Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fernanda Dannemann


CINEMA BRASILEIRO NA TV

“Sem cartaz”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“APESAR da boa audiência que alcançam na TV aberta (veja quadro), os filmes nacionais da nova safra ainda são raros na TV brasileira, onde reinam as produções norte-americanas. Na Globo, que veicula aproximadamente 120 filmes por mês, neste ano foram exibidos dez nacionais. Na Rede TV!, na Record e no SBT, só há títulos estrangeiros. Na Gazeta, nem isso. ?São poucos os filmes nacionais e, geralmente, são co-produzidos pela Globo, com seus artistas. Se liberassem os filmes com a Xuxa, com o Antônio Fagundes e com o Rodrigo Santoro para o mercado, o SBT seria o primeiro a exibi-los?, posiciona-se o canal de Silvio Santos, através da assessoria de imprensa. A Band, que diz ter obtido ?ótimo retorno? com a sessão ?Cine Band Brasil?, agora está dando preferência aos programas ao vivo. Filmes, só clássicos estrangeiros nas noites de domingo. A TV Cultura não exibe filmes de fora e veicula oito nacionais por mês. São longas antigos e co-produções de que a emissora participou através do PIC-TV (Programa de Integração TV-Cinema), que gerou investimento em 48 filmes, 19 ainda inéditos no canal.

Hegemonia

?A TV sempre procurou o ?blockbuster?, mas, atrelado a ele, vem um pacote de filmes ruins. É a política americana de hegemonia cultural no planeta. Se não controlarmos, vamos continuar vendo enredos violentos, racistas e conservadores?, diz Toni Venturi, diretor de ?O Velho?, sobre o líder comunista Luiz Carlos Prestes, e o premiado ?Latitude Zero?, inédito na TV. Fernando Meirelles, diretor de ?Cidade de Deus?, diz que a produção nacional ainda é pequena. ?Se uma emissora quiser programar um filme nacional por semana, precisará de 68 por ano. Em 2002, que foi espetacular, foram lançados pouco mais de 50?, afirma. ?Cidade de Deus?, aliás, será exibido na Globo em 2004, numa versão com os 42 minutos cortados do original, em quatro episódios de 45 minutos. Walter Salles, diretor de ?Central do Brasil?, exibido três vezes na Globo -na primeira, em 1999, teve 49 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 48,5 mil domicílios em SP)- preferiu publicidade na emissora para o lançamento ao pagamento em espécie. ?Em dinheiro, o valor não teria ultrapassado o de um filme americano feito para a TV?, diz Salles. ?A Globo só veicula filmes da Globo Filmes, e isso é uma distorção. Não dá para promover só a prata da casa?, diz Toni Venturi. Mas o diretor Luiz Fernando Carvalho, mais conhecido do público pelas novelas que dirige na Globo, não teve a co-produção da emissora no longa ?Lavoura Arcaica?. Segundo ele, o filme ?não será vendido para nenhuma TV do mundo?. ?Nunca me interessei por qualquer acordo com as TVs por entender que o filme e eu seríamos sacrificados. ?Lavoura? dificilmente poderia ser dividido para a entrada de comerciais?, afirma.

Preço

Se há uma unanimidade entre os cineastas brasileiros, é quanto ao preço pago pelas emissoras. ?Você negocia durante meses, e os valores são muito, muito baixos?, diz Sara Silveira, produtora de ?Durval Discos? e ?Bicho de Sete Cabeças?.

?Quando você consegue uma boa venda, não passa de R$ 10 mil. Eu nunca vendi filmes para a TV aberta por total falta de interesse dela?, afirma.

?É uma vergonha. Um filme brasileiro que fez 2.000 espectadores no cinema vale menos do que um americano com o mesmo público. No caso da Globo, eles pagam de três a quatro vezes mais pelo filme estrangeiro?, diz Meirelles.

Carla Camuratti, diretora de ?Carlota Joaquina?, considerado exceção por ter sido vendido para a Globo por R$ 60 mil, há três anos, acredita numa ?visão errada de marketing por parte das TVs?.

Ela diz que não foi procurada para negociar seu ?Copacabana?.

Andrucha Waddington, que prefere não divulgar por quanto vendeu ?Eu Tu Eles? para o canal pago HBO e para a Globo -onde o filme estreará ainda neste ano-, concorda.

?Se não houver uma reestruturação das leis em relação à produção nacional, será difícil haver uma mudança?, diz.

?As TVs brasileiras não atuam como concessões públicas nem ajudam na democratização audiovisual. Funcionam como cartórios eletrônicos?, diz Salles.

Ugo Giorgetti, que se prepara para filmar ?Boleiros 2?, crê que a TV deveria abrigar os cineastas: ?Cinema não é diferente. Poderíamos fazer minisséries. O que eu quero é me expressar?.”

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“Globo diz que não discrimina”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“?Não é verdade que a Globo só veicula a Globo Filmes. Neste ano teremos ?Eu Tu Eles? e ?Avassaladoras?, e já tivemos ?Bossa Nova?, diz o diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger.

Criada em 1997, a Globo Filmes participou de 15 produções, e, segundo a emissora, sete estão entre os dez filmes brasileiros mais vistos nos últimos anos.

Erlanger também afirma que a contribuição da Globo vai além da veiculação. ?Quando os produtores nos vendem seus filmes, antes mesmo de eles serem exibidos nos cinemas, preferem pagamento em mídia. A publicidade alavanca a bilheteria e, um ano depois do circuito nos cinemas, quando então vamos veiculá-los, pagamos um adicional, já que os preços são pré-fixados de acordo com o número de espectadores.?”

“Canal Brasil pode sair do ar”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“Na TV paga, os filmes nacionais também não têm espaço garantido. O Canal Brasil, único no país dedicado exclusivamente a produções brasileiras, está em crise.

O canal possui um acervo de 600 filmes e, de acordo com o diretor, Wilson Cunha, vem trabalhando na aquisição de novas obras e na restauração de filmes antigos. Mas tem dificuldade de faturamento. ?Para você sair do ar basta estar no ar. E eu diria que neste momento estamos lutando para que isto não aconteça?, diz.

Segundo Cunha, o canal foi criado na expectativa de que fosse veiculado por todas as operadoras. Ele diz que a chamada Lei do Cabo, que regulamenta o setor, obriga as operadoras a oferecerem pelo menos um canal exclusivo de filmes brasileiros. Só que ninguém cumpre.

Em função disso, o Canal Brasil encaminhou uma queixa formal à Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, que fixou um prazo de 90 dias para tomar uma posição.

As operadoras dizem que, por ser o único, o Canal Brasil cobra um preço incompatível.”

 

SBT

“A viagem das palavras”, copyright Folha de S. Paulo, 17/05/03

“Depois de tentar tirar o Campeonato Brasileiro da Globo, de negociar as transmissões da Série B e de articular a volta da Taça Rio-São Paulo, o SBT vai se contentar mesmo é com torneios menores, que não interessam à rival. Nesta semana, a emissora fechou contrato com a agência de marketing esportivo Traffic para transmitir a Gold Cup (Copa Ouro), torneio de seleções com jogadores com menos de 23 anos e que acontece entre 12 e 27 de julho nos Estados Unidos e no México. Nessa faixa etária, enquadram-se Robinho, Diego e Kaká, sensações do futebol brasileiro.

Participam da Copa Ouro Brasil, México e Honduras (que jogarão na primeira fase na Cidade do México), além de Colômbia, Guatemala, Jamaica, Estados Unidos, El Salvador, Martinica, Costa Rica, Canadá e Cuba. Os dois primeiros jogos do Brasil serão no dia 13, contra o México, às 14h (horário de Brasília), e no dia 15, às 23h, contra Honduras.

Também nesta semana, Record e Globo retomaram as negociações pela Série B do Brasileiro, que tem Palmeiras e Botafogo-RJ. A Globo deve exibir os jogos do quadrangular final, e a Record, da primeira fase do torneio. Na Record, havia ontem de manhã a expectativa de iniciar as transmissões na rodada de hoje à noite. Até o fechamento desta edição, a negociação não estava concluída.”

 

TV PARA CRIANÇA

“Babá eletrônica com defeito”, copyright O Estado de S. Paulo, 18/05/03

“Se você ainda conhece alguém que sonha em ser apresentadora de programa infantil, por favor, remova essa idéia da cabeça dela. Se, nos anos 80, quando Xuxa, Angélica e Mara Maravilha dominavam a programação na TV, já era difícil um lugar ao sol, imagine agora, que a Rainha dos Baixinhos obtém míseros 8 pontos de audiência e as emissoras não se esforçam para investir no setor.

Não é possível especificar quando as emissoras começaram a deixar de lado o segmento infantil, mas é só zapear pelos canais para perceber que são raras as iniciativas para esse público. Muitos afirmam que sempre foi difícil investir em infantis e que, na época áurea da dobradinha apresentadora/loira, o que sustentava os programas eram os merchandisings. E, se a crise não deixa as TVs arriscarem em atrações nada ousadas para um público abrangente, o que dirá em algo tão específico como os infantis.

Tudo indica que a saída é deixar esse nicho de lado, como já fez a Band, ou basear a programação infantil nos desenhos enlatados. ?É muito mais barato exibir os desenhos japoneses e americanos, que são um produto barato, do que arriscar dinheiro em uma produção?, diz o diretor artístico da Globo, Geraldo Casé, responsável pela versão de O Sítio do Picapau Amarelo que a Globo exibia nos anos 70.

Espécie em extinção – Luciano Callegari, ex braço direito de Silvio Santos e atual superintendente Artístico e de Programação da Record, também concorda e até arrisca um palpite. ?Daqui 2, 3 anos, esse negócio de apresentadora não vai mais existir, pode esquecer.? Callegari acredita que hoje os desenhos animados são até mais importantes do que as apresentadoras. ?Os desenhos melhoraram muito de qualidade e, em virtude dos problemas financeiros, as emissoras passaram a colocar as apresentadoras apenas para anunciá-los.?

A Record faz isso aos fins de semana, com o Desenho Mania, a Globo, de segunda a sexta, no TV Globinho, e o SBT sempre viveu disso. A grande vantagem da emissora do homem do Baú é que, há muitos anos, ele adquiriu os direitos ?eternos? de clássicos como Tom e Jerry e Pica-pau, produtos que ele pode usar como e quando bem entender, segundo Callegari. É ótimo para os saudosistas, que podem matar a saudade assistindo aos mesmos programas que viam quando criança. O mexicano Chaves, que tem apenas 160 capítulos, é um ótimo exemplo, pois há quase 20 anos resiste na programação do SBT, com audiência que chega a incomodar a Globo no horário.

De acordo com Callegari, o canal de Silvio Santos só dedica a maior parte de sua grade ao público infantil porque exibe programas que já estão pagos. Os pacotes de desenhos podem ser comprados de diferentes formas. As repetições dependem do tipo de contrato que é assinado. ?A emissora pode ter direito a exibir a série cinco vezes, oito vezes, ou até ilimitadas vezes, como é o caso do SBT.?

Além do SBT, a Cultura é outra emissora que dedica metade de sua grade aos infantis – das 9 às 19 horas. Quem não teve oportunidade de assistir ao sucesso Castelo Rá-Tim-Bum, acredite, ainda tem chance de ver. A série, que nunca deixou de ser exibida pela emissora desde sua estréia, em 1994, vai ao ar agora em dois horários: às 13 e às 16h30, de segunda a sexta, para suprir a falta de novos programas. Já chegou a render 12 pontos de ibope e hoje marca 3, que é o máximo alcançado atualmente pela Cultura.

O cenário fica ainda mais triste se peneirarmos os últimos investimentos das emissoras na área infantil: sobra o remake de O Sítio do Picapau Amarelo, da Globo, e Ilha Rá-Tim-Bum, da Cultura, sendo que o último ainda não foi bem digerido, nem pela crítica nem pelas crianças. O Ilha vai ao ar em três horários diários, mas é inviável comparar a receptividade dele com a de seu antecessor, o Castelo. O máximo que o Ilha conseguiu foi 4 pontos de Ibope, sendo que o Castelo chegou a ser, logo no seu primeiro ano de exibição, o vice-líder de audiência no horário em que ia ao ar, das 19 às 19h30.

Salvo as exceções – Cultura e SBT – as outras emissoras não perdem tempo em exibir programas para as crianças. E, para Casé, essa é uma tendência mundial: ?Ninguém mais dedica muito tempo à programação infantil, isso acontece até mesmo no mercado externo.?

Gangorra do Ibope – A Record, que já teve boas idéias como o Agente G, apresentado por Gerson de Abreu, diz que se basta em exibir, das 8h30 às 9h30, o programa Fábrica Maluca, de Eliana, além dos desenhos enlatados nos fins de semana. Aliás, a apresentadora, que chegou a ser vice-líder de audiência e teve média de 7 pontos de ibope ano passado, atualmente amarga 2, 3 pontos. Navegando contra a maré, a Rede Vida estreou ontem o Coisas de Criança Especial.

Na Globo, o Sítio é um alento nesse cenário: vai bem. O mesmo não se pode dizer da nova empreitada de Xuxa, o Xuxa no Mundo da Imaginação. O programa estreou em novembro do ano passado com 19 pontos, mas tem mantido média de 8 pontos. Se compararmos ao desempenho da Rainha no começo de sua carreira, a situação complica ainda mais. Em seu primeiro ano, em 1986, o Xou da Xuxa, atraía cerca de 7 milhões de espectadores em todo o País. De acordo com o Ibope, o Xuxa no Mundo da Imaginação, dedicado a crianças de 0 a 10 anos, não conta nem com 2 milhões, segundo dados do PNT (Painel Nacional de TV) do instituto.

É fato que a medição de audiência nos anos 80 não era tão evoluída e pode haver uma margem de erro grande nos números da época, mas o que também dever ser dito é que o número de televisores aumentou significativamente nos últimos anos e que, de certo modo, Xuxa já não reina como antes.

As pesquisas de audiência indicam que os meninos não gostam do programa. Por isso, recentemente, a apresentadora convidou o ator Cláudio Heinrich para fazer um quadro sobre esportes radicais, a fim de atrair a atenção dos garotos.

O criador do Castelo Rá-Tim-Bum, Cao Hamburger, até vê boa intenção nos novos programas (Ilha e Xuxa), mas acha os dois fracos. ?A criança tem de ser tratada como pessoa inteligente. Quando faço um trabalho, o primeiro que tem de gostar sou eu?, diz. Aliás, para Cao, a Ilha é um trabalho equivocado. ?A base do programa é ruim. Não dá para sentir quais são os conceitos pedagógicos ou filosóficos do programa?, argumenta.

No caso da Globo, ele acha que a emissora peca em não arriscar, para continuar sendo líder em audiência. Depois do sucesso do Castelo, Cao foi contratado como consultor da Globo, mas nenhum de seus dois projetos vingou. O mesmo acontece com Mauricio de Sousa. Já há alguns anos, o criador da Turma da Mônica tenta emplacar um programa na emissora que, segundo a Central Globo de Comunicação (CGCom), ainda está em desenvolvimento e sem data para ser concluído.

Roletrando – Segundo os argumentos das emissoras para a estréia de cada infantil, seria possível dizer que a TV destinada às crianças precisa de reciclagem freqüente. O Balão Mágico foi substituído por Xuxa porque já estaria saturado, assim como a Rainha foi catapultada do seu Xou da Xuxa para dar espaço à TV Colosso e assim sucessivamente. Callegari concorda que, no mercado televisivo, sempre é necessário mudar. ?O formato das apresentadoras era um sucesso, mas não dá mais certo hoje. O que a Xuxa está fazendo é regredir 10, 15 anos.?

Callegari acredita que essa sede por novidade é uma característica típica do brasileiro. ?Eu vi o Roletrando pela primeira vez nos EUA em 1960, o apresentador devia ter uns 25 anos. E não é que o cara está fazendo a mesma coisa até hoje?? Segundo ele, nos EUA é comum um programa durar 15, 20 anos.

E, se nem as emissoras estão bancando grandes apostas no gênero, imagine os anunciantes. Segundo Paulo César Queiroz, vice-presidente de Mídia da DM9, o mercado procura ser includente, não excludente. Ou seja, é bem melhor anunciar em programas que atraem todos os tipos de público do que em um específico para crianças.

De acordo com ele, existem dois tipos de anunciantes para programa infantil: os de brinquedos (que diminuíram drasticamente nos últimos anos) e os comerciais que são orientados para as mães das crianças, que podem ser objetos de consumo – como produtos de limpeza, higiene e cuidado pessoal. Por natureza, um bom programa infantil já teria suas restrições para os anunciantes. Pior para o mercado, no entanto, só seria o que a tendência indica: que as emissoras exibissem basicamente os enlatados. ?Quem consegue assistir àqueles desenhos? Só criança e um ou outro adulto, o que delimita muito?, diz.

A verdade, para ele, é que a TV criou um formato – o feminino que tem jornalismo, entrevista e variedades – e percebeu que ele é muito mais includente para a captação de anunciantes.

Como se não bastasse, é muito mais complicado para uma agência produzir um comercial para crianças do que para adultos. É perigoso esbarrar em abordagens ilícitas, como a manipulação do consumidor. Segundo Queiroz, atualmente, a DM9 – uma das maiores agências do Brasil – não tem nenhum cliente que precise anunciar seu produto especificamente para este público.

Boa parte desses anunciantes prefere anunciar nos canais pagos infantis, como Nickelodeon, Fox Kids e Cartoon Network, onde o espaço publicitário custa mais barato. Mas nem tente culpar a TV paga pela decadência dos infantis na TV aberta. A abrangência desses canais ainda é muito pequena. A audiência do Cartoon Network, por exemplo, que é líder no segmento, foi de 1,4% em abril passado. Migração de público, se é que há, é fator ínfimo nesse diagnóstico.

De qualquer forma, é esse conteúdo oferecido pelos canais pagos que tem atraído mais a atenção dos executivos da nossa TV no quesito custo-benefício. Os enlatados, hoje, alguns de excelente qualidade, são as estrelas da cena. Às apresentadoras, restam papéis de coadjuvantes. A única vaga que não está assegurada nesse cenário, pena, é justamente a de produções bem-intencionadas, como Castelo, Sítio e o próprio Ilha.”