Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rick Bragg, o novo pária

CONFLITO NO TIMES ? I

Beatriz Singer

O New York Times está vivendo um dos momentos mais turbulentos de seus 152 anos de vida. Menos de um mês depois do escândalo de Jayson Blair, o repórter que plagiava e fabricava reportagens e as publicava no jornalão, um novo caso abala os pilares outrora sólidos da redação.

O repórter e vencedor de prêmio Pulitzer Rick Bragg, de 43 anos, nove deles dedicados ao Times, pediu demissão após receber uma suspensão de duas semanas. A suspensão, obra de Howell Raines, editor-executivo do Times, abalou a já fragilizada auto-estima do jornalão. "Bragg ofereceu sua demissão e eu aceitei", disse Raines, em memorando interno. "Sabemos que este tem sido um período difícil. Temos total confiança em nossa equipe."

A história de Bragg pode não ser tão cabeluda quanto a de Jayson Blair, mas levanta questões de procedimentos da redação que vêm se somar às anteriormente expostas, pondo em dúvida a eficácia do código de ética e do manual de redação do Times.

Desta vez, os holofotes se voltaram à linha que fornece crédito de autor e local da reportagem, chamada dateline. Um artigo escrito há menos de um ano em Apalachicola, na Flórida, foi assinado unicamente por Bragg, mas quem fez o trabalho pesado foi J. Wes Yoder, estagiário informal e não-remunerado, de 23 anos, "contratado" pelo repórter. Além disso, Bragg assina o artigo indicando Apalachicola como local da reportagem, mas o jornalista reconhece ter passado pouquíssimo tempo na cidade.

Bragg disse numa série de entrevistas que o uso de free-lancers por repórteres contratados pelo jornal é prática comum no Times. O comentário enfureceu muitos colegas; parte deles se manifestou em cartas ao sítio do Poynter Institute e por e-mails enviados a colegas que cobrem assuntos nacionais para o Times. "Rick insiste em que ter free-lancers fixos fazendo nossas reportagens é prática comum", escreveu Jennifer Steinhauer, chefe de redação da prefeitura de Nova York, em mensagem ao sítio do Poynter. "Isso seria novidade para a mulher e os filhos de Chris Chivers, um repórter que passou seis meses acampado no Iraque durante a guerra, fazendo seu trabalho."

Como explicou Matthew Rose [The Wall Street Journal, 29/5/03], baseado em esclarecimentos da porta-voz do Times Catherine Mathis, faz parte da política do jornal usar jornalistas que não fazem parte da equipe para conduzir entrevistas, ajudar em pesquisas ou com informações sobre o evento a ser noticiado, especialmente quando o prazo é apertado. No entanto, quando a contribuição é rotineira, esses free-lancers não recebem crédito nos artigos. Jornalistas de fora, segundo Catherine, podem receber o crédito quando suas reportagens refletirem operações ou estilos de escrita pouco usuais.

Isso na teoria. A função de Yoder no jornal não era padrão de forma alguma. Bragg cobria alguns dos gastos do estagiário, como o aluguel de seu apartamento, mas o jornal não lhe pagava salário porque não era um funcionário oficial. Bragg continua achando normal o uso que fez de free-lancers e de Yoder. Ao se referir à reportagem de Apalachicola, disse: "Se eu tivesse de fazer de novo sabendo de tudo isso, eu pensaria em fazer diferente, mas não tenho certeza de que de fato agiria de outra forma."

Em 2002, Yoder, então com 22 anos, contatou Bragg e perguntou se ele poderia ir a Nova Orleans vê-lo trabalhar. De acordo com reportagem de Matthew Rose, Douglas A. Blackmon e Brian Steinberg [The Wall Street Journal, 27/5/03], naquela época Yoder era estagiário não-remunerado de um pequeno jornal em Panama, Flórida. Bragg disse ao jovem para não esperar por créditos nos artigos devido à política do Times.

Na reportagem sobre Apalachicola, Yoder fez tudo sozinho. Bragg o guiou por telefone, visitando rapidamente Apalachicola antes de voltar a Nova Orleans, onde escreveu a matéria a partir das anotações de Yoder. "Eu estava ali, coletando material que iria para o New York Times", disse Yoder. "Foi mais do que eu esperava, e foi uma honra fazê-lo para Rick."

Alex S. Jones, diretor do Shorenstein Center on the Press, Politics and Public Policy, da Universidade de Harvard, e ex-repórter do Times, afirma que a questão preocupa principalmente o "contrato jornalístico", não o negócio do dia-a-dia de um jornal. "Sei que muitas vezes ajudei pessoas em reportagens das quais não queria ou esperava um crédito. Acho que é apenas parte do companheirismo da profissão."

Assinaturas e locais de reportagem "são muito importantes para aquela misteriosa coisa chamada credibilidade", disse Jay Rosen, chefe do Departamento de Jornalismo da Universidade de Nova York. As notícias, para Rosen, não devem apenas informar, mas também responder à pergunta "como você sabe disso?"

O incidente que culminou na demissão de Bragg repercutiu em outras redações, levando jornais de todos os EUA a discutirem mecanismos de reportagem e atribuições apropriadas, além de reverem e até enrijecerem suas políticas internas.

Leia também