FARRA-DO-BOI
Monitor de Mídia (*)
Mesmo proibida há seis anos, a farra-do-boi ainda é realizada em várias regiões do litoral catarinense. Como não poderia deixar de ser, equipes de jornalistas e da Polícia Militar ficam à espreita das movimentações dos farristas na Semana Santa, época em que a tradição é resgatada. Neste ano, as prisões dos fora-da-lei e as apreensões dos animais voltaram às páginas da imprensa nacional, já que o evento alcançou dimensões que extrapolam as fronteiras estaduais.
Muito mais próximo das ocorrências e da polêmica que o assunto causa, os jornais catarinenses apenas se limitaram a uma cobertura factual, bem concentrada nos registros. Houve pouco aprofundamento nas matérias, com um ou outro resgate histórico recente. Por outro lado, os textos estavam impregnados de um tom alarmista, ressaltando a violência dos participantes da farra e a insegurança de quem é contrária a ela.
De maneira geral, os três maiores jornais locais parecem ter-se cansado de cobrir um assunto que se repete há anos. A correria atrás dos animais, os protestos dos ambientalistas, a advertência de que a prática é ilegal, tudo isso já foi exaustivamente tratado pelos meios de comunicação nos últimos tempos. Na leitura dos jornais, a sensação que fica é a de que a cobertura ficou burocrática, sem criatividade, apenas para atender a um compromisso do calendário jornalístico.
Leitor se posiciona; jornal, não
Observado o espaço dado para a farra-do-boi nas páginas de opinião dos jornais catarinenses, este Monitor de Mídia analisou edições no período de 1? a 21 de abril.
No Diário Catarinense, o assunto foi muito tratado na seção de cartas. Nas 18 edições analisadas, foram publicadas 17 cartas sobre o assunto, a maior parte com declarações que expressavam indignação. Exemplos não faltam. Uma carta publicada no dia 7 traz: “A farra deixou (há muito) de ser cultura para tornar-se a mais vergonhosa característica do folclore da Ilha”. Dois dias depois, pode-se ler: “É inadmissível que ainda haja pessoas se divertindo com a farra do boi. Maltratar um animal e gozar com isso os transforma em seres nojentos”. Na edição do dia 13: “Para a crueldade não há justificativa. A farra do boi é uma tradição negativa, de violência e desrespeito à vida”, e, mais adiante: “É preciso que o Ministério Público tome providências urgentes no sentido de evitar a realização das cruéis farras do boi”.
Enquanto os leitores tomavam posição, editoriais e artigos deixavam o assunto de lado. Uma exceção ocorreu em artigo publicado no dia 18. Intitulado “O crime da farra”, defendia que “explorar a irracionalidade animal é mais barato e rentável politicamente”.
No Jornal de Santa Catarina, foram publicadas quatro cartas. Três delas criticavam a manifestação e outra afirmava que “Temos de mostrar que somos coerentes. Se abolirmos a farra, temos que abolir também os rodeios, pois são maus tratos de igual proporção”. Não há nenhum editorial ou artigo nas páginas de opinião do Santa relacionado ao tema.
Conforme o espaço opinativo do jornal A Notícia, a impressão era de que a farra não estava ocorrendo no Estado. O assunto não foi tema de nenhum editorial, artigo ou carta. Uma explicação para ausência do assunto na seção de cartas pode ser o pouco espaço destinado a elas. São publicadas, em média, duas cartas por edição. Mesmo assim, nos dias 13, 17, 20 e 21, apenas uma ocupava tal espaço.
Informações desencontradas e consulta às mesmas fontes
Quanto ao conteúdo informativo, foram analisadas sete edições dos três principais jornais catarinenses, de 15 a 21 de abril. A farra-do-boi é assunto já no dia 15, com o flagrante do vice-prefeito de Tijucas, cidade onde a manifestação é tradicional, participando da farra, e morte de um participante por motivo de afogamento em Barra do Sul. Paulo César da Silva foi encontrado morto no dia 6 de abril, quase uma semana antes.
O jornal AN ressalta o fato de a vítima ter morrido por afogamento quando era do Corpo de Bombeiros e salva-vidas.
O Diário Catarinense traz maior variedade de depoimentos sobre o assunto, também no dia 15. Na matéria “IML libera laudo sobre morte”, a vítima é citada primeiro como pescador para depois ser referida como bombeiro e salva-vidas. São apresentadas três versões da morte, ouvidas entre a população. Primeiro, Paulo César teria caído numa vala, ferido por um boi, e morrera afogado. Segundo, ele teria nadado em uma vala e trancado os pés em algas. Terceiro, o boi caíra em uma vala e a vítima teria tentado salvá-lo. Tanto em AN quanto no DC, a cobertura foi informativa, sem tendência de opinião explícita ou condenações e denúncias. O Santa não noticiou o fato.
No dia 17, o AN volta a falar do assunto, sem destaque, para divulgar a decisão do delegado responsável pelo caso, garantindo que o bombeiro morrera por afogamento. Em 18 de abril, o AN publicou a matéria “Polícias reforçam ações de combate a farra-do-boi”, de quase uma página, sobre o assunto. Como era Sexta-Feira Santa, o dia mais tradicional para a realização da farra, o jornal resolveu destacar que a polícia estaria na capital e no litoral norte, áreas mais tradicionais, com atenção redobrada. O texto citava todos os reforços solicitados pela polícia e dizia que os praticantes seriam presos. Ao leitor era passada a impressão de que estava tudo sob controle.
De maneira geral, os textos publicados usaram de um tom imparcial e informativo. Percebe-se que não são ouvidos farristas ou pessoas que defendam a manifestação. Na maioria, são ouvidas pessoas com posição contrária ao assunto e que se sentem inseguras com animais soltos pelas ruas. Movimentos ecológicos também são ouvidos. Embora no AN, por exemplo, seja ouvida sempre a mesma pessoa (Halem Guerra, do Instituto Ambiental Ecossul e representante da Sociedade Mundial para Proteção dos Animais).
A pluralidade de fontes no período mostrou-se reduzida e em vários casos foram ouvidas apenas fontes oficiais. É o caso de duas matérias: “Farra do Boi desafia polícia” (19/4) e “Farristas enfrentam a polícia” (20/4), ambas no Santa. É ressaltada a violência de farristas contra policiais, a cobrança de pedágio de motoristas que passavam pelo local, para a compra de um boi, entre outros fatos. A matéria também dá espaço aos desabafos da população que é contra a farra e, muitas vezes, cala-se por medo de agressão por parte dos próprios participantes da manifestação. “Farristas enfrentam a polícia” aparece na íntegra, no dia 20, no outro jornal do Grupo RBS, o DC.
Em geral, declarações de vítimas ou de moradores de regiões onde a farra é praticada são bastante irrisórias em comparação às fontes oficiais, principalmente a polícia.
Além destes aspectos, a farra-do-boi não ocupou grandes espaços nos jornais catarinenses. Os periódicos dedicavam um espaço de no máximo meia página ao assunto, muitas vezes com fotos maiores que o tamanho das matérias, restando desta forma um espaço mínimo à contextualização, ou melhor, à informação. Por exemplo, a matéria da edição dos dias 19 e 20 do Santa, que ocupou aproximadamente um quarto de página, ou então a matéria do A Notícia do dia 21, em que a matéria ocupou meia página, mas o subtítulo “Barricadas” trouxe informações em apenas 9 linhas.
(*) Projeto de acompanhamento sistemático dos jornais catarinenses. A iniciativa é de alunos e professores do curso de Comunicação Social ? Jornalismo da Univali (SC). No ar desde 2001, o projeto tem coordenação do professor Rogério Christofoletti.