Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Notícias incompletas

A imprensa parece ter perdido a capacidade – ou o gosto – de fazer matérias que esgotem um assunto. Ou, pelo menos, de dar continuidade aos temas tratados com grande ênfase no momento em que acontecem e que, depois, simplesmente desaparecem da pauta.

Difícil saber o que é mais grave, se o exagero na cobertura de determinados fatos ou a incapacidade de prestar um real serviço aos leitores, transformando assuntos de real interesse da população – mas que não despertam a comoção pública – em grandes matérias.

No primeiro caso – o do exagero ou sensacionalismo –, temos a prisão do médico Roger Abdelmassih, o seqüestro da adolescente no ABC paulista, o caso do menino Sean, o crime de Suzana Richthofen, a morte da menina Isabella, o assassinato de Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves e tantos outros. Estes assuntos inicialmente viraram manchete e mobilizaram jornais, revistas e televisão, que bombardearam os leitores e espectadores com notícias de manhã à noite para, em duas ou três semanas, simplesmente desaparecerem, como se nunca tivessem acontecido.

No segundo caso – o do quase desprezo absoluto – temos, por exemplo, a violência contra mulheres, os abusos sexuais contra crianças e a morte de um homossexual depois da Parada Gay em São Paulo.

O noticiário da última semana dá bons exemplos dos dois casos: o do sensacionalismo sem continuidade e o da incapacidade de explorar temas com bom potencial.

O sensacionalismo está presente na matéria de Veja sobre o jornalista Pimenta Neves, assassino confesso, julgado e condenado, mas que, nove anos depois do crime, continua em liberdade. Louvável o esforço de Veja (nº 2131, de 23/9/2009) ao mostrar que não tem espírito de classe ao falar de um colega de profissão que cometeu um crime.

Crimes, acontecimentos banais

O erro é deixar passar nove anos para discutir o assunto com seriedade. O segundo erro foi ficar só no caso Pimenta Neves, citando outros assassinos de mulheres apenas como foto-legenda. A revista perdeu uma boa chance de discutir a legislação e as punições previstas nos crimes contra mulheres. Ao usar Pimenta Neves como fio condutor da matéria, a revista não discutiu o fato realmente grave dessa história: os outros três criminosos citados, condenados a 12, 16 e 15 anos de prisão (Pimenta Neves foi condenado a 19 anos de prisão), só Doca Street ficou quatro anos na prisão, dois a mais do que o marido de Maria da Penha (que deu origem à lei), por tentativa de homicídio.

No outro extremo – o do pouco caso com matérias que poderiam dar um bom serviço aos leitores, temos notícias como a da Folha de S.Paulo (14/9/2009) sobre a violência doméstica. ‘As mulheres são as principais vítimas de violência doméstica no Brasil. Segundo levantamento da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo divulgado nesta segunda-feira (14/9), elas representam 75% dos agredidos. Em 67,8% dos casos, as mulheres são agredidas pelo próprio parceiro (marido, companheiro ou namorado). E em 70,8%, dentro de casa.’

Se já existe uma lei para punir esse comportamento, o jornal poderia ter ido além do simples press release, mostrando quantas mulheres recorrem à Lei Maria da Penha, quantas preferem não denunciar e quantas, apesar de denunciarem, acabam voltando a conviver com o agressor. Registrar os dados de uma pesquisa e ficar por aí é duplamente cômodo: ninguém pode dizer que o jornal não tratou do assunto e não é preciso gastar tempo, nem repórteres, para pesquisar, com seriedade, a situação dessas mulheres vitimadas. De uma coisa podemos ter certeza: se entre as espancadas aparecer uma atriz, uma celebridade ou mulher de uma celebridade, aí, sim, a mídia vai atrás, dá detalhes e pode até seguir o assunto por dois ou três dias. Mas, quando se trata de pessoas comuns, a conversa é outra. Registra-se o fato e ponto. Como se crimes cometidos por pessoas comuns fossem acontecimentos banais que não merecem mais do que um registro.

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Jornalista