Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nelson de Sá

COBERTURA DE GUERRA

“Nova ordem midiática em tempos de guerra”, copyright Valor Econômico, 29/03/03

“O nó dramático desta nova Guerra do Golfo foi a seqüência de imagens transmitida ao mundo pela emissora do Qatar, Al-Jazeera, em dois dias seguidos. Num hospital iraquiano, o corpo de uma criança é descoberto e o que aparece é uma cabeça pela metade. Um dia depois, mais corpos desfigurados, agora de soldados americanos. São cenas do horror da guerra, mas a partir daí a cobertura se dividiu. Para um lado, foram as emissoras que não desejam apresentar o horror, que poderia ferir o propósito das forças anglo-americanas no Iraque. Emissoras como a Fox News e as grandes redes americanas. Para o outro lado, foram as emissoras que, para não esconder a verdade da guerra ou simplesmente para prejudicar o esforço anglo-americano, passaram a retransmitir as imagens sem parar. Foi o que fizeram muitas emissoras européias, inclusive britânicas e árabes.

No meio do caminho, perdida 12 anos depois da primeira Guerra do Golfo, quando foi praticamente a única fonte de informação para o mundo, dos EUA aos países árabes e à Europa, está a CNN. A emissora deu as imagens, depois parou a pedido do Pentágono, depois voltou com algumas. Não sabia o que fazer, num ambiente cada vez mais radicalizado em que a audiência mundial escolhe entre pró-americanos ou pró-árabes, escanteando os esforços de cobertura não necessariamente isenta, mas hesitante, como é o caso da CNN nesta guerra.

A CNN embarcou no programa de enviados ?internados? com as tropas, criado pelo Pentágono, e nos primeiros dias da guerra não escondeu o engajamento no esforço anglo-americano. Foi o bastante para o governo iraquiano expulsar a equipe da emissora de Bagdá – segundo relato do próprio ex-correspondente Nic Robertson. E a CNN perdeu o que havia sido seu grande trunfo, sua medalha de isenção, na cobertura do conflito de 91: a presença em Bagdá. Ela não passa, hoje, de mais uma emissora americana com cobertura concentrada num único lado da história.

É possível identificar a origem da radicalização política, na TV americana e nas demais, nos ataques de 11 de setembro. Foi na guerra do Afeganistão que surgiu para o mundo a Al-Jazeera, canal do Qatar que exibia com exclusividade os vídeos chocantes de Bin Laden. E foi com a mesma guerra que a Fox News, criada pelo empresário Rupert Murdoch para concorrer com a CNN, passou a liderar a audiência dos canais de notícias nos EUA. Com ironia, a Fox News se define em sua propaganda institucional como ?equilibrada?, em oposição à cobertura que chama de ?liberal? do restante da mídia americana, inclusive a CNN.

O impacto causado pela ação conjunta das várias emissoras e publicações de Murdoch (Fox News, Fox, ?Weekly Standard?, ?New York Post?, sem contar Grã-Bretanha, Austrália e outros países) abalou as demais instituições da mídia americana. No dizer de Howell Raines, editor-executivo do ?The New York Times?, ao receber um prêmio em fevereiro: ?A conquista mais importante do pós-guerra, entre os jornalistas americanos, foi a aceitação de uma ética que diz que não usamos os colares políticos dos nossos proprietários, do governo ou de partidos. É um legado que temos que proteger. Nós, que trabalhamos em publicações ou TVs com mentalidade isenta, temos sido passivos em denunciar os que usam o jornalismo como ferramenta política, ao mesmo tempo em que apontam o dedo contra quem pratica jornalismo equilibrado.?

Ele falava de Murdoch e sua News Corp. Bill O?Reilly, âncora da Fox News, que segue à frente de CNN e MSNBC na audiência da nova guerra, ataca a cobertura das concorrentes – e até do ?NYT?- por ser ?antiamericana?. O canal apresenta como enviados ao Iraque o coronel aposentado Oliver North, o pivô do escândalo Irã-Contras, e Geraldo Rivera, versão americana de Ratinho. Do início ao fim, a programação é uma propaganda, mais do que americana, republicana. Apóia campanhas de boicote a produtos franceses, ouve celebridades pró-guerra, divulga fatos que estimulam a causa anglo-americana – e nem sempre se confirmam, mas isso não é problema.

A Al-Jazeera, que já foi chamada de CNN do mundo árabe, está mais para uma Fox News do mundo árabe. A sua cobertura é livre das pressões do poder de Bush, um poder que vem sendo exercido mais abertamente desde o 11 de setembro, mas ela também exagera no engajamento às causas políticas árabes.

As cenas dos soldados e da criança, que redefiniram a direção da cobertura desta guerra, tiveram um efeito de propaganda contrária ao ataque anglo-americano. São um retrato do horror no Iraque, mas são também armas para um dos lados em conflito. É o que ocorre quando a Al-Jazeera chama os suicidas palestinos de ?mártires?. Se é capaz de um jornalismo distanciado ao tratar dos governos dos países árabes, num comportamento que levou à sua expulsão de vários deles, ao tratar do conflito entre israelenses e palestinos a emissora não se constrange e faz política.

Para além do engajamento, o que une Fox News e Al Jazeera é aquilo que se poderia chamar de cobertura vibrante ou, num termo talvez mais adequado, sensacionalismo. Nas imagens, nas opiniões, nas decisões editoriais – em tudo transparece um desejo de criar conflito, impacto, reação. É o contrário do que se vê na hesitante CNN, na modorrenta BBC ou nas grandes novidades desta guerra, em televisão – as concorrentes da Al-Jazeera, recém-lançadas: Abu Dhabi (ADTV) e Al Arabiya, ambas dos Emirados Árabes Unidos.

A Abu Dhabi marcou os primeiros pontos com as cenas do primeiro ataque de ?choque e pavor?, reproduzidas pelas emissoras ocidentais. Tanto ela quanto a Al Arabiya, com sua sobriedade, estão longe de ameaçar a audiência da Al-Jazeera no mundo árabe e fora dele. Mas já permitem falar numa mídia muçulmana em oposição à mídia cristã ocidental.

Nelson de Sá é editor do caderno ?Ilustrada?, da ?Folha de S.Paulo?”

“Deu no ?The New York Times?”, copyright Valor Econômico, 29/03/03

“?A cobertura do Iraque é feita por ?líderes de torcida? preocupados em agradar a um público nacionalista e aos militares?, diz jornalista

Deu no ?The New York Times?. Ou na CNN. E você acreditou. ?Hoje, temos uma imprensa ?venezuelana?, que representa os interesses da oligarquia americana. Cerca de 95% dos jornalistas defendem os valores do governo e da comunidade empresarial e 5% deles reagem. Diante da guerra, boa parte de nossos repórteres são meros estenógrafos do Pentágono?, avisa John MacArthur, editor da conceituada ?Harper?s Magazine? e autor de ?Second Front: Censorship and Propaganda in the Gulf War?. ?Vocês aí no Brasil acham que a democracia americana anda mal das pernas com essa guerra, não é? Pois a coisa é ainda pior?, diz. MacArthur defende a liberdade de imprensa e a posição crítica dos jornalistas mesmo em tempos de conflito, desculpa que muitos usam para não ir de encontro ao surto de patriotismo com a guerra.

?Muitos repórteres acham que ser patriota é ser leal ao presidente Bush. O dever do jornalista é a fidelidade à Constituição e essa nos dá liberdade de imprensa todo o tempo. A cobertura atual do Iraque é feita por ?líderes de torcida? que estão apenas preocupados em agradar a um público nacionalista e aos militares?, acusa o editor. Curiosamente, apesar dos aparatos tecnológicos atuais da mídia em campo de batalha, parecemos estar de volta ao período anterior à Guerra da Criméia (1866), o primeiro conflito a ser coberto pela imprensa. Antes, os relatórios de guerra eram escritos por generais e entregues aos jornais. Mas, assim como hoje, não foi fácil para os repórteres irem à luta, literalmente. Quando o correspondente do ?Times? voltou da Criméia, moções no Parlamento pediam o seu linchamento e o fechamento do jornal.

?Agora, a censura não é mais externa, mas é autocensura. Em todo o mundo foram mostradas as imagens dos soldados americanos mortos, mas um povo soberano como o dos EUA foi impedido de ver os cadáveres de seus combatentes. A imprensa nos trata como crianças?, diz MacArthur. Essa é uma velha história com novas tintas. Se na Segunda Guerra, os jornalistas tiveram maior acesso ao front do que na anterior, tudo o que escreviam passava por uma censura militar e também se proibia a publicação de fotos de soldados mortos. Mas os correspondentes acreditavam que eram guerras justas e aceitavam a censura. ?Na Guerra do Golfo, o Pentágono decidiu limitar o acesso de jornalistas ao front. Agora eles tiveram uma boa idéia: o ?embedded? que acaba com as críticas às restrições. Mas os jornalistas dependem dos militares para sua segurança, se confraternizam e viram porta-vozes das Forças Armadas?, diz David Paletz, autor de ?Media and American Politics?.

?Essa cobertura do Iraque tem apenas o lado do governo Bush e os ?embedded? só reforçam isso. Não há jornalistas em Basra, que enfrenta uma crise humanitária terrível e a imprensa parece pouco interessada em divulgar a resistência inesperada dos iraquianos e as falhas na estratégia americana de guerra. É só patriotismo?, concorda Judith Mattlof, ex-correspondente de guerra e professora de ?War Report? na Columbia University. ?Muitos chegam ao absurdo de falar em ?nós?, colocando-se como combatente, sem imparcialidade e com apenas uma perspectiva de avanço contra o Iraque?, afirma Judith. ?Há uma multidão de correspondentes na guerra, mas boa parte deles está confinada pelos militares. Isso só vai mudar se o conflito se intensificar e só daí a vantagem de tantos jornalistas num só lugar?, reforça Hedrick Smith, ex-correspondente de guerra do ?The New York Times? e autor de ?Media and Gulf War?.

Smith cobriu a Guerra do Vietnã e fala dela como ?o período de ouro das coberturas?. Isso porque, apesar do desejo do presidente Lyndon Johnson em censurar a imprensa, a extensão dos campos de batalha tornava impossível a contenção dos repórteres. E, pela primeira vez, os correspondentes descobriram que os governos, em guerra, mentem e muito. ?Era notável como ?caímos na real? ao perceber que os relatos oficiais divergiam do que víamos. Isso mudou o jornalismo de guerra?, conta Smith. Para muitos analistas, a guerra atual, se continuar se prolongando de forma inesperada, pode ver se repetir esse ?cair na real?. ?O Pentágono não pode controlar tudo e quando o nosso governo for pego mentindo, talvez a imprensa ganhe coragem e passe a fazer perguntas mais incisivas e a questionar os relatórios oficiais e não a copiá-los?, acredita MacArthur. Outros analistas também avisam que a magia de Rumsfeld não resistirá às baixas da coalizão e à guerra prolongada.

Para piorar, nas TVs, liberdade nem sempre é sinônimo de melhor cobertura. ?Há algo pernicioso nessa guerra que também havia no Vietnã. Se os jornalistas podiam circular no front, em casa, os donos da mídia tomavam então, como hoje, decisões ideológicas e mercadológicas?, lembra Judith. ?As TVs estão com medo de colocar no ar qualquer coisa controversa ou que possa ser considerada antipatriótica por seus anunciantes ou por boa parte da audiência nacionalista?, analisa Daniel Hallin, autor de ?The Uncensored War?, sobre a mídia no Vietnã. Para ele, o conflito asiático, em especial na televisão (havia cerca de cem milhões de aparelhos nos Estados Unidos no auge da guerra), era ?higienizado?, como resultado da relação entre imprensa e fontes militares. Fotos de soldados mortos, por anos, foram tabu, apenas mais tarde revogado. Quando a Guerra do Golfo começou, pensava-se que tudo iria mudar de imediato, pois não seria possível se impedir as novas tecnologias de mostrar o que ocorria e na hora.

Mas houve um ?blackout? da cobertura da imprensa nas primeiras 48 horas do conflito (repetindo o que houvera em 1983, na invasão de Granada e em 1989, no Panamá). ?Apesar dos satélites da CNN, que podiam transmitir por 24 horas, o que se via nas telas eram apenas notas oficiais militares e documentários sobre as ?bombas inteligentes?. Hoje, apesar da censura dos ?marines? mortos, ao ver dois cadáveres de iraquianos na TV acho que, apesar dos pesares, progredimos muito em relação ao Golfo?, nota MacArthur. ?Até porque essa é uma guerra impopular?, completa. Isso aparentemente não é importante. A ?guerra justa? de 1991, no Kuait, foi ?censurada? pelo governo dos EUA, que temia o ?efeito Vietnã?, a revolta da opinião pública ao ver os efeitos humanos do conflito pela imprensa. Controlava-se o que a mídia passava para o público e apenas alguns jornalistas, como Peter Arnett, da CNN, permaneceram em Bagdá para dar um registro diverso ao oficial.

?Os correspondentes ficavam concentrados em bases militares e suas reportagens dependiam dos relatórios militares. Os jornalistas agora estão dispersos e espero que saibam aproveitar melhor isso do que o que venho lendo e assistindo na mídia?, fala Smith. Há muitos jornalistas na guerra do Iraque, mas eles são bons? ?Boa parte deles não têm experiência de cobertura de guerra, conhecem mal o Iraque, não falam a língua e desconhecem a cultura?, avalia Judith. ?Ontem, conversei com um repórter no Iraque e ele me disse, envergonhado, que, as perguntas feitas pela imprensa estrangeira no Qatar são mais incisivas e melhores do que as dos jornalistas americanos. Isso precisa mudar?, concorda MacArthur.

A ?cutucada? está vindo de onde se menos esperava, ao menos nos países ocidentais. ?Ao contrário da Guerra do Golfo, monopólio da mídia do Ocidente, agora os árabes podem revelar suas opiniões sobre o resto do mundo e mostrar a sua visão da guerra?, assegura Mohammed el-Nawawy, autor de ?Al-Jazeera: How de Free Arabs News Network Scooped the World and Changed the Middle East?, título muito indicado para descrever o sucesso da nova televisão árabe. ?A Al-Jazeera é fundamental, porque dá uma noção mais ampla do que ocorre. É uma grande diferença da Guerra do Golfo?, elogia Judith. ?Eles, ao mostrar o que censuramos por aqui, forçam a CNN a repensar sua cobertura e a mostrar a realidade para os EUA?, faz coro MacArthur. ?A Al-Jazeera tem total liberdade de expressão, mas paga um preço alto para manter isso?, conta El-Nawawy. ?Como a CNN, é uma empresa privada e precisa de audiência e de lucros para se manter. Os anunciantes árabes adorariam usar o canal para sua propaganda, mas os seus governos, por temer essa liberdade, colocam restrições fortes a isso. Do lado ocidental, há pressões para que empresas americanas não anunciem nela. Os problemas financeiros são sérios?, avisa o jornalista.

Se o dinheiro pode afetar a liberdade de expressão, a voz popular pode fazê-la, em alguns casos, a voltar a funcionar. Boa parte dos veículos da mídia americana não esperava os protestos de rua contra a guerra e, de início, hesitavam em cobri-los de forma mais intensa. ?A reportagem sobre essas ações foi muito acanhada. Mas creio que eles estão afetando a cobertura e obrigando a mídia a repensá-la, aceitando essa guerra como problemática de muitas formas e que não pode ser tratada como se fosse de consenso geral?, analisa Hallin. Segundo ele, isso é fundamental neste momento, pois na Guerra do Vietnã, ao contrário do que se imagina, não foi a mídia que virou a opinião pública contra a guerra. ?Foi o oposto: foi o público, em especial o movimento anti-guerra, que obrigou a imprensa a fazer uma cobertura mais precisa e crítica do Vietnã?.

?Os protestos contra a guerra só tiveram, por muitos dias, uma cobertura ridícula na mídia. Tampouco antes do início dos ataques à imprensa se preocupou em levar um debate sério na sociedade americana sobre as outras alternativas possíveis à guerra?, afirma Jeffey Allan Smith, autor de ?War and Press Freedom?. ?Antes da guerra, houve uma discussão interna sobre ir ou não ao ataque, mas foi pífia. Até mesmo porque faltou capacidade aos democratas de criar uma oposição ao conflito. Isso teria chamado a atenção da mídia, que se veria obrigada a divulgar o debate?, acredita Paletz. ?Acho que esse desinteresse foi sintomático e, de certa forma, revelador para o globo. Agora todo o mundo sabe que os Estados Unidos ignoraram a ONU?, avalia MacArthur.

Para Smith, esse descaso da mídia, embora condenável, tem explicação. ?Após o 11 de setembro o país, imune às matanças que marcaram o século XX, se viu jogado no patriotismo. Houve uma tendência a tratar o governo com benevolência e a imprensa é um reflexo direto disso. Só se esquecem de que o jornalismo crítico é um dever patriótico?, avisa. ?Devemos lamentar porque a imprensa virou a opinião pública contra o governo e tirou os EUA da guerra? Devemos lamentar que um cinegrafista mostrou um soldado americano morto sendo arrastado em Mogadishu, nos tirando da Somália? Só sei que, com censura nós não sabemos o que nós não sabemos?, diz MacArthur. Nem sempre ?no news is good news?.”

“A guerra dupla da rede CNN”, copyright Valor Econômico, 29/03/03

“As bombas podem cair, mas os lucros sobem. Foi com uma guerra, a do Golfo, que a rede de televisão CNN, criada em 1980, ganhou respeito e altos índices de audiência. A cobertura feita em Bagdá, com Peter Arnett, Bernard Shaw e John Holliman, mostrando os ataques à capital iraquiana em 1991, prometia um futuro eternamente brilhante à emissora. Mas, desde 1996, com a chegada ao mercado da Fox News e da MSNBC, também oferecendo 24 horas de notícias, a toda-poderosa viu-se obrigada a dividir o mercado com outras. E perder seu charme.

Nos primeiros ataques da nova guerra a Bagdá, quem estivesse vendo a CNN e mudasse de canal veria a mesma cena em todos eles. O monopólio do ?ao vivo? estava perdido e, com ele, surgia a necessidade de enfrentar uma concorrência que podia acontecer mesmo no Qatar, com a Al Jazeera. A rede espera, nesta guerra, repetir o feito de 1991, mas até o momento nada indica que o dedo do espectador não vai mexer no controle remoto. De Atlanta, Chris Cramer, um jornalista inglês veterano com 30 anos de profissão, atual presidente da CNN International falou ao Valor sobre a cobertura.

Valor: Analistas de mídia reclamam que as redes de TV têm evitado colocar no ar tudo o que possa soar como anti-patriótico para anunciantes e para boa parte dos espectadores.

Chris Cramer: Isso é idiotice e quem conhece a nossa emissora sabe que essa crítica é ridícula. Esta é uma guerra e nossa obrigação é cobrir adequadamente todos os aspectos desse conflito. Temos jornalistas correndo perigo para realizar seu trabalho e descrever algo complexo como essa guerra. A idéia de que a CNN se curva à pressão é ofensiva e completamente falsa. Nós fomos expulsos de Bagdá, mas continuamos a transmitir notícias, utilizando materila de outras emissoras. Não tenho idéias preconcebidas.

Valor: Mas a emissora, assim como a guerra e o presidente Bush, são alvos dos protestos dos muitos manifestantes pelo mundo.

Cramer: Estamos cobrindo um conflito controverso, muitos, aqui e no exterior, são contrários à guerra. Se há opiniões opostas, minha função é transmitir as melhores informações possíveis de Bagdá. Conheço as pressões exercidas sobre as emissoras e sei das reações apaixonadas que as notícias podem despertar. Nossa função é concentrar no trabalho e deixar a parcialidade de lado.

Valor: Como a CNN equilibra a necessidade de usar fontes militares oficiais com a verdade?

Cramer: Questionamos sempre tudo. Mas não somos receptores passivos, não estamos abrindo a nossa programação para que outros possam utilizá-la. Nossa emissora não está pode ser alugada. Usamos todas as fontes possíveis e tentamos montar o quebra-cabeças. Em tempos de guerra, a precisão, a verdade absoluta são alvos móveis. A verdade de ontem é diferente da de amanhã. Nosso dever é refletir sobre todas essas informações.

Valor: E a voz dos iraquianos?

Cramer: O ponto-de-vista iraquiano é refletido no ar com a cobertura dos ataques e por meio de nossos correspondentes em Bagdá. Temos que apresentar corretamente o que eles dizem, as suas acusações e as respostas a essas acusações. Temos de deixar claro que uma vitória no campo de batalha amanhã, não é vitória na semana que vem.

Valor: A Al-Jazeera mudou a CNN?

Cramer: Não falo sobre meus concorrentes. Mas obviamente, em 1991, a CNN era a única rede mundial de notícias. Em 2003, não somos. E não é só a Al-Jazeera, mas centenas de TVs a cabo que ficam 24 horas no ar. A concorrência faz parte da nossa vida.

Valor: De que forma a cobertura dessa guerra pode se refletir nas coberturas futuras?

Cramer: Já cobri vários conflitos e, para mim, a reportagem de guerra é uma obra em aberto, um ?work in progress?. Acho que, nos primeiros seis ou sete dias deste conflito, as transmissões diretas das linhas de combate em tempo real representam uma mundança dramática no fluxo de informações. Essa foi a primeira vez na história em que pudemos assistir imagens ao vivo, diretamente da frente de batalha. No futuro, as crianças não precisarão perguntar aos pais o que eles fizeram na guerra, porque terão assistido na televisão. Acho que isso tudo é muito profundo, mas também muito assustador.”