ECOS DE MOMO
Renato Delmanto (*)
Carnaval sempre foi um prato cheio para os veículos de comunicação. O espetáculo das escolas de samba, as lindas mulheres seminuas, a beleza das alegorias, a alegria dos blocos de rua e dos trios elétricos ? o Carnaval sempre gerou farto material para televisões, rádios, jornais e revistas. E mais recentemente para a internet.
Durante o boom das pontocom, havia dezenas de opções de cobertura online do Carnaval, com notícias minuto-a-minuto. Havia também um verdadeiro exército de jornalistas e fotógrafos espalhados pelas principais cidades brasileiras passando informações sobre a folia para diversos sites. Podia-se até assistir na web aos desfiles, apesar de a qualidade da imagem ser ruim (naquela fase pré-banda larga) e de a TV estar transmitindo o mesmo evento.
Mas afinal, quem lê tanta notícia? Será que é essa exaustiva cobertura que os consumidores de mídia ? telespectadores, ouvintes, leitores, internautas ? querem? Tanto dinheiro e tantos recursos foram gastos sem que antes fosse perguntado ao público se ele queria tudo aquilo que lhe foi oferecido.
No caso da mídia online, o que se via era uma verdadeira corrida maluca em busca da última notícia, do último minuto. Isso acabou por comprovar que a criação e o lançamento de muitas empresas de internet foi norteado por uma dissociação da realidade econômica ? ou por um alto grau de insanidade. Pois o estouro da bolha fez com que o mercado de internet amadurecesse, fez com que apenas as empresas com um modelo de negócio consistente sobrevivessem e que houvesse uma tremenda otimização de recursos. Estes passaram a ser aplicados com parcimônia e apenas em projetos com possibilidade (ou garantia) de retorno. As empresas mudaram; e mudou principalmente a forma de avaliar os investimentos a serem feitos.
Na mídia tradicional, a postura também mudou. Sintomático que até a Rede Globo tenha feito neste Carnaval uma transmissão do Sambódromo menos espetaculosa. Algo na transmissão criou a percepção de que o Carnaval 2003 não teve o mesmo brilho que em anos anteriores. O número de câmeras pode até não ter sido menor e a tecnologia, a mesma que nos eventos anteriores. Talvez tenha feito falta aquela câmera presa num trilho, que percorria quase toda a extensão do Sambódromo, dando uma visão panorâmica das alas das escolas. O fato é que a transmissão pareceu mais pobre.
Lição de casa
Este ano, o Carnaval foi diferente na mídia. Mas, aparentemente, o foi não em atendimento a reivindicações ou desejos dos consumidores de mídia, e sim devido ao momento que as empresas atravessam ? convivendo com dívidas, desvalorização cambial e com a necessidade de melhor desempenho operacional. Qualquer empresa que se preze e que queira sobreviver, no setor de mídia ou em qualquer outro da economia, deve sempre buscar a eficiência operacional. Só que as empresas de comunicação devem, além disso, buscar uma identificação (uma cumplicidade, mesmo) com seus consumidores, pois eles são ? em última instância ? o seu maior patrimônio.
Pois em nenhum momento da história recente o telespectador foi consultado antes de se definir se seria exibida uma programação quase exclusiva de Carnaval durante os dias de folia (como fazia a TV Manchete), ou os desfiles das escolas sem direito a reprise (como faz a Globo), ou imagens dia e noite dos trios elétricos de Salvador (como fez a Band).
Na mídia online essa postura é ainda mais grave. Veículo interativo por natureza, como nenhum outro é capaz, o jornalismo na internet ainda busca uma personalidade própria. É hoje uma espécie de duto de informações fragmentadas, desprovidas de contextualização, que muitas vezes reproduz o conteúdo que se lerá nos jornais do dia seguinte. Está longe de ser uma evolução das outras mídias, que acrescente ao relato dos fatos a opinião de seu consumidor. Será que os internautas não estariam exigindo mais participação e mais qualidade em vez de tanta quantidade de informação?
Este comodismo (ou indefinição) da mídia online permitiu que os próprios internautas ocupassem o espaço que os veículos noticiosos deveriam estar abrindo para as suas opiniões. Criaram os blogs, onde podem expressar livremente as idéias e os pontos de vista, ou comentar a idéia de outro. O blogs não só ocupam aos poucos o vácuo deixado pelos "veículos" online como avaliam a cobertura que eles fazem dos fatos.
Os blogs são como fanzines virtuais criados por usuários suficientemente críticos e que se sentiam insatisfeitos com o que viam e liam. Enquanto eles pipocavam na rede, as empresas de internet se desdobravam numa disputa inócua por maior volume de informação, ou pela maior rapidez na sua divulgação, fosse no dia-a-dia da cobertura jornalística ou em eventos como o Carnaval.
Sem ser ouvidos pelas empresas, os consumidores de mídia estão criando os próprios meios de expor suas idéias, de dar sua interpretação dos fatos e de (por que não?) avaliar o trabalho da mídia. Agora falta à mídia fazer uma auto-avaliação à luz dessa opinião. As empresas parecem viver um tempo de quaresma, tempos que para os cristãos significam os 40 dias de penitência entre o Carnaval e a Páscoa.
Por enquanto, a mídia aparenta estar enfrentando bem a quaresma financeira, fazendo a lição de casa quanto a seu custo operacional. Mas ainda precisa sintonizar-se com seus telespectadores, ouvintes, leitores e internautas. Antes que desistam de buscar o conteúdo desejado e resolvam eles próprios produzir e distribuir esse conteúdo. Pois a quaresma do público é bem mais difícil de ser enfrentada ? e o abandono por parte dos consumidores é quase impossível de ser revertido.
(*) Jornalista, e-mail <delmantorenato@aol.com>