Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Ensino religioso ou consciência religiosa?

Seria muita apatia de minha parte ignorar a discussão sobre o tema ‘ensino religioso’, em virtude de estar envolvido no contexto educação e religião. Meu descontentamento é sobre o que tem sido veiculado nos noticiários, sobre a lei que regula o ensino religioso no Brasil, colocando o catolicismo como parceiro da aplicação do ensino religioso nas escolas públicas.

Sou plenamente de acordo com a resistência a um absolutismo religioso no Brasil, isso feriria a ‘democracia’, resultado de muita luta. Porém, não foi informado pela mídia o que seria o ensino religioso nas escolas.

Há uma confusão entre religiosidade, proselitismo, apologia e consciência religiosa. O que foi mostrado, em especial pela Rede Record, foi basicamente entrevistas com alunos e um ‘teólogo’ protestante, pessoas que não estão envolvidas diretamente com o planejamento e aplicação do ensino religioso. Em momento algum entrevistaram um cientista da religião, um membro do Coneres, do Cieres ou da comissão de elaboração dos temas aplicados no ensino religioso nas escolas. Não é uma postura socialmente responsável veicular algo sem conhecimento de causa, ou com superficialidade.

É interessante considerar que a proposta do ensino religioso nas escolas públicas não está ligada à pregação, apologia ou arrebanhamento, e sim, à consciência religiosa.

A consciência religiosa está fortemente ligada às tradições, cultura, ethos, responsabilidade, tolerância e respeito. O que se pôde notar foi que há ausência de conhecimentos sobre o papel do ensino religioso nas escolas, tanto por alunos, da imprensa, alguns profissionais da área educacional e juristas.

Por onde começar?

Não se pode ignorar que a ausência do ensino religioso nas escolas pode trazer seqüelas sociais gravíssimas à vida social. Quem irá discutir com os alunos problemas relacionados a distúrbios nas relações familiares, pedofilia, associação ao tráfico e uso de drogas, adolescência e gravidez, tolerância religiosa, considerações em relação ao outro e os reflexos das ações praticadas na sociedade? É necessário que haja um indivíduo que tenha formação e competência para administrar esses temas em sala de aula, independente de sua confissão religiosa. As aulas de história, geografia, filosofia e português não devem extrair conteúdos de seus programas para discutir as relações sociais de seus reflexos. É claro que esses temas podem ser transversais, mas em maior consideração são lineares à consciência religiosa.

Quantos índios mais terão que serem queimados nos bancos de pontos do ônibus? Quantos adolescentes mais matarão seus pais a fim de receberem suas heranças antecipadas? Quem discutirá isso no ambiente escolar? Observe a juventude e avalie sua condição comportamental, principalmente os de classes menos abastadas, de quem foi retirada a oportunidade de ter tempo necessário para amadurecimento no convívio com os pais e seus pais que sofreram da mesma condição. É na escola que eles terão a oportunidade de encontrar parâmetros para uma postura social mais responsável.

É por acreditar que esses fatos são por causa de, além de outras influências como a psicológica, falta de referencial e uma máxima que os façam repensarem suas atitudes, antes de sua execução. A iniciativa de se retirar disciplinas de orientação social (neste caso não conta-se a sociologia, pois não é esse o seu objetivo), aquelas que posicionam os indivíduos e os chamam à responsabilidade social, dando-lhes a missão de dar seguimento às posturas responsáveis. Quem paga o preço pela negligência social? Quem é responsável em nortear a sociedade? Quais são os padrões morais? Por onde começar?

Debate deve ser amadurecido

A esperança é de que a consciência religiosa estimulada em sala de aula, levando em consideração a multiplicidade religiosa e o aspecto democrático em que vive a sociedade, para assegurar uma estrutura educacional consistente na formação do indivíduo social consciente. A união das linhas de estudo sobre o ser humano, em toda sua dimensão, pode também somar respostas e possíveis orientações a respeito desse tema do comportamento humano. Estudar um meio de aplicação do ensino com caráter de formação de consciência religiosa, humanitário e ético deve ser uma preocupação da dirigência social.

O que o pensamento religioso fez, de bom ou de ruim, mostra que, de alguma forma, influencia socialmente. Fazer uso de seus métodos e selecionar seus conteúdos, independente de suas dogmáticas, a fim de modelar a sociedade, pode levar a uma nova realidade e conduzir a sociedade a uma vida mais humanizada e justa.

A mídia não deve fomentar a retirada do ensino religioso das escolas, com a desculpa de que o catolicismo está querendo se estabelecer. Contra a imposição dogmática e teológica todos devem engajar-se na luta, mas, não se deve ignorar a importância que tem a formação da consciência religiosa construída no ambiente educacional. A mídia deve, com certeza, envolver-se com a causa, mas, deve primeiro amadurecer o debate antes de sua veiculação.

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Cientista da Religião, especialista em Psicopedagogia e Docência para o Ensino Superior, Cariacica, ES