Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Etienne Jacintho e Keila Jimenez

MERCHANDISING SOCIAL

“Indústria do Social”, copyright O Estado de S. Paulo, 6/04/03

“Elas são criticadas por estimular a violência, abusar do erotismo e dar mau exemplo aos jovens e crianças. Na contramão dessas, entre outras críticas, as novelas brasileiras adotaram um discurso politicamente correto, incluindo em suas tramas mensagens com preocupações sociais e educativas. São os chamados merchandisings sociais.

Mas o que era ocasional, só para inglês ver, se tornou uma poderosa indústria, que ganha cada vez mais força na televisão. As idéias e as manifestações esporádicas de alguns autores deram espaço a uma grande equipe na Globo centrada em levantar oportunidades para inserir mensagens sociais nas tramas. Até um consultor especializado em marketing social é ferramenta dessa ?linha de produção do bem?, Márcio Schiavo, diretor da empresa de marketing social Comunicarte. Schiavo, que é especialista em merchandising, presta consultoria ?de graça? para a Globo.

Como o merchandising social tem de ter o compromisso ideológico com o pensamento do autor, o trabalho do consultor não é nada fácil. Schiavo atua em parceria com a Central Globo de Comunicação, a CGCOM, analisando os capítulos, um a um, com certa antecedência e sugerindo temas.

?O merchandising social começou no México, anos atrás, mas o Brasil é um dos poucos países que usa suas telenovelas também como instrumento educador e com sucesso?, diz Schiavo. ?Desde 1984 venho me especializando nesse serviço, mas só em 88 é que demos os primeiros passos. Lembro-me que o problema do alcoolismo da personagem Heleninha Roitman (Renata Sorrah), em Vale Tudo (1988), foi um dos primeiros merchandisings sociais de destaque na TV?, continua. ?Agora temos toda uma metodologia para essas ações. No início, não tínhamos nenhum domínio técnico, hoje temos ONGs de todos os lados nos sugerindo temas, gente especializada em pesquisa social e autores sem medo de defender causas importantes.?

Bandeira – É justamente aí que as coisas se misturam. Segundo Schiavo, o merchandising social tem duas origens: essa do levantamento de oportunidades na trama, que é o trabalho dele, e a vontade do autor de defender temáticas sociais. ?Há autores que, quando criam suas tramas, já incluem uma campanha social de destaque misturada na ficção. Alguns nem precisam da minha consultoria?, diz ele. ?Às vezes, acabo dando alguma dica ou indicando fontes de pesquisa?, observa. ?Nas barrigas (períodos em que a trama está mais parada, sem muitas ações) é que costumam surgir espaço para as minhas sugestões.?

Manoel Carlos, Benedito Ruy Barbosa e Glória Perez entram nesse time que cria o próprio merchandising. O mais recente ?filhote? de Maneco é a campanha em prol do respeito à terceira idade, questão levantada em seu novo folhetim, Mulheres Apaixonadas. Sabe aquela raiva que você sente da Dóris (Regiane Alves), neta má que chega a exagerar ao maltratar os avós velhinhos, Flora (Carmem Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada)? Sim, é essa raiva que o autor acredita que vá sensibilizar as pessoas e abrir caminho para que ele possa mostrar como os idosos são relegados a um plano inferior no País. Na mesma novela, Raquel, papel de Helena Ranaldi, levantará o problema da agressão à mulher. O ex-marido da personagem aparecerá na história, fazendo-a relembrar momentos difíceis que passou ao lado do agressor.

?A ficção tem sido uma boa aliada no esclarecimento de questões importantes para a sociedade e a telenovela, como o mais abrangente dos gêneros ficcionais, precisa estar atenta a isso?, diz Manoel Carlos. ?O fato de a novela ser cultura de massa não lhe tira o valor, muito pelo contrário. O último capítulo de O Clone (2002) foi visto por cerca de 45 milhões de pessoas. Que ficcionista não sonha com isso, em qualquer lugar do mundo??

Autores e consultor concordam que a dimensão de pessoas atingidas pelo merchandising social nas novelas é o que realmente vale a pena. Detalhes pequenos como uma cena de Laços de Família (2000) em que Capitu (Giovana Antonelli) mostrava uma camisinha, ou campanhas importantes, como a de doação de medula, encabeçada pela personagem Camila (Carolina Dieckmann), que tinha leucemia na novela, têm efeitos grandiosos. Na época, a Secretaria de Saúde chegou a registrar um aumento de doação de medulas de 20 para 200 por mês. ?Questões familiares, taxa de natalidade, trabalho infantil, não faltam bandeiras a serem levantadas e discutidas nas tramas?, diz Schiavo. ?Pesquisas nos mostram que uma mulher brasileira assiste, em média, dos 15 aos 40 anos, 15 mil horas de novelas. Imagine o poder que uma mensagem subliminar numa trama tem??

Resultados – Mas nem sempre a mensagem é tão subliminar assim. De tanto aparecer na telinha, o merchandising social às vezes rouba a cena e se transforma no argumento principal de um folhetim, vencendo até os tradicionais triângulos amorosos. Os protagonistas Jade, Lucas e Said perderam espaço em O Clone para os personagens Mel (Débora Falabella) e Lobato (Osmar Prado). As desventuras dos dependentes químicos prenderam a atenção do telespectador que respondeu bem. A audiência do folhetim aumentou depois que a autora Glória Perez teve a idéia de colocar depoimentos reais de dependentes químicos em cena. ?Vi que seria mais bacana e menos moralista ter depoimentos de pessoas que estavam passando pelo problema?, conta a autora. ?É muito mais eficiente do que botar a família, a polícia ou psicólogos falando sobre o assunto?, ela completa.

As campanhas sociais são recorrentes nas tramas de Glória Perez. ?Desde o começo de minha carreira vi a TV como um instrumento de mobilização nacional?, fala a autora, que fez a primeira campanha sobre a aids na TV – na novela Carmem, da Manchete, em 1986. Para emplacar seus merchandisings, a autora diz que é necessário estar antenada. ?Costumava andar pela cidade e via as mulheres da Cinelândia que procuravam por seus filhos desaparecidos?, diz. Daí a idéia de colocar a causa na novela Explode Coração (1996). ?Queria dar voz a quem não tem voz.?

Para Glória Perez, o merchandising social funciona muito bem. ?Durante o período em que Explode Coração esteve no ar, 100 crianças foram recuperadas?, comenta a autora, que também recebeu elogios do Instituto do Coração por sua campanha a favor da doação de órgãos. O argumento fazia parte da trama de De Corpo e Alma (1992). ?Pela primeira vez sobrou coração?, fala Glória Perez sobre o fim da fila de transplante no Incor. Mas a autora afirma que não é função dos folhetins resolver problemas sociais. O ideal, para ela, seria que as instituições aproveitassem o momento em que se forma o interesse nacional e dessem continuidade ao trabalho após o término da novela.

?É só uma questão de informação?, acredita a autora. ?Na época de De Corpo e Alma, a doação de órgãos não era freqüente pois as pessoas não entendiam o que era a morte cerebral?, diz. A autora conta que uma enfermeira do Incor disse a ela que, no dia em que a cena da doação de coração foi ao ar, uma família vivia uma situação idêntica nos corredores do hospital. Um pai, que não queria doar os órgãos da filha, se sensibilizou e fez a doação.

Recordista – Malhação, por exemplo, fez do merchandising social a estrutura principal de boa parte de suas histórias, mesmo que bobinhas. A novelinha juvenil já teve personagem portador do vírus da aids, um homossexual, um drogado, um alcoólatra, um menino de rua, um portador de deficiência física, entre outros casos. Seu cenário, que era uma academia de ginástica, deu lugar a um colégio, o que facilita a discussão de temas mais sérios. ?Em 2002 , Malhação teve 1.138 ações de merchandising social em suas histórias: 244 sobre uso de drogas, 116 sobre sexualidade, 567 sobre causas sociais. É a campeã absoluta da Globo?, diz o diretor da CGCOM, Luís Erlanger. ?Ganhamos prêmios, fazemos nossa parte e ainda ensinamos como se faz isso no exterior. O merchandising social da TV está ultrapassando os limites da teledramaturgia e indo para outros programas, como Big Brother. Ao que tudo indica, essa indústria vai crescer ainda mais.?

No Big Brother Brasil, o merchandising surgiu já na primeira edição do programa, quando os participantes ajudaram a divulgar a campanha contra a dengue. Nesta última edição, o foco foi o combate à fome, com o projeto Ação da Cidadania, que arrecadou 30 toneladas de alimentos em todo o País. ?A idéia principal era chamar a atenção do público para esse tipo de ação, não estávamos procurando um resultado na arrecadação propriamente dita. Mas, de acordo com a equipe da Ação, foi um resultado impressionante?, diz o diretor do programa, Boninho. Para ele, as campanhas dão resultado e o BBB é um exemplo disso. ?Se as pessoas se mobilizam para eliminar um candidato do programa, é lógico que estão dispostas a interagir com boas idéias e ações.?”

 

SBT

“SBT fará segundo ‘Popstars’ com rapazes”, copyright Folha de S. Paulo, 7/04/03

“Apesar de não ter sido um sucesso de audiência, o ?reality show? ?Popstars?, exibido pelo SBT no ano passado, vai ganhar uma segunda edição. Vai ao ar no segundo semestre, aos sábados, às 20h. Desta vez, no entanto, o programa irá documentar o processo de montagem de uma banda pop de rapazes _e não de garotas.

O contrato entre o SBT e a produtora RGB, ligada ao grupo Disney e detentora do formato de ?Popstars?, foi assinado na semana passada. A dinâmica será idêntica à da primeira edição: primeira seleção em local aberto e sucessivas eliminações até restarem os cinco integrantes do grupo, que gravarão CD e farão shows.

No SBT, ?Popstars 2? irá substituir ?Conquistador do Fim do Mundo?, que estréia sábado.

Ao contrário de ?Fama?, programa semelhante da Globo, o primeiro ?Popstars? não foi um fenômeno de ibope, mas fonográfico. Segundo a gravadora Sony, o CD do grupo Rouge, formado em ?Popstars?, já vendeu 1,3 milhão de cópias. Já os artistas revelados por ?Fama? até agora não emplacaram. A Globo suspendeu ?Fama 3?, que chegou a anunciar para janeiro passado.

Executivos do SBT tentam convencer Silvio Santos a realizar mais um ?reality show? em 2003, com exibição aos domingos à noite. Poderia ser ?Casa dos Artistas 4? ou ?Protagonistas de Novela? ou um programa que mesclasse os dois formatos.”

 

PERFIL / FERNANDO FARO

“?Às vezes, ficar quieto faz muito mais barulho?”, copyright O Estado de S. Paulo, 6/04/03

“O que poderia ser falta de educação ou displicência virou marca.

Baixo, Baixa, Baixinho, Baixinha são as variações dos apelidos que Fernando Faro, idealizador e apresentador do programa Ensaio, da TV Cultura, distribui a quem o cerca. Na verdade, o apelido lhe foi dado por Cassiano Gabus Mendes (diretor-artístico da extinta TV Tupi), quando Faro chegou à Tupi com uma carta de recomendação da TV Paulista, onde trabalhava até então. ?Baixinho, já te conheço, não preciso disso?, disse-lhe Cassiano, em alusão à sua estatura, minutos antes de rasgar a carta e contratá-lo. A brincadeira virou mania, charme e necessidade. Os quase 50 anos de carreira fizeram com que Faro arquivasse tantos nomes em sua memória que, algumas vezes, ela falha. O que, invariavelmente, o deixa inconformado.

Outra tática de sedução usada por Baixo é o tato. Certa vez leu uma frase – de algum desses escritores que não se lembra o nome – que dizia que hoje em dia o conhecimento é tátil. Sempre levou isso ao pé da letra. Talvez esse carinho com que chama e trata a todos seja o segredo que fez com que ele tenha conseguido tantas declarações íntimas e interessantes de seus convidados. Como aconteceu com Elis Regina, Nara Leão, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e, recentemente, até com Mano Brown, do Racionais MCs, avesso à mídia, que escolheu ele – e somente ele – para dar uma entrevista. Faro também produziu mais de 30 discos.

É fácil simpatizar com ele. E difícil fazer com que responda o que lhe foi perguntado. Quais foram os melhores programas? ?Ai, Baixa, foram muitos?, diz em tom nostálgico. Mas quando especulo sua opinião sobre os melhores cantores, a resposta vem imediatamente. ?Elis Regina e Maria Bethânia. Uma vez o Milton (Nascimento) me disse que toda música que ele faz é para Elis, que sonha com ela toda noite…? (longa pausa).

Faro conhece tantas histórias interessantes que até o entrevistador se perde. E para que voltar ao tema proposto se chegamos a outro tão mais agradável?

Ao perguntar-lhe onde estava quando começou o movimento bossa nova, ele fala de seu primeiro encontro com João Gilberto. ?A primeira vez que o vi foi na TV Tupi. Ele já era o criador da bossa nova, de Chega de Saudade. Começou a me contar coisas da Bahia, que costumava andar de bicicleta pela Barra.

Disse que um dia estava passando em frente a uma construção e viu um menino.

Parou para falar com ele e perguntou: ?Menino, como você chama?? E ele disse: Batista. João virou e me disse: ?Batista lá é nome de menino? Por que ele não chama Zezinho, Toninho..?. Nunca esqueci essa conversa… Quando eu era pequeno queria cantar. Ficava ensaiando músicas de Nelson Gonçalves, mas aí a rádio ficava longe demais (risos).?

Música e bola – Esses ?causos?, descritos com entusiamo de menino, na maioria das vezes, esbarram não na música, mas no futebol.

Quando o sergipano chegou a São Paulo e se mudou para a Rua Turiassu, a primeira coisa que fez foi participar de uma peneira do Palmeiras. Passou, mas sua mãe o proibiu de ser jogador, queria que ele tivesse um ?canudo?.

Hoje, ele mata sua frustração nas peladas do Ensaio Futebol Society, time formado com a equipe de seu programa, o qual se orgulha de nunca ter perdido. Nem para o Skank nem para o time do Tom Zé nem para a turma da gravadora Trama.

A fórmula simples de seu programa – closes no entrevistado e ausência do entrevistador – foi inspirada, em parte, no futebol. ?A primeira coisa que aprendi em TV é que plano geral não é nada. Ainda mais em futebol, que fica parecendo pebolim. Então, um dia fui a um jogo do Santos no Pacaembu e filmei o Pelé o tempo todo?, lembra. O vídeo foi um espanto para a década de 60, mas eclodiu mais no ?seio da classe erudita?, como gosta de dizer. O povão, talvez não tenha compreendido o ?feito? de Faro.

Nem o povão nem a classe erudita, no entanto, conseguiram visualizar a descoberta que acontecera anos antes, em 1959. Faro trabalhava na redação da TV Paulista (e almejava uma vaga no ?artístico?) e foi entrevistar um bandido que já tinha virado mito na cidade, o Jorginho. Quando chegou à delegacia, o delegado não o deixou entrar. ?Pedi para ele, ao menos, levar o microfone ao Jorginho, que eu gravaria as imagens de fora.? O pedido foi aceito e Faro teve um clique que, mais tarde, empregaria ao Ensaio.

?Descobri que o ruído perturba a informação. Uma pessoa ao lado gera um ruído forte demais.?

E é assim até hoje. Sentado quase ao pé de seus entrevistados, no meio do palco do Teatro Franco Zampari, envolto em nuvens de fumaça cenográfica, Baixo fala baixinho, quase que resmunga as perguntas, ou melhor, o assunto que quer abordar – família, terra natal, influências… ?Sempre falo aos entrevistados que o programa tem de ter a cara deles, pois não agüento mais a minha?, brinca. ?Não quero minhas respostas. Sei que, às vezes, ficar quieto faz muito mais barulho?, completa, com a humildade de um bom professor.”