DISPUTA PUBLICITÁRIA
José Carlos Aragão (*)
Barraco na propaganda brasileira, por causa de um sutiã. Pra quem não acompanhou a pendenga: a Wonderbra saiu com uma campanha, "O primeiro sutiã a gente nunca… ih, esqueci", parodiando a histórica campanha "O primeiro sutiã a gente nunca esquece", da concorrente Valisère. O fato provocou resposta imediata do publicitário Washington Olivetto, responsável pela criação da primeira campanha, em 1987, e que veiculou esta semana, na Caras, uma peça com o título: "O primeiro desrespeito a gente nunca esquece".
Olivetto já não mais atende a conta da Valisère, mas, tomando as dores do ex-cliente, afirma que "é triste ver uma frase que entrou para o dia-a-dia do brasileiro ser deturpada dessa forma oportunista e grosseira".
Não foi o único barraco recente, na área. Antes, vinha rolando um qüiproquó entre as empresas de telefonia celular Oi e Vivo, sendo esta última acusada por aquela de haver plagiado peças publicitárias de suas campanhas recentes. O pau quebrou entre as agências e foi parar nos tribunais.
Não vou me estender pela seara do direito, que não é minha praia, mas não posso me furtar a comentar o assunto ? como profissional de comunicação ? e a levantar uma questão que tem me afligido nos últimos dias: afinal, o que está faltando à propaganda brasileira ? &eaceacute;tica ou criatividade?
Alguns dos publicitários envolvidos nos casos acima estão entre os mais criativos e conceituados profissionais do país. São colecionadores de prêmios nos mais importantes festivais de propaganda, aqui e no exterior. Numa análise mais simplista de suas carreiras, são daqueles que não precisam provar mais nada a ninguém (a não ser a si próprios ? que a gente sabe como é exigente essa coisa chamada ego, num publicitário…).
Então, o que levaria um profissional de criação experiente a se atirar na "releitura" da obra de outro, reciclando-a ou, simplesmente, apropriando-se de algo que, segundo o outro, já foi alçado à condição de "patrimônio da cultura popular brasileira"? (Em tempo: admitir que se trata de "patrimônio da cultura popular" não implica considerar que já estaria incluído na condição de "domínio público"? ? Perguntar não ofende…)
Pode ter sido um daqueles momentos em que a criatividade resolve tirar férias por conta própria e sem aviso (acontece!), e o primeiro caminho que surge para atender às demandas brifadas com o cliente parece ser a melhor e única alternativa. E o profissional de criação arrasta toda a agência na direção daquela idéia esdrúxula (não confundir esdrúxula com original) que, pressionada por prazos impostos pelo cliente, fornecedores e veículos, apresenta-se como miraculosa e, com alguma sorte, candidata a Cannes.
Exemplos de conduta
No outro caso, usar fotos similares às utilizadas pela concorrência em campanha configura o quê? Que a criatividade, dessa vez, tirou licença-maternidade, foi pegar um bronze em Aruba ou fazer compras em Nova York? Ou terá sido uma citação, uma referência, um reconhecimento ao talento do outro (uma homenagem, talvez), e faltou a este o fairplay que têm alguns políticos que gostam de se ver em charges e caricaturas nas páginas de jornais?
Vamos tentar outra explicação para os casos citados: faltou ética.
No Brasil, não é muito comum mesmo o respeito à propriedade intelectual, ao direito de quem teve a idéia primeiro. Violações ao direito autoral são coisa corriqueira. Começam na escola, onde o livro é xerocado para virar apostila, à revelia do autor. Continua nos CDs pirateados, vendidos a preço de banana nas calçadas das nossas cidades, pra desencanto e desestímulo de nossos artistas. E ainda tem a internet…
Por que, então, ficaria a propaganda imune a esse respeito primordial ou à degeneração desses princípios? Afinal, ela é apenas uma peça desse sistema perverso com quem cria e complacente com quem copia.
Nada impede, contudo, que alguns publicitários sejam responsáveis e, aproveitando sua vasta capacidade de criar factóides para aumentar a exposição de seus egos na mídia ? em detrimento dos reais interesses do cliente, quase sempre ?, zelem também por dar exemplos de conduta ética e profissional. E que voltem a ser criativos como já o foram. Afinal, as boas idéias, a gente nunca esquece. Nem os maus exemplos.
(*) Jornalista e publicitário, de Belo Horizonte