ÉPOCA & GALILEU
Deonísio da Silva (*)
As revistas Época (semanal) e Galileu (mensal) que acabaram de chegar às bancas trouxeram Jesus nas respectivas capas. Na primeira o texto é assinado por Antonio Gonçalves Filho e tem por título "A família oculta de Jesus". Na segunda, Pablo Nogueira ocupa-se do sudário: "O manto insolúvel".
Este Observatório já registrou que nossa imprensa deveria dar maior atenção às editorias de religião e domínios conexos, quase sempre tratados com a mesma indiferença comum às seções dedicadas a livros, cada vez com menor espaço. Portanto, foi com um misto de curiosidade e satisfação que o signatário comprou os dois exemplares na banca. Ou, como dizem alhures, no quiosque.
Sim, leitores, as revistas eventualmente comentadas aqui foram adquiridas pelo signatário. Bem ao contrário do que costuma acontecer com os livros. São comentados apenas alguns poucos daqueles que as assessorias de imprensa fazem chegar às redações. Não que os destinatários não mereçam recebê-los, mas pode e deve haver o caso de o resenhista ou crítico precisar comprar o exemplar. De passagem, cumpre registrar que vários desses profissionais felizmente têm o costume de freqüentar as livrarias! Do contrário, os leitores dependeriam única e exclusivamente dos assessores, e isso obviamente não é bom para nossas livrarias.
Descontando-se as inevitáveis repetições, as duas matérias são muito pertinentes. Jesus recebeu recentemente o título de Homem do Ano na França e sobre ele vêm sendo escritos muitos livros em diversas línguas. Naturalmente, demoram um pouco a chegarem ao português. E ainda assim é freqüente que alhos sejam misturados com bugalhos. A editora Mercuryo, que ganhou muito dinheiro com J. Benítez e seus cavalos de Tróia, também lançou alguns volumes na linha de rever o que se sabe e se disse sobre a figura de Jesus a partir de mirantes leigos, menos comprometidos com aspectos doutrinários. É indispensável, porém, discerni-los de um livro como Evangelhos apócrifos, de Luigi Moraldi, lançado originalmente em italiano, em 1996, e que em 1999 já estava no mercado editorial brasileiro pela editora Paulus, em tradução de Benôni Lemos e Patrizia Colina Bastianetto.
Última revelação
O principal mérito do texto de Antonio Gonçalves Filho é servir de guia para leituras mais extensas. Ele selecionou alguns livros à disposição, em português, nas livrarias brasileiras, como é o caso de Jesus, um retrato do homem. Foi escrito pelo jornalista A.N. Wilson. Gonçalves Filho não diz, mas há uma confusão liminar nesse livro (no Brasil, disponível na Ediouro): o autor trata as fontes doutrinárias e as históricas conferindo-lhes o mesmo valor, e isso só poderia resultar em confusão, de que são exemplos os excertos transcritos por Gonçalves Filho. Afinal, não se admire de que a virgindade de Maria seja posta em dúvida em muitos desses livros. Cristãos de diversos ramos dissidentes do catolicismo e mesmo católicos há muitos séculos não acham que a virgindade da mãe de Jesus seja questão digna de tantas polêmicas! Afinal, Lutero surgiu ainda no século 15! Já em Mãe, a história de Maria, a editora Júlia Bárány, da editora Mercuryo, recolheu uma série de lendas, como a de que uma parteira queimou as mãos quando foi certificar-se da virgindade de Maria.
Na matéria da Galileu, o tema de Pablo Nogueira é o sudário. A diagramação está de parabéns. Apresenta um belo gráfico que começa no ano 29 e vem até 2002, destacando certos momentos decisivos na constituição do mito, da lenda ou da verdade científica, como querem alguns, vez que houve sérias discrepâncias entre os cientistas nomeados pela Igreja para submeter às datações de carbono o célebre tecido em forma de lençol. Um dos cientistas nomeados por João Paulo II era o brasileiro Carlos Chagas Filho, que faleceu aos 90 anos, em 2000, convicto de que a peça era um embuste muito bem construído e preservado ao longo de séculos. E o cientista, um católico fervoroso, bem que tentou demover o papa de tão polêmico projeto, mas não conseguiu.
Em resumo, duas revistas deram à guerra EUA x Iraque um espaço menor e presentearam os leitores com um convite à reflexão sobre certas transcendências que presidem nossa cultura. Nota sete para as duas! O motivo? Supor que os leitores ignorem tudo o que as duas repetiram. Um bom copidesque poderia ter evitado o tropeço que causa aborrecimento aos leitores interessados, provavelmente já sabedores daquilo que os autores das duas reportagens tratam como se fosse a última revelação do Espírito que, como dizem as Escrituras, se sopra onde quer, nem sempre sopra onde mais faz falta por sutis e complexos desígnios que nossa inteligência não consegue alcançar.
(*) Escritor, doutor em Letras pela USP, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú
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