Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Das bananas e das melancias

DIPLOMA EM XEQUE

Charles Lourenço (*)

A decisão da juíza Carla Rister pela não-obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão já deu ? e ainda dará ? muito pano pra manga ou manga pra pano, se quiserem alguns. Mas eu acredito que o essencial para um bom desfecho dessa interminável discussão pouco foi abordado. O mundo parece dividido entre prós-diploma e antidiploma, algo por demais dualista. A questão não é o diploma, mas a fundamentação da formação.

Isso me lembra uma discussão travada durante uma conversa entre amigos sobre generalidades. Eu lançara na roda a informação de que a banana era a segunda fruta mais produzida no mundo. Logo alguém quis saber qual era a mais produzida, claro. Disparei sem pestanejar: a melancia. Espanto geral… Fui tachado de mentiroso inclusive, pois a melancia não é das frutas mais afamadas. Até que alguém se lembrou como se mede a produção frutífera: em toneladas.

Ou seja, não basta se propor a analisar uma questão. A maior dificuldade é saber se estamos usando o parâmetro correto. A discussão sobre a profissão de jornalista ameaça cair no sofismo se as pessoas envolvidas acharem que tudo se resume a um pedaço de papel-cartão. Voltando à discussão sobre as frutas, se não lembrássemos a medida utilizada para comparar a produção jamais chegaríamos à conclusão correta.

Muitas vezes vi pessoas criticando a formação do jornalista, mas poucas vezes vi debates sobre qual deveria ser o currículo necessário para que essa profissão tão controversa possa ser bem exercida. Formação humanista ou técnica? Curso de graduação ou especialização para quem já tenha concluído uma faculdade? Essas questões sempre passam ao largo, pois a maioria prefere ficar alegando que somente o banco da faculdade trará ética, ou citando Gabriel García Márquez, para defender o diploma ou refutá-lo, respectivamente.

O maior rival

Será que apenas quem freqüenta uma faculdade ? e de Jornalismo ? é que exercerá a profissão com ética? Também não… Ética é algo que está além da passagem pela faculdade, mais relacionada à prática da profissão, acredito eu. Como não estão totalmente corretos aqueles que fundamentam sua teoria nas célebres palavras do Gabo. Sim, Márquez era um advogado frustrado que se descobriu grande escritor. Mas usar somente isso para espezinhar o diploma é mero argumento de autoridade, e um gênio como ele não nasce todo dia.

Acredito ser mais realista a criação de uma associação, que poderia se inspirar na OAB, com as devidas adaptações ao jornalismo, para regulamentar a profissão. Este é o cerne da questão. Quais competências e conhecimentos o jornalista deve reunir e qual modo de se aferir estes conhecimentos. Seria muito mais legítimo do que uma carteira emitida por um sindicato (sem a mínima pretensão de desmerecer o sindicalismo). Mas há de se convir que a função do sindicato deveria ser mais efetiva do que a emissão do MTb. Num tempo em que patrões fazem gato e sapato dos jornalistas, achatando salários, tirando direitos adquiridos e demitindo a rodo, urge que os sindicatos façam valer seu papel de defensores da classe que representam.

Outro ponto que quase ninguém se propõe a debater é o da "invasão" do jornalismo por alunos de outros cursos. Isso aumentará a concorrência, sem dúvida, mas não será tão significativo a ponto de implodir o sistema. Quantas pessoas você conhece desejam entrar no meio jornalístico? O Brasil tem aproximadamente três milhões de universitários. Supondo que 1% das que não fazem graduação em Jornalismo, ou seja, 30 mil alunos estejam interessados na área, não representam um aumento tão brutal em relação aos 120 mil alunos de Jornalismo existentes hoje. Como vemos, aqueles que achavam que a concorrência triplicaria erraram feio. Aumento de 25% apenas, nesse exercício rápido de estimativa. Como na discussão sobre as frutas, nem tudo aquilo que parece é.

Pois é, seu maior rival continua a ser aquele que está sentado na carteira ao lado. E a única garantia de sucesso profissional não é um pedaço de papel, mas sua competência na prática da profissão. Enquanto a discussão sobre o exercício profissional do jornalismo não abarcar todas as partes envolvidas, num debate sobre todos os aspectos da questão, em vez de competição retórica, só estaremos contribuindo para a depreciação da profissão e de uma classe inteira. Espero que este pequeno artigo possa contribuir nessa discussão.

(*) Estudante de Filosofia na Unicamp