Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luiz Cláudio Cunha

OFF EM XEQUE

“A hora de quebrar o off”, copyright O Globo, 10/4/03

“No triste dia de 31 de março passado, Pedro Rogério Moreira publicou, neste espaço, um artigo lamentando a publicação de uma conversa em off do repórter com o senador Antônio Carlos Magalhães. Arauto de uma paróquia que teima em comparar, ?sem exagero?, o sigilo da fonte ao segredo da confissão na Igreja Católica, Pedro Rogério critica a falta de decoro de quem desafia estes supostos cânones legais que dão ao repórter o estranho hábito de sacerdote ouvindo segredos impublicáveis na ?penumbra do confessionário?.

Não sei a que ordem monástica pertence Pedro Rogério, mas ele é de fato devoto do off mais sagrado: identificou-se apenas como ?jornalista e membro da Academia Mineira de Letras? e manteve em sigilo sua recente condição de diretor de Projetos Especiais do Senado Federal, subordinado direto ao presidente da Casa, José Sarney, grande amigo de ACM.

Por isso, não achei relevante responder ao texto de encomenda em defesa do ?Leão da Bahia?, como diz o imortal Pedro Rogério, sem temer a quebra de qualquer decoro profissional. Na terça-feira dia 8, porém, o tema é retomado no artigo ?O repórter e o senador?, de Luiz Garcia, um jornalista respeitado e respeitável, que, de fato, merece um esclarecimento de minha parte.

O Conselho de Ética recebeu a reprodução integral de uma conversa, não gravada, do repórter com o senador. Ao contrário do que diz Garcia, de que ?apenas pequena parte fora publicada?, a revista ?IstoÉ? publicou, 13 dias antes, toda a parte relevante do encontro, abrindo o texto com a frase ?Eu mandei grampear Geddel?. Apontava o senador como responsável direto pela distribuição do dossiê, e relatava a irritação de ACM com a destruição do material. A parte substancial da conversa, assim, foi reproduzida pela revista.

Garcia diz que a segunda conversa, gravada à revelia do senador, ?é claramente aética?. Com 51 anos de vida e 33 de profissão, tenho a consciência do que faço, como diz o Demônio de Cervantes, mais por experiência do que por sabedoria. Entre a primeira e a segunda conversa decorreu exatamente uma semana. A decisão de gravar naquela quinta-feira (6) veio com a revelação da PF sobre a autoria e a dimensão do crime confessado dias antes, em off, por ACM: o grampo, segundo o diretor da PF, era um ?crime de Estado?, praticado pela Secretaria de Segurança da Bahia e varrendo 232 telefones de pessoas diferentes em cinco estados – todas unidas pela condição de ex-amigos, ex-aliados, ex-amante e/ou inimigos de ACM.

Nesse intervalo, a condição de ACM se deteriorou dramaticamente. De fonte em off, que detém o privilégio do sigilo, o senador transmutou-se em suspeito n? 1, como mandante confesso de um megagrampo realizado pelo Estado. ACM passara de fonte a alvo. Por razões mais claras do que a luz, como diria o canônico Pedro Rogério, a gravação não poderia ser anunciada previamente ao senador, como reclama Garcia.

A ética da investigação, que inspirava o telefonema, recomendava a obtenção de uma prova contra eventuais negativas do senador, que costuma negar o que faz e desmentir o que diz. A fita foi gravada para não ser usada, como último recurso para preservar a verdade. Tanto isso é verdade que, ao longo de oito semanas e 26 páginas publicadas, ?IstoÉ? não citou uma única vez a palavra fita. Ela só foi apresentada, por exigência legal, ao Conselho de Ética.

O off deixou de ser aceito porque ACM passou a não merecê-lo. Sacrilégio seria ignorar seu envolvimento no caso. Como jornalismo não é igreja e repórter não é padre, para choque e pavor do contrito Pedro Rogério, off também não é dogma. Outros órgãos respeitáveis da imprensa brasileira já romperam o off em nome da verdade e do interesse público.

Nos anos 80, a revista ?Veja? quebrou o off do capitão Jair Bolsonaro ao anunciar a explosão de bombas terrorista pela extrema-direita nos quartéis. Em dezembro de 1999, o próprio GLOBO quebrou o off de uma festa do PMDB rebelado contra FHC. ?O presidente foi cretino comigo?, bufou Renan Calheiros, ex-ministro da Justiça. ?É um governo de bosta?, emendou o líder Geddel Vieira Lima.

O jornal agiu certo, ao mostrar o sentimento do maior partido do país contra o Planalto. Mais do que o off, prevaleceu para O GLOBO o interesse supremo da sociedade. O bom jornalismo trabalha para o leitor, não para o confessionário.”