Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Críticas injustificadas

SHOW NA CNN

Douglas McMillan (*)

Minha resistência diminuiu. A guerra mal chegou a sua terceira semana e já estou com um certo enjôo. A coisa não é nova, mas agora chegou ao paroxismo: os críticos de mídia, quase todos, entraram no automático.

O que quero dizer é que a crítica de mídia, precisa ? e urgentemente ? de autocrítica. Até para continuar funcionando. Esse semancol sem dúvida existe. Dines mantém uma postura inatingível nesse ponto. Infelizmente, pululam por aí ? e até por aqui, neste Observatório ? robozinhos sacando as mesmas frases de outros conflitos para descrever a guerra atual e sua cobertura. O problema é que ambas mudaram radicalmente.

Não, o New York Times não está agitando bandeirinhas para Tio Bush. A CNN não está usando um tom "triunfalista" para descrever a guerra, e quase não tivemos telinhas verdes de videogame. É realmente necessário lembrar que o Times fez campanha contra o belicismo da Casa Branca e persiste crítico? Que as agências todo dia mandam reportagens sobre o desabastecimento das tropas americanas? Que a CNN entrevista ao vivo analistas árabes para debater se a população iraquiana vai encarar as tropas que chegam como libertadores ou invasores?

Os mesmos clichês abundam na hora de avaliar a mídia nacional.

O Globo diz que a guerra é "de Bush", a Folha afirma que é "do Império", o Jornal Nacional qualifica as tropas da coalizão de "invasoras" e, no fim das contas "aderimos" à cobertura americana de novo. É comum alguém dizer que esquecemos nossos problemas depois que a guerra começou, esquecendo eles de que o surto de críticas ao Fome Zero continua inabalado e que o Globo já pôs lado a lado fotos da Guerra de Bush e da Guerra do Rio na primeira página. Continuam a receber destaque livros que reafirmam o papel vergonhoso da nossa imprensa no pós-11 de setembro, garantindo que ela escondeu o que na verdade foi dito e dito de novo até deixar de ser pauta. Isso acaba perpetuando clichês que, muitas vezes, não têm base real.

Observem o próprio umbigo

Algo que sempre me assombra são as denúncias de omissão de boa parte dos críticos de mídia daqui. "Bush é um fantoche do petróleo e dos católicos ? e ninguém dá uma linha!", chiam eles, como se o assunto não tivesse sido esquadrinhado na mídia mainstream americana durante meses. Como se o Guardian [de Londres], o New York Times, a New Yorker e até as agências de notícias não tivessem dado todo o serviço sobre as amistosas ligações que Bagdá, Washington e Londres mantinham 20 anos atrás. E, pior de tudo, como se isso não chegasse aos jornais daqui.

A próxima estratégia é até previsível: depois de semanas lendo nos jornais sobre o desastre humanitário que já começou, sobre as mortes de inocentes e sobre a destruição política do Oriente Médio, os pentelhos midiáticos afirmarão com enfado que a mídia está banalizando o drama humano, fazendo de tudo um espetáculo, saturando o público, tadinho dele, de informação. Fora os mais filosóficos, que farão coro com Jean Baudrillard, cantando que a guerra é um "não-acontecimento".

Não basta clonar os melhores pensamentos de Noam Chomsky, adaptar mal os preceitos da Escola de Frankfurt ou aderir à lógica de Serge Halimi ou Guy Debord. Tem que mastigar antes de engolir.

Definitivamente, os observadores da imprensa devem começar a observar seu umbigo com mais atenção.

(*) Jornalista