JORNALISTAS ATACADOS
“Mais jornalistas morrem em guerra irresistível e pitoresca”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/4/03
“Segundo a CNN, pelo menos dois jornalistas morreram em operações militares dentro e em volta de Bagdá nesta segunda-feira (07/04). O espanhol Julio Parrado e o almeão Christian Liebig eram correspondentes do jornal El Mundo da Espanha. Eles foram atingidos por um míssel iraquiano dirigido contra um batalhão de fuzileiros americanos que ainda ocupam Bagdá.
Jornalistas continuam morrendo no Iraque
David Bloom, 39, uma das estrelas do jornalismo da rede de TV americana NBC, morreu no Iraque neste domingo. Segundo a própria NBC, o jornalista teria morrido de causas naturais (um coágulo pulmonar). Até hoje, segunda-feira, a organização Jornalistas Sem Fronteira confirmava a morte de 5 jornalistas (Terry Lloyd da ITN, Paul Moran da ABC/Austrália, Kaveh Golestan da BBC, Michael Kelly do Washington Post e agora, David Bloom da NBC). Dois jornalistas continuam desaparecidos e 3, foram feridos. John Simpson, um dos mais velhos e respeitados correspondentes de guerra britânicos escapou milagrosamente da morte em mais ataque do ?fogo amigo? dos americanos. Seu tradutor, Kamaran Abdurazaq Muhamed (espero que não tenha cometido nenhum erro de ortografia que possa ofender a alguns leitores) não teve a mesma sorte. Perdeu as pernas e a vida.
Para mim, o mais incrível na lista dos jornalistas mortos no Iraque é o total desaparecimento do nome do Gabi Rado da ITN. Segundo a versão oficial, ele morreu no norte do Iraque ao subir no terraço hotel onde estava hospedado. Segundo informações em off de alguns colegas que estavam na mesma área, todos preferiram aceitar uma versão mais provável de ?suicídio? do que a versão oficial de ?mero acidente?. Mas ninguém quer falar mais do assunto. O tema é por demais delicado e sensível para se tornar notícia. Afinal, jornalista não deveria ter motivos para se suicidar no meio de mais uma guerra como tantas outras.
A pornografia da guerra não deveria ser escondida dos telespectadores
Um dos maiores correspondentes de guerra da BBC e ex-membro do parlamento britânico, Martin Bell, declarou no programa International Correspondents da CNN que a guerra, da forma como está sendo apresentada ao público da TV americana e britânica, corre o risco de ser considerada uma maneira ?justa? de se resolver os problemas políticos do mundo. Sobre a ausência de imagens com soldados britânicos mortos, Martin Bell acrescentou que ?não deveríamos esconder a verdadeira pornografia da guerra?. Ele concluiu com um discurso surpreendente para quem viveu quase toda a sua vida profissional cobrindo todas a guerras desde o Vietnã para a BBC: ?não deveríamos esquecer jamais que guerra é matar pessoas e explodir coisas e a TV tem a obrigação de mostrar exatamente isso?.
E tem gente que ainda acredita na liberdade dos jornalistas ?engajados? para reportarem tudo que estão vendo. Muitos jornalistas que estavam cobrindo a guerra junto às tropas americanas e britânicas já perceberam os riscos dessa verdadeira ?armadilha? do Pentágono e resolveram abrir mão do privilégio e ir à luta. Os riscos, no entanto, são enormes.
Entrevista com a correspondente de guerra brasileira Cristiana Mesquita
Cristiana Mesquita, correspondente de guerra brasileira ainda está na cidade do Kuwait. Ela e outros jornalistas independentes esperam uma ?brecha? para furar o bloqueio americano e invadir o Iraque atrás de notícias de verdade. Por telefone, nos concedeu essa entrevista exclusiva para os leitores do Comunique-se
Militares impõem sistema de castas entre os jornalistas: engajados versus Independentes
Segundo Cristiana, uma outra guerra, além da oficial, está sendo travada no Kuwait e no Iraque. É a guerra da imprensa com as tropas americanas e inglesas. ?Nós, os unilaterais, somos os jornalistas que fizemos a opção de não cobrirmos esta guerra ?embedded? (que vem sendo traduzido como encaixotado, embutido, engajado ou incluído), mas estamos tentando entrar no Iraque assim mesmo?.
Cristiana alerta que ?até ontem ainda era possível, com um pouco de esperteza e muita determinação, furar os check points na fronteira e partir para o Iraque?. ?Vários unilaterais já conseguiram chegar bem próximos à Basra para o desespero dos americanos. Neste domingo, corria o rumor de que os americanos vão fechar a fronteira ou seja, vão tirar os kuwaitianos dos check points (sempre mais dispostos a quebrar um galho) e substitui-los pelos soldadinhos gringos?.
Mas isso não parece deter alguns jornalistas. Ela faz questão de dizer que, ?nós, os unilaterais unidos, não vamos desistir. Vamos continuar tentando buscar buracos na cerca?. As dificuldades e as ameaças, no entanto, continuam criando obstáculos para uma cobertura independente. Segundo Cristiana, ?o problema é que os gringos estão ameaçando retirar a nossa credencial e nos mandar de volta. Sem credencial vai ser difícil, mas também não é impossível?.
Sobre os demais colegas jornalistas, ela ainda acrescenta que os ?embedded estão passando o pão que o diabo amassou. Um dos nossos jornalistas da APTN, que já está no aeroporto internacional de Bagdá (antigo aeroporto Saddam), me contou que o ?push? final foi de 48 horas sem dormir e sem poder parar para transmitir.
Sobre as novas tecnologias, Cristiana alerta que os videofones ainda estão nos dando grandes dores de cabeça. Os sistemas de comunicação pela Internet não estão agüentando a pauleira. Além disso, também temos aí os dois principais ingredientes para problemas de equipamento: o sacolejo da viagem e muita poeira e areia.
Mas apesar das dificuldades, a jornalista brasileira, no seu estilo ao mesmo tempo descontraído e determinado indica os próximos passos: ?já estamos fazendo planos para entrar no Iraque e chegar a Bagdá, mas a realidade é que os americanos, até hoje, ainda não conseguiram garantir a segurança das rotas de suprimento. Isso significa que avançaram muito, mas ainda estão sendo atacados na retaguarda. Outro problema sério que tem atingido os unilaterais que cruzam a fronteira é o roubo de veículos, equipamentos, roupas e tudo o mais que possam encontrar. Já teve jornalista voltando para o Kuwait de cueca?.
Assessores de segurança para jornalistas
Segundo os assessores para assuntos militares e de segurança pessoal, especialmente contratados pelas grandes agências de notícias, alguns jornalistas não passam de um ?bando de malucos e irresponsáveis?.
Cristiana diz que ?nós da APTN estamos trabalhando com um assessor para assuntos militares e de segurança. O meu, em particular, é um ex membro das forças especiais inglesas que trabalha no centro de treinamento para jornalistas da Centurion. É briga todos os dias. Estou vendo um ?culture clash? (guerra de culturas). A empresa quer a matéria mas não quer e não pode arriscar a vida de seus profissionais. Nosso trabalho, por natureza é chegar o mais perto possível da história e o cara da ?special forces? diz que somos todos uns loucos e irresponsáveis! É uma brigaiada danada. Ou eu acabo pensando como militar ou ele acaba se transformando num jornalista?.
Jornalistas estrangeiros em Bagdá são escudos humanos
Os jornalistas estrangeiros que ainda estão em Bagdá estão muito preocupados. Após o ataque à sede do ministério da informação e o prédio da TV iraquiana pelas forças americanas, o ministro da Informação Mohammed Said al Sahhaf (ufa!) teve a brilhante idéia de transferir suas entrevistas coletivas para o Hotel Palestine onde estão hospedados os jornalistas estrangeiros. Com as tropas americanas fazendo incursões regulares ao centro de Bagdá e os constantes bombardeios, esses jornalistas perceberam que podem estar sendo transformados em ?escudos humanos? em uma guerra de mídias e de propaganda militar.
A TV ainda é o principal meio de comunicação, mas a internet cresceu muito
A maioria dos internautas ainda recorre à TV como o principal meio para obtenção de notícias. Mas, segundo pesquisa da Pew Research, a partir da Guerra do Iraque, 17% dos internautas americanos já consideram a rede como a sua principal fonte de informações. Trata-se de um crescimento muito grande se comparado ao período que sucedeu aos atentados de 11 de setembro quando somente 3% dos internautas americanos buscavam informações na Interrnet.
Cresce a audiência dos telejornais mas os telespectadores demonstram mais sintomas de fadiga de guerra
?A TV é um ótimo meio para assistir a eventos dinâmicos durante curtos períodos de tempo. Mas os telespectadores também tendem a perder o interesse por esses programas rapidamente?. Esta é a conclusão a que chegou o analista de mídia Simon Baker que trabalha na SG Securities de Londres ao comentar sobre os sintomas crescentes de fadiga de guerra por parte do público britânico e americano. Aqui no Brasil, segundo o jornal O Estado de São Paulo, aumentou a audiência de quase todos os nossos telejornais desde o início do conflito no Iraque. O JN chegou a ter um aumento de 19,5 na audiência.
Agora, imaginem se o jornalismo da Globo tivesse acreditado e investido numa cobertura de verdade que garantisse ao público o olhar brasileiro dos nossos profissionais? Sem dúvida, o crescimento da audiência seria ainda maior. Mas há muitos anos que a direção da Globo diminui seus investimentos e se contenta em perder audiência regularmente no jornalismo. Pelo jeito, tem muita gente que dirige o jornalismo da emissora mas que realmente detesta TV e preferia estar escrevendo em jornal. A decadência do jornalismo global, a cada dia, parece ser algo inevitável.
Assistindo ao sofrimento… dos outros
Agora se você não consegue desgrudar o olho da telinha em busca de imagens da guerra cada vez mais violentas e está surpreso com um certo sentimento latente de prazer, eu queria aproveitar a oportunidade para recomendar um livro com um título muito apropriado: ?Regarding the pain of others? (Assistindo ao sofrimento dos outros), Farrar, Straus & Giroux editores, NY, 131 págs, US$ 20, da escritora americana Susan Sontag. É uma obra de amadurecimento das reflexões da autora sobre a fotografia. Ela também escreveu um outro clássico sobre o tema, On Photography (Sobre a Fotografia) que discute o papel da imagem no jornalismo atual.
Em relação a nossa atitude cada vez mais passiva diante de tantas imagens de violência na TV, Susan Sontag faz um alerta: ?Ninguém, depois de uma certa idade tem o direito a esse tipo de inocência, de superficialidade, a este grau de ignorância, ou amnésia?. Sem falsos moralismos ou julgamentos precipitados, o livro também procura repassar o trabalho dos grandes fotógrafos de guerra. Sontag discute o potencial da fotografia para mobilizar o público. É um livro para aqueles que não se contentam em continuar assistindo de forma passiva e impune a dor… dos outros. Susan Sontag toma o caminho contrário de alguns pensadores pessimistas franceses como Baudrillard ou Guy Debord e nos convida a pensar. Sontag não acredita que o excesso de imagens esteja nos tornando insensíveis a essa dor. Muito pelo contrário! Em tempos de overdose de Guerra nos jornais e na TV, Sontag faz questão de nos relembrar que ?War was and still is the most irresistible – picturesque – news? (A guerra era e ainda é a mais irresistível e a mais pitoresca de todas as notícias)!”
“Jornalistas boicotam Aznár pelo assassinato de um colega em Bagdá”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 12/4/03
“Jornalistas trataram com desdém o primeiro-ministro da Espanha, José María Aznar, e o chanceler britânico, Jack Straw, ao abaixarem as câmeras, os microfones e os blocos de nota em protesto contra a morte de um jornalista da TV espanhola num bombardeio dos Estados Unidos contra um hotel de Bagdá.
Ao chegar ao Senado, ontem, para uma reunião com legisladores de seu partido, Aznar encontrou um saguão do edifício com o chão repleto de equipamentos da imprensa e mais de 30 jornalistas parados e em silêncio.
Aznar apóia a guerra, apesar de a Espanha não ter enviado soldados para os campos de combate ao lado dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. A maioria dos jornalistas boicotou um discurso no qual Aznar manifestou suas condolências pelo morte de José Couso, anteontem, no Hotel Palestine, em Bagdá, e de Júlio Anguita Parrado, morto na segunda-feira, quando um míssil iraquiano atingiu um acampamento da infantaria norte-americana ao Sul de Bagdá.
Ainda ontem, cerca de 20 jornalistas espanhóis saíram de uma entrevista coletiva conjunta concedida por Straw e sua colega espanhola, Ana Palacio, após uma única pergunta.
Um companheiro de Couso na Tele 5 perguntou a Palacio sobre rumores de que as forças norte-americanas teriam declarado o hotel – onde está hospedada a maior parte da imprensa estrangeira – um alvo militar cerca de 48 horas antes do ataque que causou a morte de Couso e de Taras Protsyuk, um cinegrafista da Reuters.
Palacios foi vaga e falou sobre uma recomendação aos jornalistas para que deixassem Bagdá, pois a cidade era ?perigosa?, mas garantiu que a Espanha pressionaria os EUA e investigarem profundamente o episódio. Após a resposta evasiva, os repórteres bateram em retirada sem nada perguntarem a Straw. Também ontem, jornalistas protestaram em frente à Embaixada dos EUA em Madri.
Ucrânia
Pouco mais de uma dezena de ativistas protestou ontem em frente à Embaixada dos Estados Unidos em Kiev para rechaçar a morte de um cinegrafista ucraniano em Bagdá por forças norte-americanas. Taras Protsyuk, um cinegrafista da Reuters de 35 anos, foi morto ontem, quando um tanque americano disparou uma bomba contra o hotel de Bagdá onde a maior parte da imprensa estrangeira está hospedada. Ele deixa mulher e um filho de oito anos.
Cerca de 20 policiais observaram a manifestação. Uma faixa dizia ?Protsyuk não será esquecido?, segundo a agência de notícias Interfax. As embaixadas de EUA e Grã-Bretanha manifestaram ?condolências? pela morte do cinegrafista.”