A mais nova versão do Projeto de Lei 29/2007, que regula o convergente setor de TV paga, recém aprovada na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) da Câmara dos Deputados, reacendeu as expectativas em relação à criação de cotas efetivas para a produção nacional e independente. O texto e os destaques aprovados na CDC revisaram os critérios que definem a proporção de canais e de programas nacionais nas grades oferecidas pelas operadoras, o que na avaliação dos produtores independentes e de analistas do setor significou um avanço em relação ao relatório que vinha sendo discutido na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) anteriormente.
Mas na atribulada tramitação do PL-29 pela Câmara, não é demais imaginar que os ganhos contabilizados na última apreciação serão novamente revistos. O projeto está de volta à CCTCI, de onde saiu para a CDC sem aprovação do relatório do então deputado Jorge Bittar (PT-RJ), que instituiu as cotas no projeto original do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) e, ao longo de várias versões, amenizou as propostas de defesa do conteúdo nacional.
É na CCTCI que os interesses dos setores diretamente envolvidos no PL – as operadoras de TV a cabo, os radiodifusores e as empresas de telecomunicações – devem novamente se manifestar. Sinal disso é a movimentação dos deputados para evitar que as discussões sobre o projeto sejam abertas à ampla participação da sociedade. A nova relatoria agora caberá ao deputado Pedro Henrique Lustosa (PMDB-CE), que prevê para o dia 15 de outubro um novo substitutivo para o projeto. O substitutivo deverá ser discutido por um grupo de trabalho – composto por deputados e designada pelo presidente da CCTCI, deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO) – em reuniões com os setores envolvidos. Audiências públicas não estão previstas. Segundo a assessoria de Lustosa, ‘já aconteceram outras audiências públicas e a idéia é agilizar o trabalho’.
‘Vitória política’
Uma agenda de discussões já foi definida por Lustosa e as próximas conversas deverão considerar o material elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara. Este, compara as versões do PL que já passaram pelas Comissões de Desenvolvimento Econômico e a de Defesa do Consumidor.
A mais recente delas, saída da CDC, mantém questões tratadas como polêmicas nos debates anteriores na CCTCI. É o caso da gratuidade do ponto extra de TV a cabo e a previsão de que as operadoras realizem a venda de canais avulsos. Mas as principais modificações feitas pelos deputados na Comissão de Defesa do Consumidor aumentam tanto o número de horas de veiculação obrigatória de conteúdo nacional e independente como a abrangência das cotas, que teriam de ser cumpridas também pelos canais estrangeiros.
Para Lara Haje, pesquisadora do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), já houve avanços no processo de negociação. ‘Se a atual cota [exclusiva para veiculação de conteúdo brasileiro] aprovada pela CDC for mantida na CCTCI é uma grande vitória política e um passo importante para o fortalecimento da indústria audiovisual.’ Já os produtores independentes defendem um aumento ainda maior das cotas.
Destaques aprovados
Na tramitação pela CDC, os deputados aprovaram o relatório do deputado Vital do Rêgo (PMDB-PB) e dois destaques. Um deles definiu que o tempo mínimo de veiculação de conteúdo nacional será de 3h30 semanais – meia-hora por dia – para todos os canais, inclusive os estrangeiros, que não eram citados no substitutivo anterior. Além disso, prevê que metade deste conteúdo deve ser de produtoras independentes.
A cota vale para todos os canais com programação ocupada majoritariamente por espaço qualificado, ou seja, composta por filmes, séries e novelas. Nos serviços chamados de catálogo (como pay per view ou nas modalidades de video on demand), pelo menos 10% de conteúdo brasileiro deve ser ofertado.
O outro destaque aprovado refere-se justamente à definição de espaço qualificado. Ele retira a expressão ‘restrito’ antes vinculada ao termo. Assim, fica caracterizado como espaço qualificado o total de programação ou conteúdo audiovisual (no caso dos serviços em catálogo), e não apenas o tempo destinado a este tipo de programa no chamado horário nobre. Ficam de fora do espaço qualificado os programas de debate e de auditório, bem como aqueles de cunho jornalístico. A definição do espaço qualificado é importante na definição das cotas para produção independente, porque elas respondem a uma porcentagem do tempo da programação destinado a conteúdos de alto valor agregado, como filmes ou séries.
Para o produtor e diretor da Associação de Produtoras Brasileiras de Audiovisual (APBA), Rojer Madruga, a quantidade de cotas na programação e nos pacotes de TV paga ainda deve ser rediscutida. ‘Cotas de 3h30 não é o ideal. É necessário, de repente, dobrar este valor, mas saber também que há um limite. Ninguém quer destruir o modelo de mercado’, disse.
Mercado independente
Já em relação ao número de canais com programação inteiramente nacional, a CDC manteve a opção original de pelo menos um canal por pacote. Para serem considerados canais nacionais incentivados, os programadores deverão exibir mínimo de doze horas diárias para produção de conteúdo audiovisual independente, a ser veiculada no espaço qualificado. Mudança grande em comparação com a proposta de Jorge Bittar que circulava na CCTCI e sugeria um mínimo de quatro canais por pacote.
Rojer manifestou desacordo em relação ao texto que agora volta à CCTCI. ‘A nossa proposta – que inclusive já foi pré-acordada com alguns deputados que a acham razoável – é de que este número de canais aumente conforme cresça o pacote’, explica. Assim, os chamados pacotes básicos teriam no mínimo um canal totalmente nacional e o número aumentaria, chegando a três nos pacotes maiores.
A criação das cotas mexeria fortemente com o mercado do audiovisual. As programadoras – empresas que organizam os pacotes de canais a serem ofertados pelas operadoras – negociariam os conteúdos com as produtoras independentes para preencherem os espaços das cotas. Hoje, boa parte desta relação acaba sendo entre empresas do mesmo grupo, mimetizando o modelo de negócios da TV aberta. A GloboSat, por exemplo, oferta um grande número de canais próprios – como Multishow, GNT, GloboNews – cujas produções são em sua grande maioria criadas ou realizadas por ela.
Fomento e regulação
Os membros da CDC também mantiveram a proposta de uso de 10% do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), taxa paga pelos concessionários de radiodifusão e empresas de telecomunicações, para a criação de um fundo de fomento à produção audiovisual, conforme a redação feita ainda na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Este ponto também pode ser revisto na CCTCI.
Para Rojer Madruga, deve ficar claro para quem este dinheiro será destinado. O produtor lembra que, em versões anteriores, ‘se falava apenas em destinação de verba para empresa brasileira de comunicação’, sem ter esclarecimento de que tipo de empresa trata-se. ‘Não adianta se ela [a verba] for só para as grandes produtoras’, afirmou.
Junto ao fomento, deve vir a regulação. Marcos Dantas, pesquisador da área de Comunicação e professor da PUC-RJ, observa que deve haver uma instância que regule o direcionamento das verbas de fomento, a qualidade da programação e o uso das cotas. No texto atual, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) é responsável pelo fomento à produção de conteúdo, fiscalização da produção e empacotamento (a criação de pacotes de canais).
Porém, não está claro o papel da agência em relação a pontos que já foram considerados em outros substitutivos, especialmente em relação à regulação do mercado, propriamente dito. Por exemplo, não está prevista uma instância que zele pelo ajustamento de conduta das empresas nos processos de análise da concorrência nas atividades de produção, programação e empacotamento. ‘Se for aprovado o tripé cotas, fomento e regulação, o projeto pode alavancar toda uma economia de audiovisual. O campo de comunicação é estratégico para um país’, disse Rojer Madruga