Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

De volta ao passado

MÍDIA & GOVERNO LULA

Chico Bruno (*)

Desde que se elegeu presidente da República, em outubro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva somente concedeu entrevistas à Rede Globo de Televisão (Fantástico e Jornal Nacional), ao jornal Washington Post e à revista Time. Na época das entrevistas, alguns jornalistas reclamaram do privilégio. Como o novo governo se fez de surdo, todos esqueceram o assunto. Ficou o dito pelo não dito.

Agora, a falta de contato direto do presidente Lula com a imprensa voltou à baila. Na sexta-feira (16/5), o jornal Valor Econômico tratou do assunto com destaque. Seguindo a trilha, no domingo (18/5), a Folha de S.Paulo deu ampla cobertura à falta de relacionamento direto entre o presidente e a imprensa. O jornalão paulista dispensou amplo tratamento ao assunto, incluindo artigo da colunista política Eliane Cantanhêde [veja a reprodução dos textos na rubrica Entre Aspas, nesta edição].

A matéria informa que há 222 pedidos de entrevistas. Faz correlações entre os últimos ditadores e presidentes. Demonstra que, ao contrário de Lula, que preferiu cadeia de rádio e televisão para falar dos primeiros 100 dias de governo, seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, concedeu coletiva a mais de 100 jornalistas para marcar igual período de seu primeiro governo. Cita, ainda, os 74 discursos do presidente Lula como forma de interação com a população.

A matéria insinua, em declarações de assessores próximos do presidente, que evitar o contato direto com jornalistas é uma decisão pessoal do presidente Lula. Ao contrário das declarações dos assessores, uma análise detalhada da estratégia montada pelo Planalto indica que a decisão não é pessoal: é uma imposição dos especialistas em comunicação que rodeiam o presidente e atuam em comum acordo com o formulador do marketing presidencial.

Como Getúlio e os generais

Uma rápida vista d?olhos sobre as mesas dos executores da política de comunicação social bastaria para se concluir que as pesquisas de opinião pública, tanto qualitativas como quantitativas, é que estão influenciando o comportamento arredio de Lula com jornalistas. Basta lembrar, ainda, que o Lula de antanho fazia questão de preservar o contato direto com a imprensa, até como forma de avaliar sua performance. Na maioria das vezes, perguntava mais aos jornalistas do que o contrário. Ele gostava de ouvi-los sobre os mais variados assuntos. Portanto, é incomum o comportamento atual, que só pode ser entendido como decisão técnica imposta pelas pesquisas e pelo formulador do marketing presidencial.

Na matéria da Folha há algumas pistas que explicam o raciocínio, como evitar o confronto com perguntas indesejadas, a não-necessidade de intermediação da imprensa para transmitir as mensagens de Lula, haja vista que a popularidade do presidente continua alta, e não ter muito o que mostrar, mas muito o que explicar, principalmente os desencontros dos primeiros quatro meses e meio de governo.

Para reforçar a tese, tem-se a estratégia clara do gerenciamento ou dirigismo do noticiário pelo Palácio do Planalto, a partir dos 74 discursos de Lula que ganharam grande destaque na mídia, sem o questionamento direto de uma entrevista. Um fato que passou despercebido dos repórteres da Folha e do Valor Econômico é que a ordem é não conceder entrevistas individuais ou coletivas, mas matérias sobre o dia-a-dia do presidente serão bem-vindas, como o foi a do repórter Bob Fernandes publicada há algumas semanas na Carta Capital.

Aliás, o único indicativo de que a ordem de não conceder entrevistas parte de Lula estaria numa saudação que fez à imprensa, em Rio Branco (AC), durante encontro com governadores da Região Norte, quando fez menção “aos jornalistas que nem sempre escrevem o que a gente diz”. Fora essa declaração, os repórteres que cobrem o cotidiano do presidente têm aturado safanões ou impropérios dos seguranças presidenciais, acatando ordens dos profissionais da comunicação da Presidência da República.

Ao que parece, em termos comunicação social, o atual governo está mais para os tempos de Getúlio Vargas e dos generais presidentes do que para os novos ares da democracia brasileira.

(*) Jornalista