Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um esqueleto no armário



‘Quando se busca o entendimento de determinados acontecimentos é regra necessária retroagir no tempo para encontrar e entender os verdadeiros motivos do ocorrido no presente.’


Após desligar o telefone celular que me informara que uma promotora – acompanhada de uma dezena de policiais, dois fardados e o restante em traje civil  – acabava de entrar na redação do portal Novojornal para cumprir um mandado de busca e apreensão, veio-me a mente meus 10 anos de idade, na solidão de um colégio interno no interior de Minas Gerais, indagando ao padre Henrique, um salesiano franzino e de fala baixa, sobre o que estava acontecendo no mundo real, fora da fortaleza do Colégio Dom Bosco, instalado no antigo quartel da cavalaria da guarda imperial portuguesa, onde serviu o alferes Tiradentes, em Cachoeira do Campo, na época distrito de Ouro Preto. Estávamos no período conturbado que antecedeu o golpe de 1964. Dentre outros ensinamentos, aprendi com o padre Henrique o método reproduzido na epígrafe deste texto.


As indagações feitas com meu inseparável e eterno amigo, depois compadre, hoje falecido, Roberto Versiani Valadares, diziam respeito às notícias que chegavam através do rádio e tinham a ver com meu pai, que ocupava na época o cargo de prefeito de Belo Horizonte. Meses depois seria afastado e cassado em seus direitos políticos.


O tempo passou, vieram às eleições estaduais de 1982 e Tancredo Neves elegeu-se governador de Minas Gerais. Participei ativamente de sua campanha, minha gráfica confeccionou gratuitamente todo material dos candidatos que o apoiavam na região metropolitana de Belo Horizonte.


Depois de eleito, devido à estreita relação de minha família com a de Tancredo, o governador mandou me chamar a seu apartamento situado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Ele solicitou então que ajudasse seu neto, Aécio, porque ele estava vindo morar em Minas.


Foi o que fiz. Briguei com todas as jovens lideranças do PMDB, principalmente as da capital, e participei das articulações que elegeram Aécio Neves dirigente do PMDB Jovem. Ali começava a vida política do atual governador de Minas. Juntos, participamos da Campanha das Diretas e a seguir da campanha de seu avô à Presidência da República. Com a morte de Tancredo, afastamo-nos. Em 2002 nos reaproximamos novamente, ao disputarmos a eleição para governador de Minas. Muitos inclusive afirmavam que minha candidatura servira apenas para auxiliar Aécio, no combate ao candidato Newton Cardoso.


Objetivo maior


Aécio foi eleito e implantou medidas de austeridade, mas ao término do primeiro mandato já integravam seu governo figuras totalmente descomprometidas com a moralidade pública. Seu comportamento ultrapassava em muito o limite ético e até mesmo cerimonial exigido de um governador. Mas eu tomava conhecimento desses fatos apenas por intermédio de políticos adversários do governador, e por isso suspeitos em seus relatos.


Eu havia mudado para minha terra natal, Visconde do Rio Branco, interior de Minas. Lá permaneci até julho de 2004, quando sofri um acidente automobilístico que me obrigou voltar a Belo Horizonte e permanecer na cama, em recuperação, por mais de um ano. Foi quando comprei um computador com conexão à internet, e um mundo todo novo se abriu para quem não se adaptara sequer às modernas máquinas de escrever elétricas.


Já tinha experiência da área jornalística, pois havia dirigido dois jornais diários na capital, o Jornal de Minas e Diário de Minas. Na internet, evidentemente estava atrás de notícias. E percebi então que existia uma enorme fatia de mercado disponível para ser ocupado por um sítio de notícias online.


Não deu outra: em 2006, ao sair da cama, aluguei uma loja, comprei quatro computadores a prestação, providenciei a instalação de cabos, redes e outras adaptações necessárias para funcionamento do Novojornal, agora retirado do ar pelo Ministério Público de Minas e pela Polícia Militar [ver ‘O empastelamento do Novo Jornal‘].


De volta ao meio jornalístico no início de 2006, tomei conhecimento do que estava acontecendo em Minas Gerais. Denúncias, acompanhadas de farta documentação comprobatória das irregularidades, chegavam diariamente à nossa redação. Diversas vezes fui questionado pela não publicação desse material.


Crente no espírito cristão da recuperação humana – e em função do respeito que sempre tive em relação ao seu avô Tancredo –, entregava pessoalmente as denúncias contra Aécio Neves à sua irmã Andréa, aconselhando que tomassem as medidas necessárias. De nada adiantou. Diante disso, fiquei decepcionado e com a consciência pesada – assim como grande parte dos companheiros de Tancredo – por ter ajudado a introduzir na política do estado um político que liquidaria qualquer princípio ético e moral da sociedade mineira para, em seu nome, utilizar-se de um cargo público para chegar à Presidência da República.


Decidi que dali em diante os assuntos relativos a irregularidades praticadas pelo governo mineiro, assim como pelos demais poderes, seriam apuradas e, se comprovadas, publicadas pelo Novojornal.


Artifício capcioso


Sem qualquer dependência comercial, com custos baixos e vivendo apenas do arrecadado por meio de anúncios, o Novojornal foi um sucesso. E isto deve ser creditado à independência e qualidade de nossos jornalistas, à publicação de matérias investigativas e à ajuda e assessoria da velha guarda do jornalismo mineiro.


Todas as matérias investigativas publicadas pelo Novojornal foram sempre acompanhadas de documentos e provas que as fundamentavam. Nas poucas vezes que fomos questionados judicialmente, argüimos a exceção da verdade e provamos que o noticiado era verdadeiro. Este procedimento passou a incomodar aos poderosos, que perderam a tradicional prática chantagista de ameaçar ‘processar’ o contendor.


A esta altura, não era mais segredo para ninguém que em Minas a censura à imprensa transformara-se em regra oficial. A publicação de matérias no Novojornal questionando o comportamento de autoridades como o governador, procurador-geral, presidente da Assembléia Legislativa, deputados estaduais, conselheiros do Tribunal de Contas, para ficar apenas no plano estadual, destoava do noticiado pelos demais veículos – o que os obrigava a abordar, mesmo que superficialmente, esses assuntos.


A denúncia de irregularidade em licitações de obras e compras do governo estadual nas empresas Cemig, Copasa e Codemig, além de algumas prefeituras municipais, inclusive a da capital, passaram a incomodar, além dos governantes, empresários de diversos setores.


O comportamento do procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares, de impedir o andamento de investigações contra integrantes dos três poderes e de grandes empresas foi amplamente noticiado e questionado pelo Novojornal. Quando o Ministério Público lançou a campanha ‘O que você tem a ver com a corrupção’, aproveitando-se do tema e do selo o Novojornal dirigiu a pergunta ao procurador-geral. Este não aceitou a crítica e ofereceu uma denúncia que, ainda na fase de inquérito, sem sequer ter-se transformado em um processo, recebeu decisão favorável de um juiz para a retirada do Novojornal da internet.


Ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, o Novojornal encontra-se rigorosamente dentro da lei, inclusive com diretor-responsável registrado na DRT, detentor do MTE nº 000311/MG, respondendo o mesmo por todas as matérias não-assinadas publicadas no Novojornal. Prática adotada conforme disposto no art. 8º I e 28º II da lei 5.250/67 e art. 5º do Decreto-Lei nº 927/69, alterado pela Lei nº 5.696/71 e nº 6.612/78 e nº 6.727/79 e nº 7.360/85. Dessa forma, comprovado está que jamais existiu o anonimato argüido pelo MP-MG. Inclusive o diretor-responsável e o endereço de sua sede encontram-se registrados no Registro.br, cadastro oficial de todos os sítios da internet no Brasil.


Como os artigos nº 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal, para atender o interesse do procurador-geral utilizaram-se do lamentável artifício de argüir o anonimato. Evidente que ao Ministério Público caberia evitar que ocorresse a quebra da liberdade de imprensa. Mas deu-se o contrário: por esse artifício, o MP-MG vem descumprindo a Constituição Federal, que atribui à polícia civil a competência de polícia judiciária.


Negócio nebuloso


Instalado no 3º andar da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, há um serviço de informação administrado e operado por militares da área de informação da Polícia Militar, oriundos da Casa Militar do Palácio da Liberdade. Por meio de um sofisticado equipamento de espionagem, que inclui escuta telefônica, o Executivo mineiro é municiado diariamente de informações que seriam legalmente de domínio e conhecimento apenas do Poder Judiciário, mediante autorização de um juiz.


O Novojornal estava com uma matéria pronta para ser publicada, comprovando o monitoramento realizado por esse serviço clandestino de informação das atividades de deputados estaduais, desembargadores, alguns juízes das varas da Fazenda Pública e delegados, líderes sindicais, religiosos e partidários mineiros. Este ‘SNI’ do MP-MG vem monitorando até mesmo funcionários públicos suspeitos de serem contrários ao governo. A justificativa para existência desse serviço secreto é a de combater o crime organizado.


Já havíamos noticiado que o ‘SNI’ do MP-MG há mais de um ano vinha nos monitorando ‘informalmente’. Agora, comprovadamente o está fazendo de maneira oficial desde junho deste ano, conforme demonstra o inquérito nº 0024.08.141.377-5.


Cabe uma indagação. Por que estavam monitorando quem acessava o Novojornal à procura de notícias? Que crime esse ou essa internauta estaria cometendo? Desde 2007, toda a rede de internet que serve a repartições do governo mineiro impede o acesso ao endereço do Novojornal.


A busca e apreensão efetuadas na quinta-feira (14/8) por agentes da PM 2 no Novojornal tinham outras finalidades: estavam à procura da documentação que nos permitiria comprovar duas matérias praticamente nascidas em nossa redação: a lista de Furnas e a compra da Light pela Cemig.


No caso da lista de Furnas, os arquivos procurados demonstram que a lista confeccionada por Dimas Toledo não é apenas legítima, mas foi baseada em outra lista constante de uma correspondência encaminhada pelo secretário de Governo Danilo de Castro, em papel timbrado do governo de Minas Gerais e em nome do governador.


No caso Light-Cemig, as declarações de imposto de renda da empresa Lidil Comercial Ltda. dos exercícios de 2006 e 2007, tornadas públicas nos autos de Ação Popular, Processo nº 0024.08.008.068-2 em tramitação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Empresa detentora de apenas 4% do capital da Light S/A, as declarações comprovam que a Cemig, ao adquirir a Lidil por meio da Rio Minas Energia (RME), assumiu uma dívida de R$ 482 milhões – e desta forma pagou por 4% das ações da Light S/A quase o mesmo valor pago por 75% de ações da mesma empresa.


Instituição desvirtuada


Foi imposta ao Novojornal uma condenação antes mesmo da apuração da denúncia, que se procedente transformar-se-ia em processo onde poderíamos nos defender. O Ministério Público requereu e o juiz autorizou que o Novojornal fique fora do ar ‘enquanto durarem as investigações’.


O método adotado não é novo. Em 1995, o atual procurador-geral Jarbas Soares, na condição de promotor eleitoral, fez o mesmo com o jornal Diário de Minas, também em período eleitoral, por causa de denúncias publicadas sobre irregularidades praticadas pelo então candidato ao governo de Minas, Eduardo Azeredo. O jornal ficou impedido de circular durante o período das eleições. Depois do pleito, uma juíza hoje desembargadora desculpou-se, liberando a circulação do jornal e confessando que estava enganada. O jornal foi prejudicado na sua periodicidade, perdeu anunciantes e foi obrigado a fechar as portas.


Outra vez, coincidentemente no período eleitoral e um dia após a publicação de uma entrevista com o ex-deputado Rogério Correia, dissidente e opositor da candidatura da aliança ‘informal’ PT-PSDB à prefeitura de Belo Horizonte, denunciando o comportamento do governador mineiro, principal articulador da aliança, ocorre a ‘busca e apreensão’ e a retirada do ar do Novojornal.


Empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), inconformados com a entrevista, avisaram-me que estávamos atrapalhando o projeto político do governador. Para os que apóiam o candidato da coligação ‘informal’ PT-PSDB, foi estratégico o bloqueio do servidor de um sítio de internet que contém uma enorme quantidade de matérias denunciando práticas criminosas do candidato apoiado pelo governador, e que fatalmente seriam utilizadas no horário eleitoral gratuito.


Se estávamos atrapalhando o projeto político do atual governador de Minas Gerais não sabemos: cumpríamos apenas nosso dever de informar.


Todos mineiros com alguma responsabilidade assustam-se com o comportamento dos integrantes dos poderes legislativo e judiciário, que fazem de conta não estar vendo que somos governados por alguém que não governa, apenas atende aos interesses dos grupos econômicos que comandam o estado.


Pior ainda: o Ministério Público, que em outras épocas chegou a destituir um de seus membros por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, nada faz diante do comportamento de seu atual procurador-geral, que primeiro transformou a instituição numa repartição do Executivo, depois num enorme incinerador de investigações e, agora, em serviço de informação e repressão política, ideológica e partidária.


O procurador desvirtuou uma instituição criada para fiscalizar e defender o cumprimento das regras do Estado Democrático de Direito, transformando-a em embrião de um temido e tenebroso Estado de exceção. Promotores e procuradores do Ministério Público mineiro com mínimo conhecimento de suas funções deveriam comparecer ao 3º andar do prédio da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, para conhecer o que ali se encontra instalado.


Poderes transitórios


O Novojornal reconhece de público a existência em Minas Gerais de juízes, desembargadores, promotores, procuradores e membros da Polícia Militar Gerais que não concordam com o que está acontecendo. Ao contrário do que se imagina, querem mudanças e precisam apenas do apoio da opinião pública para promovê-las, mantendo a autonomia e a independência de cada instituição.


O Novojornal foi apenas o primeiro. Se providências não forem tomadas, outros serão igualmente sacrificados. Nossas reportagens jamais tiveram o objetivo de difamar ou prejudicar a carreira do governador ou de qualquer político. Seus aliados podem cometer a arbitrariedade de retirar Novojornal do ar, mas honrosamente não vamos negociar: recorreremos ao Poder Judiciário na busca da correção dessa injustiça.


Ao contrário do que alegam, não existe qualquer anonimato. O responsável pelo Novojornal de acordo com a lei sou eu: Marco Aurélio Flores Carone. O procurador-geral de Justiça e o governador de Minas sabem onde me encontrar. Humildemente lanço um desafio público a eles, para que me processem e provem que o Novojornal em qualquer momento publicou uma notícia que não estivesse fundamentada em documentação e provas.


Ao contrário do que imaginam o governador e o procurador-geral, o fechamento do Novojornal, assim como seus transitórios poderes, não será capaz de impedir a retirada de um esqueleto do armário da política nacional. Antes que ele venha assombrar as futuras gerações.

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Publicitário, diretor-responsável do portal Novojornal, registro MTE nº 000311/MG