Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ricardo Boechat

BOECHAT vs. IVSON

"Boechat esclarece artigo de Ivson Alves", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/04/03

"Em seu texto desta semana neste Comunique-se, ?Colunas? Ai como doem!?, Ivson Alves cita uma coluna de um grande jornal que teria publicado uma nota errada sobre a Aneel. Comunique-se transcreve a seguir e-mail enviado por Ricardo Boechat, colunista do Jornal do Brasil, em esclarecimento ao artigo de Ivson.

Leia o texto na íntegra abaixo:

?Ivson,

Sua dissertação ?Colunas? Ai como doem!?, baseada na nota que publiquei sobre a Aneel, é matéria-prima de primeira qualidade para auto-análise, meu rapaz.

Não sei quantas notícias apurou na vida. Ou que manchetes estamparam seu faro de repórter. Como jamais o vi nas redações, arrisco supor que o ?saber abstrato? tenha inspirado a ?crítica? que você assinou no Comunique-se.

Vejamos:

Minha informação dizia que a Aneel decidira fixar prazo de 13 anos para que as concessionárias de energia elétrica estendam seus serviços a todo o território nacional. Classificava como ?de pai para filho? a iniciativa, que manterá na escuridão até 2016 – repito, até 2016! – partes significativas do país. E, finalmente, acrescentava que o Estado do Rio proporia a redução daquele prazo para 2006.

Não cabe qualquer retificação à notícia em questão.

A proposta fluminense foi oficializada pelo secretário de Energia Vagner Victer (ofício SEINPE n? 135/2003), nos termos que antecipei. Seu conteúdo repete opinião de TODOS os assessores da área de energia dos candidatos ao Planalto nas últimas eleições. Em seus debates eleitorais, esses assessores pregaram a necessidade de se adiantar para 2006 a chamada ?universalização? daquele serviço.

Provavelmente, a iniciativa do Estado do Rio, de agora insistir naquela proposta a nível nacional, tem motivações políticas, visando a pressionar o governo do PT a honrar o que sua atual ministra da Energia propugnou durante a campanha presidencial.

Súpero articulista,

Sua tentativa de desqualificar a notícia da coluna apenas acariciou os ?colegas assessores da Aneel?, que você, em curiosa ressalva, nega conhecer. Se eles ficaram ?umas araras e pensando porque raios o colunista atacou deste jeito a instituição? é porque sabem a quem devem fidelidade e obediência. E não é a mim.

Entendo que esses ?colegas assessores da Aneel?, seus colegas, defendam, por obediência funcional, planos que deixarão sem energia elétrica milhões de brasileiros, enquanto as concessionárias continuam concentradas em áreas de grande densidade populacional e lucros idem. O que me intriga são suas motivações, Ivson.

Talvez lhe pareça razoável que 2,4 milhões de propriedades e mais de 11 milhões de brasileiros não disponham de energia elétrica, em pleno século XXI. E que muitos assim permaneçam por mais 13 anos. Para você, ?atacar a instituição? que legaliza esse monumental absurdo trai algum tipo de ?comportamento onipotente? do colunista, ou sua vocação para ser ?a voz dos que não têm voz?.

Não sou voz de nada, nem de ninguém, ilustre crítico. Apenas apuro notícias e as publico. Neste tipo de garimpo não sobrevivem cagadores de regra. Só quem é capaz de manter fiel seu leitor. É claro que, tentanto antecipar fatos, se erra mais do que reproduzindo boletins oficiais. E eu erro muito. Quando erro, retifico, peço desculpas. Mas n&atildatilde;o caberia agir assim diante da notícia que tanto o deixou solidário à Aneel, aos seus ?colegas assessores? e às poderosas distribuidoras de energia elétrica.

Convém a você indagar-se honestamente, isto sim, de quem está sendo papagaio.

Boechat

PS: Espero que o ?profissional contratado? Milton Abrucio Junior e o estudante Marcio Mello, que inspirados em seu artigo puseram em dúvida minha moral e seriedade profissional, em mensagens que você reproduziu, reflitam se lhe faz jus, pelo exemplo exposto, o epíteto de ?face fundamental da imprensa brasileira?, cunhado por um sabujo, George Patiño, que há anos bajula colunistas cariocas, inclusive eu, no árduo esforço para plantar seus ?jabás?.?"

 


"Sem estresse!", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/04/03

"O meu vizinho de portal Moacir Japiassu já diagnosticara: Ricardo Boechat anda muito estressado. Mais uma prova desta pressão que o colunista do JB anda sentindo é a resposta que mandou para o C-se criticando a minha crítica e, claro, também o crítico. Como acontece normalmente quando se faz algo sob emoções negativas, o texto foi confuso e cheio de rancor, mas vai me servir para uma análise sobre algumas técnicas de respostas muito usadas por assessores de imprensa (e também advogados, políticos e outras profissões em que se ganha a vida tentando obter vitórias utilizando argumentos).

É bom esclarecer que Boechat, apesar de seu desprezo pelos assessores de imprensa, já exerceu este ofício: ele foi assessor-chefe do governo Moreira Franco, um governo ruim mesmo para os padrões de um estado em que não faltaram governos ruins nos últimos 25 anos. Assim, enquanto comia no prato da assessoria de imprensa, Boechat aprendeu as técnicas que pretendo analisar aqui.

Isto posto, vamos lá.

Desmentido confirmatório – Esta técnica reza que se o seu cliente (ou você) é acusado de várias coisas (ou você pode dividir a acusação em pelo menos duas partes), o assessor deve responder apenas aquelas para as quais tem uma resposta coerente, esquecendo as outras.

Boechat usou esta técnica ao tentar mostrar que eu o acusei de ter inventado a nota. Para embasar o seu argumento apresentou até o número do documento assinado pelo secretário de estado Wagner Victer que ele enviou à Aneel criticando o prazo proposto por esta para a conclusão da universalização do uso de energia elétrica no Brasil.

O problema é que eu não acusei o disto. Disse que ele não procurou a Aneel para ouvir o lado dela sobre a informação que lhe tinha causado tanta estranheza e sequer foi ao site da instituição para colher mais informações e cotejá-las com as que tinha obtido do governo do Estado do Rio. Como não tinha como desmentir isso sem faltar com a verdade, Boechat, seguindo a técnica, simplesmente ignorou a questão. É o que muitos jornalistas chamam na redação de ?desmentido confirmatório?.

Doutrina Garfield (ou Desvie e Confunda) – O nome vem de uma tirada do gato mais famoso do mundo: ?Se não pode vencê-los, confunda-os?. O objetivo da técnica é desviar a atenção da acusação principal para algo secundário ou – o que é melhor – para algo que nada tem a ver com a acusação.

Boechat usou esta técnica ao tentar fazer parecer que eu e os colegas da Aneel defendemos que milhões de brasileiros fiquem sem acesso à energia elétrica até a segunda década do Século XXI. Obviamente, não pensamos assim até por ser um absurdo, mas o fato de a acusação não ter pé nem cabeça não afeta a eficácia da ?Doutrina Garfield?. Afinal, ela não foi invocada com o objetivo de prová-la, mas de confundir as coisas. Neste caso específico, ela serve também para um terceiro momento do texto de Boechat, que segue abaixo. Outro ângulo que o uso da ?Doutrina Garfield? revela ao ser usada por Boechat é que ele aprendeu a usar a demagogia para confundir quem o lê.

Desqualificação do crítico – ?Não discuto com leigos!?. Quem tem por volta de 40 anos deve lembrar deste bordão de um personagem do Jô Soares. Era um médico pra lá de incompetente (não é o caso do Boechat, viu?) que, ao ficar sem saída diante das perguntas dos pacientes, mandava: ?Você é médico??. O interlocutor dizia que não e aí o Jô detonava o bordão.

Apesar de ser muito fácil de ser usado este método é uma tentação que deve ser vencida. É que ele expõe demais quem o usa, não só por ser óbvio, como por revelar que a crítica em si é irrespondível, e ainda deixar aberto um flanco pelo qual passam os preconceitos e as eventuais deturpações de visão de mundo de quem o usa. É um método bumerangue que só deve ser usado em último recurso, quando a crítica é tão devastadora e precisa que não reste outra saída.

No caso em tela, Boechat tenta desqualificar o crítico usando mais dois argumentos, além daquele de acusá-lo de querer manter os brasileiros pobres nas trevas:

– Que não se lembra de ter visto o crítico em redação e que por isso a crítica deve se basear na teoria. O estresse, vê-se, provoca a perda de memória. Boechat me viu sim em redação e até conversou comigo várias vezes, em 1986, quando eu fazia parte de uma força-tarefa do Globo que cobria as eleições para governador naquele ano (vencidas pelo futuro patrão do atual colunista do JB, Moreira Franco). A equipe era formada também por Agostinho Vieira, Múcio Bezerra e Domingos Trevisan, tendo como repórteres em início de carreira Leila Magalhães, Suzane Veloso e Yelmo Papa, todos coordenados por Mário Marona e que tinham como editores Lutero Soares e Luiz Mário Gazzaneo. Logo depois, Boechat deixou o Globo para ajudar Moreira a governar Rio , mas eu fiquei na empresa ainda mais um tempo, indo depois para outros jornais, onde muitos me viram e onde fiz muitos e prezados amigos e amigas.

Esta tentativa de desqualificação mostra também o preconceito de Boechat contra os ?teóricos?, aqueles que estudam a comunicação. Ele parece defender a tese de que há necessidade de nenhuma teoria para se fazer jornalismo, nem mesmo com o fim de aperfeiçoamento para o profissional e a profissão. Normalmente defendida por quem não estudou muito no passado e/ou não dispõe de tempo e/ou disposição para estudar no presente. Ainda assim é uma posição respeitável com a qual, no entanto, discordo frontalmente. Para mim, cortar teoria ou prática de uma profissão é o mesmo que tirar um perna de um ser humano – ele continua vivendo, mas sofrerá de uma série de limitações.

– A diferença da visão de mundo entre o Boechat e o colunista do C-se se revela totalmente quando o colunista do JB acusa os assessores de imprensa de tentarem agradar aos seus empregadores ao fazer o trabalho de informar as razões das instituições em que trabalham sobre os diversos assuntos que as afetam. Bom, aprendi com meus pais que ter um trabalho honesto e honestamente fazer jus ao salário percebido em contrapartida é algo positivo, um valor, algo para se sentir orgulho. Respeito o que parece ser a posição contrária a esta noção por parte do colunista do Jornal do Brasil, mas isso nos coloca realmente em posições antagônicas em termos de visão de mundo. Quanto a este ponto específico não há mesmo a menor possibilidade de convergência possível.

Menos é mais – A técnica aqui é admitir um erro menor para procurar desviar a atenção de um erro maior. É outra tática arriscadíssima, pois ao admitir o erro menor, ele não pode estar diretamente ligado à acusação que se sofre. Se assim ocorre, o erro menor acaba por desmascarar o erro maior e reforçar a acusação.

No caso de Boechat, ele admite que sabia que a Wagner Victer estava usando a proposta a ser levada a Aneel como ferramenta política (o que de resto era óbvio, afinal o cargo de secretário estadual de qualquer área é um cargo eminentemente político). O caso é que, ao admitir isso,o colunista do JB acaba reforçando o questionamento básico da crítica: por que não procurou a Aneel ou ao menos foi ao site da instituição? Com a Aneel, por exemplo, ele apuraria que o custo da universalização do uso de energia elétrica no Brasil será de, no mínimo, R$ 7 bilhões, podendo chegar a R$ 10 bilhões. Isso o levaria de volta a Victer para perguntar de onde o secretário acredita que governos dos três níveis e empresas poderiam tirar esta quantia até fins de 2005. Ao deixar de praticar, em plena consciência, o bê-a-bá do jornalismo (ouvir sempre o outro lado e desconfiar de toda e qualquer fonte), Boechat, também conscientemente, deixou que sua coluna servisse de arma na luta política. É outra posição respeitável do colunista, desde que ele assuma esta visão perante seus leitores e não procure se mostrar ?isento?.

Bom, essas são as minhas considerações sobre a resposta de Boechat à minha coluna anterior. Poderia fazer outras, mas aí extrapolaria os limites da crítica jornalística e entraria num campo do saber sobre o qual devem falar apenas profissionais especializados, munidos de experiência e sensibilidade, que saibam manejar um corpus teórico sólido, e que cumpram a exigência ética de tratar dos assuntos de seus clientes sob sigilo profissional.

Para encerrar, agradeço aos amigos, amigas e antigos desconhecidos que, por emeios e telefonemas, me prestaram apoio no episódio. Valeu, pessoal!

Mais do mesmo – Mais doses de veneno paranóico, turbinadas com outras análises tresloucadas e, até, informações relevantes? Então assine o devezemquandário Coleguinhas Por Mail, mandando emeio para cpm@coleguinhas.jor.br. Não tem mais burocracia que isso (bem, tem umazinha do yahoo, mas é indolor…) e, melhor de tudo, é ?de grátis?!

Um adendo: o número de pedidos de inscrição na CPM cresceu muito por conta da resposta do Boechat – quase o mesmo que depois do arranca-rabo com outro Grande do Jornalismo Carioca (é, parece que se está tornando uma espécie de casta) do qual devem se lembrar os que acompanham a Coleguinhas desde a Primeira Era. Por isso, posso não responder às solicitações tão rapidamente quanto de costume, mas vou responder, ok? Valeu a compreensão!"