra ao Iraque, faz mais pelos leitores exigentes do que os muitos centímetros de colunas sobre avanços, escaramuças e detalhes técnicos dos armamentos utilizados no conflito ? que todos os dias enchem as páginas dos nossos jornais. O texto, que apresenta uma radiografia do estofo ideológico de que é constituído o governo de George W. Bush, deve ser colocado como pano de fundo para o noticiário referente aos recentes ataques à liberdade da informação e outros direitos democráticos, que se sucedem nos Estados Unidos desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Dessa análise brota um panorama de parcas luzes para o nosso tempo.

A crueza do projeto político da extrema direita americana, exposto sem disfarces tanto na ação militar como na diplomacia, afeta diretamente o futuro da sociedade em todos os seus aspectos. Não sem motivo, dirigentes de empresas de origem alemã e francesa começam a analisar um possível cenário de boicote e outras dificuldades de atuação, numa economia excessivamente dependente dos humores de Washington. Pelo menos um dirigente de empresa francesa estabelecida no Brasil manifestava, semana passada, sua preocupação com o possível recrudescimento de disputas comerciais, em um ambiente no qual os organismos de arbitramento estejam tão desautorizados como o foi a ONU durante as manobras que conduziram à invasão do Iraque. Um consultor com larga experiência em conflitos comerciais começa a recomendar a alguns de seus clientes a busca de estratégias de longo prazo que possam incluir associações de interesse com empresas americanas, como medida preventiva para possíveis perdas em função de um provável realinhamento dos Estados Unidos em relação à Europa.

Via dolorosa

No meio do tiroteio, a imprensa nacional segue noticiando a guerra como um fato isolado do momento histórico, salvo alguns vislumbres de análise contextual, que geralmente se esvaem na problemática do petróleo. Há muito mais em jogo ? desde a definição sobre a tecnologia de TV digital a ser adotada na América do Sul até o ritmo de desenvolvimento das técnicas de transmissão de dados por telefonia celular, as exportações de frango e o futuro imediato de investimentos em energia. Mas, se a percepção de uma guerra muito mais cruenta pela frente não passa pelas páginas impressas, nos bastidores das empresas de comunicação já circulam como boa notícia os sinais de uma retomada do interesse de investidores estrangeiros na mídia latino-americana, da qual a fatia brasileira representa o filé.

A decisão de dispensar os trabalhos de um consultor especializado em ressuscitar empresas, tomada discretamente por um dos grandes grupos nacionais de comunicação nos últimos dias [N. da R.: o consultor Cláudio Galeazzi foi dispensado em 2/4 dos serviços que prestava ao grupo O Estado de S.Paulo; veja, a esse respeito, matéria reproduzida na rubrica Entre Aspas desta edição do OI], teve entre outras inspirações o manifesto interesse de um grupo francês, que pretende adquirir participação numa empresa que possua pelo menos um jornal e uma emissora de rádio FM bem posicionados nas classes de renda A e B de São Paulo. A dispensa do consultor ? com a conseqüente interrupção dos planos de adequação da empresa ? foi festejada por um grupo de jornalistas da casa no fim de semana, antes mesmo da oficialização da decisão.

Aliviados com o eventual adiamento dos cortes anunciados, eles se negavam a discutir possíveis desdobramentos negativos da decisão. Também não enxergavam qualquer vínculo entre a medida administrativa e o noticiário que editam todos os dias. Terminada a guerra ao Iraque, se e quando forem explicitadas a condições para a pax americana, talvez muitos de nós sejamos obrigados a aprender história pela via mais dolorosa.

(*) Jornalista