CRIME ORGANIZADO
Chico Bruno (*)
Em sua tarefa de renovação editorial do jornal A Tarde, o jornalista Ricardo Noblat tem afirmado que seu trabalho está baseado na máxima de descartar o que não é notícia. Está correto o jornalista, no caso particular de A Tarde, que durante muito tempo gastou toneladas de papel para divulgar o que não era notícia.
Mas vale a pena nos determos na avaliação do que é e do que não é notícia. Na semana passada, pôde-se constatar que, muitas vezes, a decisão até resulta equivocada, mas é inaceitável que um fato de monta passe despercebido pelos repórteres que cobrem determinado setor.
Por exemplo, o discurso proferido no plenário da Câmara dos Deputados, na quinta-feira (26/3), pela deputada federal Denise Frossard (PSDB-RJ) [remissão abaixo]. O pronunciamento da deputada aborda um tema que há muito tempo é prato de resistência diário da mídia brasileira: o crime organizado.
Infelizmente, a mídia não deu a mínima atenção aos exemplos e à denúncia que a deputada fez da tribuna. Com conhecimento de causa pois, como juíza, foi ela quem pela primeira vez no país colocou atrás das grades os 14 maiores contraventores brasileiros da época, os bicheiros cariocas, a deputada tucana afirmou em alto e bom som:
"(…) Há muito se sabe que prisioneiros das cadeias do Rio são assassinos de aluguel, com o álibi fornecido pelo próprio Estado. O Estado abona os assassinos porque não consegue controlar as cadeias. Revólveres e prisioneiros são uma classe de notívagos no Estado que represento (…)"
"(…) Os revólveres que acompanhavam os processos como prova dos homicídios recendiam a pólvora. Não tive dúvidas: eles saiam à noite para passeios macabros, levados por mãos criminosas (…)".
Em outro exemplo, mais adiante afirmou a deputada:
"(…) O Ministério Público requisitou da polícia as providências do inquérito (…) A resposta dada pelo então chefe de Polícia Civil fala por si: "Não posso atender porque há um acordo político entre o governo e a contravenção…"
O teor de todo o discurso da deputada pode gerar não uma pauta, mas numerosas pautas. Uma delas está explícita na seguinte afirmação:
"(…)A condição das cadeias do Estado ? feitas para abrigar negros, pobres, subnutridos, analfabetos ou desempregados ? foram consideradas impróprias para acolher condenados tão notórios, todos eles com trânsito facilitado por uma maquiagem social conquistada com o samba, o futebol e o carnaval. Era uma novidade na Justiça Brasileira. Faltavam cadeias adequadas a criminosos de tão fino trato (…)"
Mas a sugestão de pauta mais atraente embutida no discurso estava na denúncia feita por Denise Frossard ao afirmar:
"(…) O crime organizado, sabemos agora, iniciava a captura do Estado cooptando, com o tilintar das moedas, aliados importantes em todas as instituições: a primeira, foi o principal predador, a polícia; a seguir, as administrações públicas; a magistratura da qual fiz parte; e, também, o Legislativo do qual faço parte agora, na sua vertente federal (…)".
Pergunta ampliada
Este trecho do discurso é ou não notícia? Afinal, a fonte é uma juíza, a deputada federal mais votada do Rio de Janeiro. Estado em que o crime organizado atua com mais ousadia em todo o país, a ponto de um traficante preso, condenado a vários anos de cárcere, estar sendo acusado de incitar a desobediência civil de dentro de um presídio de segurança máxima, o que ensejou sua transferência para uma penitenciária em São Paulo por 30 dias, e nova mudança para Alagoas, até ser alojado finalmente em presídio que está sendo reformado e federalizado no Piauí.
A fonte tem idoneidade e faz denúncia grave. Ao se pronunciar com tal firmeza, o fez por convicção e por ter, no mínimo, indícios sobre a questão em causa. Isso é notícia e precisa ser explorado pela mídia. Diga-se de passagem que o jornalista Rogério Gentili, editor do Painel, da Folha de S.Paulo, publicou o principal trecho do discurso na coluna de sábado, dia 29 de março. O que é muito pouco para um assunto tão importante. Que os repórteres setoristas que cobrem a Câmara comam mosca ainda se compreende, pois a grande maioria é formada por gente recém-saída das escolas de Jornalismo, com algumas exceções. Mas os colunistas políticos não darem a mínima atenção às denúncias da deputada é inadmissível. Aliás, para isso, a explicação está no fim do discurso de Denise, quando pergunta aos demais deputados:
"(…) É incompreensível para mim ? e peço aqui que me expliquem, meus pares ? por que temos sintonia com as propostas do Executivo e não com interesses e necessidades urgentes da sociedade? Estarão, a mesa e o plenário desta Casa, tão somente diante da aflição ou, quem sabe, da ingenuidade de uma parlamentar iniciante? Por que não afinar nossa pauta com a voz das ruas? (…)"
Concordo, assino e estendo a pergunta à mídia brasileira também.
(*) Jornalista
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